domingo, 8 de maio de 2022

Número da porta: 39

 (...)

Acabei por lhe agradecer de novo ter-me ajudado a subir os degraus com o carrinho e ia pensando qual seria a razão daquele "Tem de ser assim".

No dia seguinte, quando cheguei e travei o carrinho, logo olhei para a porta com o n.º 39, que, porém, não se abriu. Nem vi qualquer luz, como às vezes acontecia. O meu olhar fixou-se nessa entrada enquanto levantava o carrinho e, com inusitada força, subi, apressada, os degraus até ao pátio. Abri a porta num ápice e logo a fechei, verificando se tinha ficado bem trancada. Eram estranhas aquelas aparições, de tão súbitas e silenciosas.

Esta pressa de entrar repetiu-se ao longo da semana porque não voltei a ver a vizinha da voz meiga e quase inaudível, cuja casa se mantinha às escuras, nem a porta se abriu às minhas chegadas do infantário com o bebé. Nos dias que se seguiram, nem sempre vim à mesma hora. Ou porque havia uma festinha no infantário, ou porque ficava a ver ou a comprar alguns produtos que as educadoras produziam para angariar fundos, ou porque passava pela padaria para comprar pão...

Uma tarde, pareceu-me ouvir o som de um violino. Reconheci ser música de Bach. Aproximei-me da janela, que dá para o pequeno jardim das traseiras, e vi a mesma senhora sentada numa cadeira com um homem ao seu lado a tocar violino. Fiquei por dentro do vidro a olhar e a ouvir.  E, curioso, parecia-me não ser a primeira vez que o tinha ouvido tocar. Ela, entretanto, levantou os olhos, viu-me e acenou-me em silêncio. Enquanto durava o gesto, o homem, repentinamente, parou de tocar, olhou no mesmo sentido, levantou-se, voltou para dentro, logo seguido por ela. Nessa tarde, fui ao infantário buscar o bebé mais cedo do que era habitual. Quando cheguei, não vi a vizinha nem ninguém que me pudesse ajudar, preferindo até que assim fosse.

Não sei se ela me causava medo, compaixão ou curiosidade, o que sei é que sempre estremecia pelas suas chegadas repentinas porque nada se ouvia, apesar de a parede da casa ser comum. Nem uma porta a fechar, nem a abrir, nem vozes, nem rádio ou televisão, nem o carteiro a tocar à porta... Só o som do violino de vez em quando. Cheguei a pensar que era um CD que, de repente, começava a tocar sozinho. Às vezes, em casa, falávamos disso ao jantar, mas logo mudávamos de assunto, porque o bebé chorava, ou fazia uma gracinha a que achávamos piada, ou queria que lhe lêssemos uma história... No dia seguinte, o trabalho era retomado e muitos factos sobrepunham-se a esse, que acabava por perder importância.

Com o ritual dos dias, continuaram intermitentes as saídas da vizinha do n.º 39 e as aparições quase de surpresa. Um dia, porém, estava eu a arranjar a melhor posição para erguer o carrinho e subir os degraus, vi e ouvi a porta a abrir-se normalmente com a vizinha a aproximar-se de mim, perguntando, num tom de voz também normal, mas sempre meigo, se eu precisava de ajuda.

- Sim, claro, disse eu. Muito obrigada. E acrescentei, sorrindo:

- Hoje não me assustei.

- Pois, hoje vejo que não, disse ela.

Agradeci, abri a porta, entrei e subi normalmente. Logo que pus o bebé no quadradinho mágico da sala, para ele brincar, ouvi, vindo do jardim das traseiras, uma voz que me chamava:

- Madam! Madam!

Aproximei-me da janela e ela disse-me olhando na minha direção:

- Vi agora que para amanhã se prevê bom tempo. Aceita vir tomar um chá comigo aqui no jardim?

- Sim, a que horas, perguntei.

- Amanhã, não tenho limitações. A que horas pode vir?

(...)

 

sábado, 7 de maio de 2022

Número da porta: 39

 (...)

Um mês depois, voltei a Londres e retomei a rotina habitual em casa do meu filho: tratar da casa, fazer as compras, caminhar, ir buscar o bebé, ler e escrever pequenas coisas... Ora, eu costumava ir ao infantário pelas cinco da tarde. No regresso a casa, o bebé palrava, eu cantarolava canções que sabia serem do seu agrado, mas o momento difícil para mim era subir os degraus exteriores com o carrinho. Quando chegava ao pequeno portão, ainda no passeio, olhava à minha volta para ver se havia alguém que me pudesse ajudar. Nem sempre avistava quem quer que fosse porque a rua era muito sossegada e passavam muitos minutos sem passar ninguém.

Num desses fins de tarde, de fria e cinzenta humidade, tentei ver se avistava alguém, como habitualmente, enquanto o bebé ia batendo palminhas de contentamento por termos chegado a casa e, finalmente, poder em breve brincar com o panda e os outros brinquedos. A chuva ameaçava no céu carregado. Havia os degraus para subir e o melhor era não perder tempo, porque podia começar a chover. Foi quando, de repente, sem ter visto ninguém nem ouvido qualquer ruído, surgiu uma mulher junto de mim, perguntando, em voz muito baixa e muito meiga, se eu precisava de ajuda.

- Sim, obrigada, desculpe, não a tinha visto - fui dizendo de forma desajeitada, sem nunca deixar de segurar bem o carrinho do bebé, assustada com a repentina aparição. Ela segurou de um lado, eu do outro e, já no pequeno pátio, agradeci. Ainda sem abrir a porta, despediu-se quase em surdina e vi-a entrar, silenciosamente, no n.º 39. Esquisito - pensei eu. Julgava que nem vivia ninguém na casa ao lado e, de repente, surge aquela pessoa. Que, na verdade, me ajudou bastante.

Subi as escadas interiores e a casa encheu-se de repente com as brincadeiras, as histórias, o pratinho com o jantar... E até me esqueci do que se tinha passado quando estávamos os três à mesa e o bebé brincava no pequeno parque a que tínhamos dado o nome de quadradinho mágico. Depois, veio o banhinho do bebé, os emails para ler e responder, as notícias que iam chegando à net, a leitura de algumas páginas do livro que andava a ler e... boa-noite, descansem bem... até amanhã!

O dia seguinte não foi muito diferente dos anteriores. Porém, o céu estava desanuviado e a tarde parecia mais clara quando regressei do infantário, embora o relógio indicasse a mesma hora. De novo, a chegada à porta de casa, a travagem do carrinho no passeio, a olhadela para ver se passava alguém a quem eu pudesse pedir ajuda e, de repente, enquanto olhava para a esquerda, apareceu-me a mesma mulher vinda do lado direito. Quase estremeci de susto outra vez.

- Desculpe, assustei-me - disse eu com a mesma falta de jeito, como tinha acontecido no dia anterior, não deixando de segurar bem o carrinho do bebé.

- Eu é que peço desculpa, disse-me ela, no mesmo tom muito baixo e meigo de voz, mas evito sempre fazer ruído com as portas e o meu calçado também é silencioso. Tem de ser assim. 

 

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Número da porta: 39

 

Antes da pandemia, ia com alguma frequência a Londres sobretudo para ajudar a minha filha. Este conto foi escrito lá e algumas coisas, como a casa, são reais. O resto foi-me surgindo pela rua de que sempre gostei e cujo nome achava inspirador: Pandora Road. Já não vivem lá.

Para não maçar muito, dividi o texto em partes mais pequenas. Esta é a primeira.

 

Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

José Saramago, Poema à boca fechada

 

A campainha da porta tocou. Era uma voz feminina. Eu estava sozinha em casa e compreendia mal a língua inglesa. Pedi, pelo intercomunicador, se podia falar mais alto e mais devagar. A pessoa tinha vindo morar para aquela rua e pretendia conhecer os vizinhos mais próximos. Sugeri-lhe que voltasse ao fim da tarde ou na manhã seguinte, porque estaríamos todos em casa. Os dias passaram, nada vi ou ouvi fora do habitual e a campainha não voltou a tocar.

A rua é bastante sossegada e muito semelhante a muitas zonas residenciais  perto do centro de Londres: uns poucos degraus a separar a casa da rua, uns vasos ou pequenos canteiros de flores variadas e contentores para os lixos domésticos de forma a não servirem de alimento às raposas que vagueiam e regougam pela calada da noite.

Pois bem, numa segunda-feira, fiquei sozinha durante o dia, como de costume. Enquanto organizava a casa, lembrava-me de que a campainha podia voltar a tocar e espreitava, de vez em quando, pela janela alta do quarto, donde, se me pusesse em bicos de pés, tinha uma visão da rua. A outra janela, mais larga e menos alta, dava para o pequeno jardim das traseiras, que mantinha sempre as mesmas cadeiras de palhinha escura, os mesmos arbustos, os mesmos vasos com flores, um dos quais tombado havia muito tempo. Observava as casas da frente para ver se via ou ouvia alguém que pudesse ter tocado à porta. Acabava por desistir quase sempre porque o espaço da rua que  abarcava era bastante reduzido.

Passou-se mais uma semana e logo a seguir veio outra, chegando o dia previsto para regressar a Portugal. De vez em quando, vinha-me à cabeça o toque da campainha seguido da voz de quem não chegara a conhecer; mas esqueci o caso durante uns tempos, porque, no meu país, esperavam-me afazeres acumulados.

 

terça-feira, 3 de maio de 2022

Ser velho nem sempre é ser velhinho!

 

Julgo que aqui já falei disto. Num dos últimos anos de vida do meu pai, acompanhei-o ao Centro de Saúde para uma consulta de rotina. A médica de família, enquanto lhe fazia os exames também de rotina, voltou-se para mim e disse:

- Gosto muito do seu pai. É um velhinho muito simpático.

Ele nada disse, mas ouvia o que nunca gostava de ouvir. Era velho, de facto, com a simpatia que lhe vinha do amor pela vida, mas 'velhinho simpático' não lhe assentava nada bem. Imaginou, por certo, tal como eu imaginei, um homem curvado, de bengala, sem autonomia, sentado sem ter nada que fazer, etc, o que não era nada o caso, porque ainda tinha bastante atividade, apesar das doenças que se lhe tinham entranhado ao longo da vida e que ele ia ajudando a mandar embora com a força que podia arranjar. E o diminutivo ainda mais o apoucava. Quando chegámos ao carro, ele vinha tristonho e não se falou do assunto. 

A médica, ao pretender ser também simpática, tinha acentuado uma realidade que custava enfrentar ao meu pai - a vida que tanto amava estava a dizer-lhe adeus. Ele sabia-o e lembrá-lo, fosse com que palavras fosse, só o acentuava também.

Numa outra situação, ouvi um diálogo entre duas mulheres, uma de uns setenta anos e outra com menos de cinquenta. A mais nova falava de uma viagem já marcada. A mais velha, com humor, disse-lhe:

- Que sortuda, eu também gostava.

E logo a resposta da mais nova:

-Você já está velha, não precisa de viajar.

Se no primeiro caso foi apenas falta de um bocadinho de chá,  a este último faltava tudo, sobrando até má educação e falta de conhecimento do mundo.

Também expressões como: Já não tens idade para isso, estás velho, etc. em nada contribuem para a felicidade de quem as ouve. Nem de quem as diz, acho eu. Mas só serão compreendidas quando sentidas.


domingo, 1 de maio de 2022

Gosto de as ver lá...

 

 ... onde sempre as vi em muitas primaveras.





Não me peça para apagar a luz do sol!

 

Ela dorme a sesta - mais longa do que me parece necessário, mas logo me vêm à memória as suas palavras: - cada um sabe de si.

No sofá antigo e baixinho do velho quarto da costura, leio versos breves de uma jovem poeta - Lígia Silva, que trabalha numa loja de bombons.

Oiço chamar. 
Filha, por que está a luz acesa?
A luz é do sol. Mãe, não podemos apagar a luz do sol.
Pensava que era de noite.
É de dia, mãe, e o dia está bonito. Posso abrir as janelas do quarto?
Hoje é o Dia da Mãe?
Sim, mãe.
Deixa-me descansar mais um bocadinho. A luz faz-me mal à cabeça.

Volto a sentar-me onde estava. Abro agora o livro de Teolinda Gersão que também tenho entre mãos.
Um gato, de vez em quando, empoleira-se no parapeito da janela e estende-se, dormente, ao sol.
As camélias vermelhas baloiçam na brisa.
Que passa na tarde em liberdade. 
 
E logo vejo a minha mãe a regar as plantas de manhã cedo,
a costurar na velha máquina Singer, 
a entrar a casa com uma cesta de hortaliças acabadinhas de colher,
a fazer os rolinhos de bacalhau, o guisado a saber a cominhos,  o bolo de bolacha como nunca mais vi nenhum...
Como tudo nos ficou na memória.
 
Volto ao presente.
Sim, mãe, vou já.
Não, mãe, ainda não é noite,
mas, mãe, não me peça para apagar a luz do sol. 


quarta-feira, 27 de abril de 2022

Hoje lembrei-me de Maputo

 

Há mais de vinte anos, passei uma semana em Moçambique - no Maputo. Estava em África pela primeira vez. Para além de muitos momentos vividos nessa cidade e que não esqueço, recordo-me da conversa com  um jovem professor - muito alto e muito magro - que não tinha dinheiro para comprar qualquer livro, mesmo que precisasse muito dele. Quando os livros de que necessitava estavam disponíveis na biblioteca, requisitava-os e então podia usá-los durante o período permitido. Para ele e muitos mais, o livro era assim um objeto útil, precioso, mas quase inacessível. E dizia-o com um ar triste numa larga avenida com muito artesanato, algum vento e o sol quase esmorecendo. Na altura, passavam mulheres de capulana e bacias de laranjas à cabeça. Os olhos eram convocados por tantas pessoas e por tantas coisas, mas, passado todo este tempo, prevalece a imagem do jovem professor que não ganhava para comprar um livro que fosse.


segunda-feira, 25 de abril de 2022

O Primeiro

 

Atravessámos o rio e fomos caminhando até ao quartel da Serra do Pilar. Vejo ainda a multidão a crescer com olhos incrédulos e palavras hesitantes - tal como nós. E inquietações. E dúvidas. E questões.

O regime caiu? Vivemos em liberdade? Já podemos falar mais à vontade? Vamos deixar de ter tanto medo?

Íamos de mãos dadas e tu falavas da guerra colonial que conhecias. Dizias acreditar que ia terminar e assim não haveria tantos mortos, muitas vezes sem saberem porquê. E que os jornais censurados diziam ser mortes por acidente, escondendo que eram vidas perdidas em combate.

E eu lembrava-me de poemas que lia na biblioteca onde tantas vezes vira outros jovens a entrarem de repente e a sentarem-se, como se estivessem a ler ou a estudar, e logo aparecer a polícia à paisana que os levava sem qualquer explicação.

E do professor de história que estava a responder a perguntas na aula e que  foi admoestado por permitir a infração da lei do silêncio por parte dos alunos.

E da palavra medo que fazia parte dos meus dias, não sendo nada politizada, como a grande maioria das pessoas, muitas das quais nem iam à escola porque tinham de trabalhar em idade de brincar. Medo da polícia, medo da pide, medo dos trovões, medo dos castigos de Deus, medo dos poderosos, medo dos outros...

Nesse primeiro 25 de Abril, muita gente tinha o transistor encostado ao ouvido para ouvir as notícias de Lisboa. Era uma revolução? Era uma revolta? E «depois do adeus»?

Havia espanto e muitas interrogações nos olhares, mas pressentíamos a mudança, ainda que tardia.

 

domingo, 24 de abril de 2022

Aurora

 
Há dias veio visitar a D. Rosinha. Quando chegou, disseram-lhe que ela estava a descansar. Não se conformou - não gostava de se conformar - com um grande ramo de flores na mão.
Sorridente e empática, justificou a vinda sem aviso.
Somos amigas há muitos anos. Estou cá de passagem e queria vê-la. Daqui a dois dias, volto para França.
Mas eu não conheço a senhora.
Diga-lhe que é a Aurora.
Voltando-se para o neto:
Anda-me buscar daqui a duas horas. Já não falo com a D Rosinha há anos.
Daí a pouco, estavam na sala a falar, já com as flores na jarra e um tabuleiro com chávenas de chá quentinho.
Que contente estava por estar ali. Não sabia o que lhe parecia já não visitar as manas Felgas. E como lhe custava saber da velha casa agora vazia. Que tristeza. E até a Lurdinhas morreu - dizia com mais pausas nas palavras. Sempre a ajudar as irmãs para que nada lhes faltasse.
Como estava a família em França? Estava bem, mas mais pequena, infelizmente. Sabia, com certeza, das perdas que tivera. Foi como lhe se lhe tivessem cortado o coração aos bocados. O primeiro foi o neto: um homem feito. E bonito. E tão carinhoso. Sempre bem disposto. Depois os dois filhos, os únicos rapazes que tinha. Ficaram as quatro raparigas.
O último foi o seu Zé, a amada companhia  de tantos anos. Ainda nem acreditava que já não tinha a presença próxima dele.
Não, não vivia com nenhuma filha. Elas tinham o seu trabalho e a vida delas e nunca gostou de ser pesada aos filhos. E viviam todos perto.
Claro que sabia que os 91 anos, que tinha feito no dia anterior, não eram brincadeira, mas sentia-se bem sozinha e, graças a Deus, tinha autonomia e ânimo todos os dias ao levantar e assim continuava pelo dia fora.
Também não precisava de muita coisa. Cozinhava, arrumava o que tinha de arrumar, ia ao cemitério todos os dias, ia tomar um cafezinho de vez em quando, falava com as madames vizinhas, os filhos telefonavam e visitavam-na amiúde ou ia a casa deles. Ah, e gostava muito de ver a televisão à noite.
Ai, D. Rosinha, como me podia esquecer do dia em que emigrei para França para ir ter com o meu Zé. Eu ainda não tinha feito 30 anos e levei os 5 filhos comigo, uns ao colo, outros pela mão. Como íamos a salto, até riachos tivemos de atravessar pelo nosso próprio pé. E como eles eram muito pequenos, não percebiam por que nunca mais parávamos de andar. Tínhamos passadores à nossa espera mas deixavam-nos ficar em sítios que  ficavam mais longe do que o inferno e ermos que nem lembrava ao demónio. Quando vimos o meu Zé à nossa espera, chorámos  todos como madalenas. E eu, que nem sou muito de lavar a cara com lágrimas, agarrei-me ao meu homem e fiquei abraçada a ele toda a noite. Os meninos adormeceram que nem anjos cansados mas felizes.
Se vou estar aqui muito tempo? Volto amanhã para França. Vim visitar a minha filha que vive em Portugal e ela quis festejar o meu aniversário.
O meu neto já me deu um toque. Valha-me Deus, o tempo passou tão depressa e já passaram duas horas. 
Fiquei tão feliz por termos falado. Já não nos víamos há tanto tempo, D. Rosinha. Só tenho pena é de não ver as suas irmãs. Éramos tão amigas. E o meu Zé fazia-as rir e depois dizia-me que era para elas não perderem o hábito. E a Lurdinhas era a que se ria mais e dizia que a casa delas era o Vaticano, porque só se rezava. Era tão engraçada. 
Nem sabe como estou contente por ter falado este bocadinho consigo. Sabe que, apesar de tudo o que já me aconteceu e de todas as dificuldades que vivi, tenho muitas alegrias todos os dias.
Se eu quero voltar para cá um dia?
Não, D. Rosinha, tenho lá os meus. Já parece a nossa terra. Só espero é que não nos mandem embora e se esqueçam dos nossos mortos que também lá deixaram o seu trabalho. Já lá vivi mais anos do que em Portugal. E, quando morrer, quero ficar ao lado do meu Zé. Ele deve estar farto de estar sozinho, mas quero que espere ainda algum tempo. Não tenho pressa.
Claro, D. Rosinha, a gente tem de se rir. E penso no que ele me dizia muitas vezes, que eu era a luz dos seus dias.
A luz da aurora.
Aí que essa teve graça, D. Rosinha. Por acaso gosto muito da luz da manhã, para não dizer de todas as horas. Deus queira que a luz continue.

 

terça-feira, 19 de abril de 2022

Um festival de tulipas (ou túlipas?)

 

Estas fotos vieram de Londres. Foram tiradas a semana passada em Hampton Court.