sábado, 27 de agosto de 2016

Girassóis na rua

Numa das muitas ruas sossegadas de Londres, existem árvores em pequenos canteiros quadrados, integrados nos passeios relativamente largos. Nesses canteiros, florescem pequenas flores cujas cores se conjugam com harmonia. De um desses canteiros, era ver vários girassóis bem largos na sua cor e altura.
Se alguém tivesse dúvidas sobre a rua onde se encontrava, uma vez que as casas são muito semelhanças, quando visse os girassóis, logo teria uma boa referência.
Não sei quem planta essas flores nesses espaços públicos. Se for trabalhador de qualquer autarquia, está a fazer um trabalho útil  à Comunidade; se for alguém por livre iniciativa, partilha, generosamente,  sentido estético e amor à Natureza.
Possa haver cada vez mais flores nas ruas. Que crescem sem abafar as mais pequeninas à sua volta,  todas com a sua própria cor.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

As flores na caixa

Não conhecia o nome a quem as flores se destinavam, mas havia uma semana que a caixa se encontrava naquele sítio, bem perto da porta por onde os diferentes inquilinos, que mal se conheciam, entravam e saíam. Como tinha havido um aniversário no prédio, a caixa poderia conter um presente para o aniversariante, mas não, as flores tinham outro destinatário. Se calhar, flores escolhidas com gosto e critério, mas, a avaliar pela demora em recolher a caixa, seriam para alguém que, por certo, já lá  não morava.

Para quem gostava de flores, custava imaginar um ramo a murchar sem ser olhado com olhos a sorrir e lábios felizes a agradecer.
Também quem fez o ramo devia ter pensado na melhor maneira de reunir as flores, combinando cores e carinhos.
Ninguém no prédio deslocara sequer a caixa, por curiosidade ou para libertar melhor a passagem.
Porém, toda a gente, ao passar, olhava a embalagem ali deixada. Como um velório de alguém que foi morrendo sem nunca ver apreciado o seu real perfume.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

As histórias de Clarinha

O riso da Clarinha

A Clarinha gosta de rir
Ou melhor, de a todos poder sorrir
Mas são sobretudo as crianças
Que o sorriso  lhe fazem abrir

Desde pequena que oiço
Que o sorriso é dobrado
Quando parece gargalhada
Por motivo inesperado

Mas nem sempre a Clarinha
Ri por alheias brincadeiras
parece por vezes dizer
Adultos, tenham maneiras

Assim, não ri quando se quer
Porque o sorriso não é forçado
A Clarinha tem de achar graça
Para o sorriso se ouvir dobrado

As histórias de Clarinha

Os livros e a avó

A Clarinha gosta de livros
De os abrir e folhear
Parando naquelas imagens
Que a sabem fascinar

Como  só tem um aninho
Não repara num pormenor
Que a avó gosta de os ler
Mesmo já sendo senior

E gosta de ler à Clarinha
Tantas hístórias do dia a dia
Porque o que é natural  e simples
Ensina e dá alegria

A avó da Clarinha
Olha a capa e a contracapa
Apreciando todo o trabalho
Que a tantos leitores escapa.

E a os livros de Clarinha
Quando ela vai fazer oó
Dão mais vida à prateleira
Ou são relidos pela avó

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Um garfo e o café expresso

Numa manhã de agosto, mãe e filha passaram pela confeitaria Gail - recentemente aberta em West  Hampstead, nos arredores de Londres,
Pediram café e uma fatia de bolo. Em inglês, continuando a falar entre si em língua portuguesa.Foi quando, do lado de dentro do balcão, um funcionàrio perguntou: 'querem um garfo'? Como não era habitual ouvirem falar português, só passados uns segundos as suas palavras foram assimiladas, seguidas logo de um sorriso e de um obrigada.
Após alguns dias, uma delas passou por lá outra vez na esperança de ver o mesmo funcionàrio e pedir-lhe um café bem tirado. Bem mesmo à maneira portuguesa - o pedido e o café. Só que o homem não  estava lá. Ela pediu na mesma um expresso -  sendo-lhe perguntado se era para levar ou tomar à mesa e se o café era duplo ou single.  Respondeu que era para tomar lá, que era single e deram-lhe um número para ser identificada a mesa onde iria sentar-se,
Dentro de alguns minutos, chegava um jovem funcionário com o café bem curto, bem azedo, bem morno que foi tomado em dois ou três goles. E mostrou admiração pela cliente tomar apenas o café sem comer nada. E talvez por aquele liquidozinho escuro no fundinho da pequena chávena custar duas libras.

domingo, 21 de agosto de 2016

Tal como na escrita

Em composições dos meus alunos, e não só, leio muitas vezes que se escreve para esquecer a realidade e os problemas da vida. Poderá ser, mas será sobretudo para encontrar outros caminhos e outros prazeres que enriquecem essa realidade. Tal como muitas pessoas se comprazem com outras atividades ou diversões.
Escrever é também um modo de estar só, tentando ir ao encontro dos outros.
Não sei como me surgiu esta ideia em manhâ de domingo que ainda está no início.
Talvez por ser o dia em que comummente  se busca algum relaxamento. Tal como na escrita.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

'Eating in the rain'. Or loving?

Em Londres, mesmo em dias de chuva de verão, as pessoas não deixam de tomar os seus capuccinos, lattes, sumos, etc nas esplanadas, mesmo quando estas ocupam parte de um estreito ainda que  coberto passeio. Não sei se no inverno será assim, mas penso que os ingleses nâo desperdiçam o ar livre sempre que podem.
Numa sexta- feira de agosto, um par de namorados tomava um chá com os habituais bolinhos servidos em pratos com pé. Chovia. Os pingos finos mas persistentes da chuva caíam a um meio metro. Saboreavam o chá e os docinhos amorosamente e devagar. A rua era sossegada por oposição à parte da frente da Patisserie Valerie, bem perto da zona dos museus de grandes filas, mesmo em dias de chuva quase outonal. Ao lado, sentou- se uma jovem que logo abriu uma revista folheando-a.
Como as mesas estavam muito próximas, os três começaram a falar e foram ficando, apesar de a manhã se ter despedido e a tarde ter chegado.
O par continuava aconchegado, dando as mãos, apoiando-as no ombro da pessoa amada...
Quando se despediram, sorridentes, a rapariga continuou a ler a revista, a rua manteve-se
 quase sem tränsito, mas tinha parado de chover.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Momentos Zen

A casa era pequena. Mas com várias janelas. E claraboias. Era uma casa com muita luz
A claridade da manhã entrava muito cedo  e o dia na casa também começava cedo.
Só temporariamente estava naquela casa dos arredores de Londres e gostava de chegar cedo à cozinha. Fechava a porta para não se ouvir barulho e fazia logo café que tomava numa caneca de florzinhas azuis que tirava, com cuidado e devagarinho, do armário.
E escrevia pequeninos textos quase sem história mas que eram importantes para a sua história.
Quando a casa acordava, a porta da cozinha abria-se e entravam novas luzes. Não havia tanto tempo para observar a luz que estrava livremente pela janela, mas o Céu continuava a brilhar.

domingo, 14 de agosto de 2016

S. Francisco ao natural (Yosemite Park)


quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Cores musicais

Nunca o detestei nem os apreciei tanto!

Pois, como quase tudo pode tocar a todos, os incêndios ontem estiveram próximos da zona onde moro. Um cenário de horror a escassas centenas de metros. E bem mais suave do que nos sítios em que os moradores aflitos veem o fogo a entrar-lhes em casa devastando tudo.
Para além da mão humana, que por loucura ajudou a atear o fogo, o vento tem sido um dos principais inimigos. E hoje sopra outra vez e de que maneira. Espalha as chamas, o fumo, o incontrolável terror. Nunca o detestei tanto.
Na tarde de ontem, as sirenes dos carros dos bombeiros ouviam-se com frequência, um helicóptero penetrava no fumo escuro do ar para apagar as chamas devoradoras. O INEM transportava  pessoas que precisavam de assistência hospitalar. 
Nunca apreciei tanto os bombeiros e as pessoas que ajudam a combater os fogos. Devem andar exaustos e não param de trabalhar  para que as populações fiquem mais sossegadas.
Enquanto uns loucos e o vento descontrolado não as desassossegam.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

O mal e o bem

Turner . 1835
Pelas notícias, vamos vendo que muitos dos incêndios são provocados por mão humana e por atos individuais. Assim, um tresloucado momento de loucura leva, de repente, à perda de vidas humanas, de bens materiais e, logo, ao sofrimento e desespero.
Hoje de manhã cedo, regando a horta, senti (se calhar, de forma egoísta) como é bom ter água e não ver incêndios por perto. No entanto, o céu carregava-se de nuvens de fumo, as sirenes faziam-se ouvir e o vento, que parecia refrescante, seria o menos desejado nas zonas em que bombeiros e populações combatem arduamente as chamas.
Se atos de maldade ou de inconsciência se repercutem assim, por que não acontece o mesmo quando se pratica o bem?

Reflexos da Luz


terça-feira, 9 de agosto de 2016

Fascinante

Contagiante

Comovente

Emocionante

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Cerveja da Califórnia e bolas de sabão

Chegou serena, segura e sorridente. A saia preta quase lhe cobria os pés. O rosto era muito branco, os olhos azuis e o cabelo escorrido e claro. Contrariava bastante a imagem que se tem da mulher americana. Ah; era magra e de estatura média.
Como tinha de vir em viagem de trabalho a Londres, aproveitou para visitar familiares em  Portugal.
Logo aprendeu a dizer palavras como obrigada e sim, pronunciadas com sorridente convicção.
Ficou a conhecer locais que são referência para quem visita o Porto pela primeira vez: a ponte D. Luís para uma ida às caves, uma viagem de teleférico  para ver de cima o nosso "Porto sentido", a subida no funicular dos Guindais, os Clérigos, a rua das Flores, a livraria Lello, etc.
Tudo a interessava e era motivo de olhar atento.
Num dos últimos fins de tarde, foi buscar um aparelhinho simples de plástico e pôs-se a fazer balões para os mais pequeninos da família. Era vê-los a correr e a levantar os bracitos para apanhar as redondas e efémeras transparências.
À  noite, a família bebeu cerveja da Califórnia que recebera como presente. "Sabe a café". "É boa assim fresquinha". "É pena ser tão forte"...
E todos conversaram em inglês sobre a cerveja e não só. Até sobre o desejo de que Trump não  ganhasse as eleições.
No dia seguinte, partiu de novo rumo a Londres donde seguiria para a Califórnia.
Vestia de novo a saia comprida preta.
Em três dias, deixava uma imagem de simpática verdade, de sincera simplicidade, de sábia inclusão no mundo que se vai atravessando, tantas vezes com os prazeres simples de beber um copo de cerveja ou de ver as crianças a correr atrás de bolas de sabão.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Nunca é tarde!

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Nossa!!! Casa???

Em Mindelo, há uns bons quinze anos, quem tinha casa numa das ruas da parte Norte podia ver o mar de vários ângulos, se tivesse uma varanda.  De repente, num verão, o mar tinha desaparecido da vista dos moradores daquela rua porque nas dunas foram construídas duas grandes casas. Um grande desconsolo para quem gostava de olhar o mar a qualquer hora. 
Logo que ficaram prontas, as casas passaram a ter vozes de crianças e adultos. Também têm direito, diziam uns; escusavam era de ter invadido as dunas, comentavam outros.
Enquanto novas, as casas abriam-se sempre no verão e pressentia-se a alegre ligação ao mar que ondeava bem próximo. 
O tempo foi passando e as casas foram-se fechando, mesmo nos claros dias de verão sem vento nem neblina.
Como os muros são altos, não se vê o desgaste ferrugento que o tempo vai deixando, mas não é difícil prevê-lo. 
Para quê terem-se ocupado as dunas se estão vazias e húmidas as casas?
Um dia, apareceu uma placa numa dessas varandas que dizia; "A nossa casa".
Quem lá passa interroga-se se são as dunas, o mar ou uma casa rente ao abandono de quem a construiu e em breve a deixou.Talvez um porto mais seguro para quem deriva por muitos mares.
Um brasileiro, ao olhar a placa no edifício sobre as dunas, talvez dissesse: Nossa!!! Casa??

domingo, 31 de julho de 2016

Uma questão de cor?

Há muito tempo, ouvi um professor universitário, especialista em Linguística, referir que se recusava dizer "vinho verde" quando ia a um restaurante, uma vez que era do Norte. Preferia dizer "binho berde". Os alunos que assistiam à conferência fixaram a afirmação e, de vez em quando, lá vinham eles com a referência ao "binho berde", o que era um bom pretexto para ouvirem falar da variação e mudança a nível linguístico, ou seja, a variação tem a ver com a pronúncia ou outras diferenças vocabulares que emergem das diversas regiões e a mudança diz respeito à evolução da língua com a introdução, por exemplo, de novos vocábulos ou expressões, etc.

Como o vinho verde é bastante apreciado, e também por pessoas fora de Portugal, um familiar de portugueses, chegando a Portugal, logo quis comprar o referido vinho. Como não conhecia bem o produto, viu no rótulo que era vinho verde e comprou. Para um almoço de família, levou uma das garrafas e, antes do almoço, apressou-se a abri-la para ir provando o vinho e dando-o a provar também.
Deitou um pouco no copo e estranhou a cor. Logo perguntou: 
- O vinho verde também pode ser vermelho? 
Houve alguns risos, enquanto alguém lhe explicava o sentido de vinho verde.
 E, por certo, que também o brasileiro, durante a explicação,  ouviu dizer "binho berde", que num era bermelho mas tinto, carago!

domingo, 24 de julho de 2016

Li e reli - em domingo quente e repousado

 Na sua crónica da Revista do Expresso, de 16 de julho, 
à qual deu o título "O verbo repousar",
José Tolentino de Mendonça escreve:
"Mas o repouso, o verdadeiro repouso, é uma daquelas experiências
que nos abrem ao espantoso espetáculo da vida.
Esse que comparece no poema de Emily Dickinson":

"Como se eu pedisse uma simples Esmola,
E na minha mão maravilhada
Um Estrangeiro depusesse um reino,
E eu ficasse de boca aberta -
Como se perguntasse ao Oriente
Se tem uma Manhã para me dar -
E ele abrindo os seus Diques de púrpura,
Me despedaçasse com a Madrugada!"


Emily Dickinson


1830-1886

Happy End ??

AOS MEUS ALUNOS DO 12º 1 E 12º 3 da ESG
Bom dia, meninos, ou Bom dia a todos – eram as saudações habituais.
Às vezes, não começava logo a aula porque havia mochilas ainda por abrir, conversas que continuavam mesmo que mais rápidas, nem todos estavam sentados, um ou outro tinha-se esquecido do manual, um ou outro pedia uma caneta, um ou outro vinha falar comigo pelas mais diversas razões…
E assim se passaram três anos. Chegaram à sala de aula ainda mais meninos, no décimo ano, e concluíram o 12º já quase adultos. Durante os três anos, houve paixões, ilusões, desilusões, meigas palavras olhadas e sorridentes, palavras frias em olhar desviado, sonhos partilhados, segredos incontidos …
Sonhos  estridentes de quem sempre ouviu elogios pela graça e beleza física; mais silenciosos de quem se habituou a sentir-se menos bafejado pela natureza; apenas pressentidos de quem tudo parecia guardar; de quem sorria muito mas que às vezes chegava ou partia de rosto fechado para a caixa das lágrimas não se abrir…
Ó professora, ando baralhada, não sei que curso hei de escolher. Ajude-me. Isto é muito complicado.
E tantas insistências: atenção, meninos, erros de pontuação, ortográficos ou de acentuação cada um desconta um ponto em exame e olhem que os erros sintáticos descontam dois. E os argumentos têm de mostrar, de forma clara, que vocês têm consciência do mundo à vossa volta. Concentrem-se, organizem o vosso tempo e estudem mostrando o que valem…
Tantas e diferentes reações fui ouvindo a propósito, por exemplo, das obras estudadas: “Adorei o Memorial do Convento. É mesmo fixe. Li-o em quatro dias”. “Nunca li um livro. Eu tenho os resumos”. “Afinal, estou a perceber e a gostar”. “Demora muito tempo a ler e tenho de estudar para o teste”. “Ainda não comecei, mas você vai ver que vou ler” (Não digas você!! Como deves dizer??)
Meninos, os exames estão à porta, não se preocupem tanto com a Festa de Finalistas. Há tempo para tudo.
E chegou a noite tão esperada do baile de Finalistas. Ao fim da tarde, iam chegando à quinta como príncipes e princesas de contos de encantar. Obrigada, foi a minha avó que fez o meu vestido. Era da minha mãe; só o mandei arranjar. Tive de comprar outro, porque o que eu tinha encomendado não chegou a tempo. Obrigada, também gosto muito e as pulseiras foram feitas pela minha mãe. Tenho os pés a doer, mas não quero tirar os sapatos…
E logo a seguir os exames. Não se preocupe, professora, vou tirar vinte!!
Pouco tempo depois: oh, estou triste, contava ter mais, correu-me tão bem! Estou contente, mas vou tentar subir na segunda fase! Nem contava ter tanto! Acabei o 12º ano que era o que eu queria! Tive positiva, afinal pus algumas vírgulas no lugar! Correu bem, já estava a contar com boa nota!…
Sim, meninos, de uma maneira geral, estou contente com o vosso desempenho. Claro que queria ainda melhores notas. No entanto, as duas turmas ficaram acima da média nacional. Parabéns e, de certeza, que reconhecem/reconhecerão que vale(u) a pena o esforço. Vocês foram as últimas turmas que ajudei a preparar para exame. Obrigada a todos pelo happy end que me proporcionaram.
Um grande xi-coração e que o futuro vos traga muitas alegrias.

sábado, 23 de julho de 2016

Carrossel

Quando olho a minha neta
Vida nova parece começar

Após dezenas de anos
Sempre sempre a trabalhar

Desejo o essencial
E bastante tranquilidade
Sem muita da correria
De discutível validade

Os vídeos infantis
E também tantas canções
Não sabia que me trariam
Tão calmas emoções

E os livros tão bonitos
Com palavras necessárias
E os desenhos e cores
De um mundo de formas várias


O soninho e o choro
Tudo parece natural
E ajudam a perceber
O que é fundamental

Tudo nisto a Clarinha
Parece ter um papel:
Fazer a vida rodar
Como mágico carrossel!

À exceção de Clarinha

Lembrou-se de uma Clarinha da sua infância. Tinha rosto redondinho, muito claro, tal como era o cabelo aos caracóis.
Clarinha morava numa casa onde cresciam rosas de muitas cores. Nunca brincava sozinha no jardim. Acompanhava-a sempre uma empregada que envergava um vestido azul e um avental, também azul, aos quadradinhos. A sua função era impedir que Clarinha se picasse nos espinhos das rosas ou que caísse para não ferir os joelhinhos de pele tão clara e macia. Também lhe ajeitava sempre o chapéu  para que o sol não a molestasse.
Com as amigas, a mãe de Clarinha repetia e repetia o seu nome, no diminutivo, mas que muito lhe aumentava as palavras que lhe saíam do coração.
Hoje, o jardim de Clarinha ainda continua, talvez com menos flores. Há muito que Clarinha saiu de casa, porque cresceu mais do que as rosas do seu jardim e ganhou asas como os pássaros que, enternecida, olhava pela janela.
Clarinha vive agora numa cidade fria do Norte. Nos aniversários dos pais, oferece-lhes sempre um ramo de rosas. Diz que são as suas flores de eleição. Como chega quase à noite e parte logo de manhã, nem repara que as do jardim têm mais cor e perfume.
De vez em quando, vem uma velhinha muito velhinha visitar os pais de Clarinha, também já muito velhinhos. É a empregada de antigamente e que agora se veste quase sempre de escuro. Tomam chá nas velhas e fininhas chávenas de porcelana e nunca falam do passado. À exceção de Clarinha.

Is it the end of love???

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Verão!

Seria hediondo fotografá-los. Porém, a beleza captada não o seria.  A cena, para mim, não era habitual. Se calhar, é comum, mas nunca a tinha visto na realidade, nem pintada em quadro, nem escrita em poema.
Os dois descansavam numa rua movimentada de Londres, onde passavam ruidosos e vibrantes turistas. Como se o efémero feliz se tornasse mais duradouro!
Eram duas pessoas; não sei se dois homens ou um homem e uma mulher.  Os dois, alheados dos demais, pareciam dormir. Um estava estendido no chão, com a cabeça no colo do outro. Uma das mãos, ladeando o rosto, segurava, firme, a mão do seu par.
Uma cena carinhosa - não fosse o infortúnio de serem dois sem-abrigo. Apesar da tocada ligação numa tarde quente de um domingo de verão em Londres.
Seria hediondo fotografá-los. A beleza captada talvez não o fosse!

Palavras diferentes

A Clarinha ainda não fala
E ouve línguas diferentes
O que vai sendo normal
Nas nossas modernas mentes

O papá diz water
A mamã diz água
O papá diz goodbye
A mãe, adeus sempre com mágoa

O papá diz soup
A mamã diz sopinha
O papá  lembra let's go to bed
A mamã: são horas da caminha

O papá conta histórias
E vai dizendo look
A mãe aponta para o livro
A que o pai chama book

O papá canta a song
A mamã acha bonita a canção
O papá diz heart
E a mamã coração

A mamã fica contente
Com os dentinhos da Clarinha
E o papá diz: good teeth
Lavando-lhe a carinha

E como falará Clarinha
Quando vier ao nosso país?
Será sempre uma riqueza
Como é grande a beleza
Quando larga é a raiz!


quarta-feira, 20 de julho de 2016

Bela oração

Igreja St James em West Hampstead


A Clarinha gosta de música
E a concertos ela vai
Lá vê outros bebés
Com a nani, a mãe ou o pai

E para além dos instrumentos
Que peças pequeninas tocam
Os músicos contam histórias
 E os meninos brincam, ouvem ou choram

Tudo parece natural
E todos estão à vontade
Porque a cultura é normal
E começa em tenra idade

Os concertos em igrejas
Que às crianças dão a mão
Criam hábitos musicais
O que é uma bela oração!

Rui Massena - "D-Day" - Luzes e sombras

sábado, 9 de julho de 2016

Histórias da Clarinha - os olhos

Os olhos da Clarinha
São mesmo da cor do céu
Não quando está enevoado
Mas quando se pinta de azul
Como quadro abençoado

E ficam sempre bem atentos
Perante a beleza do mundo
Às vezes parece que pensam
E fitam com olhar profundo

Quando o soninho vem
No colo da avó ou dos papás
Logo emerge a vontade
Que no mundo haja mais paz

E tal como janelinhas
Com soninho vão fechando
E quem olha a Clarinha
Também parece sonhando!

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Histórias da Clarinha - o morango

Quando a Clarinha
Come um moranguinho
A sua boquinha pequenina
Parece de um passarinho

Um pequeno passarinho
Que está sempre a depenicar
O vermelho moranguinho
Que dá gosto ver saborear

E quando foge dos dedinhos
E cai na roupa ou cadeirinha
Logo o procura a Clarinha
Com os seus pequenos dedinhos

E vai mostrando alegria
E também satisfação
Enquanto o moranguinho escorre
Na sua pequenina mão!

Histórias da Clarinha. - os livros

A Clarinha come livros
e começa a roê-los pelos cantinhos
Gosta deles de papel
E que sejam bem durinhos

E a avó diz à Clarinha
Que os livros não são para comer
Mas as histórias bem bonitas
Como é bom ouvi-las ler

E a Clarinha parece perguntar
Embora nada saiba dizer:
Se os meus papás devoram livros
Por que razão não  os posso comer?!

Jardim ou canteiro: eis a questão

Mrs Chloe tinha uma casa
Perto de Londres com um jardim
E nele morava uma roseira
Que tinha espinhos mas não era ruim

No jardim havia cadeiras
Para conviver e conversar
Mas nunca viram ninguém
Que nelas se viesse sentar

Cercavam o jardim arbustos
Que cresciam e cresciam
Pareciam quatro paredes
E o vizinhos nada viam

E ter uma mesa sempre só
No meio de um bonito jardim
Era um crime de lesa-majestade
Para a roseira e para mim

E assim o pé de roseira
Que sozinho no jardim vivia
Dizia que preferia viver em canteiro
A  florir em jardim sem companhia!

sexta-feira, 1 de julho de 2016

O homem que escolhia o banco nos parques

Só ficava em casa nos dias de muita chuva. Nos outros, saía sempre de manhã, caminhava um pouco, comprava uma sanduíche para o almoço e dirigia-se a um parque. Os espaços verdes e arborizados não faltavam em Londres, cidade que considerava sua, pois já lá vivia há mais de quarenta anos. Tinha saído da Irlanda e nunca mais lá tinha voltado. Os dinheiros escasseavam cada vez mais e também a família se foi afastando. Ou de forma definitiva ou de modo incómodo para restabelecer qualquer reencontro.
Habituara-se a passar sozinho a maior parte dos seus dias. E das noites também. Vivia numas águas- furtadas e ficava sempre a olhar o céu até de madrugada através da claraboia.Depois adormecia e a noite parecia passar mais depressa.
Quando saía pela manhã, o dia já ia quase a meio.  Todos os dias escolhia um parque diferente para almoçar. Ficava a olhar os estudantes vindos dos diversos continentes e que comiam alimentos com cheiros exóticos a que já se tinha habituado; os pares de namorados que aproximavam os corpos e sorriam; as pessoas que circulavam sempre a falar ao telemóvel...
Tirava a sanduíche do saco, Dele fazia também sair um jornal e ali ficava longo tempo. E a escolha do banco obedecia sempre a um critério: sentava-se perto de pessoas aparentemente felizes. Ouvia-as falar, sorrir, contar pequenas peripêcias de que saíam sempre vitoriosas. A felicidade dos outros reduzia o seu solitårio infortúnio.
Num dos últimos dias, sentou-se no banco onde  conversava um casal. Ela, carinhosamente, embalava o bebé num carrinho para que não acordasse antes do final da sesta habitual. Falavam das árvorres de Londres cujos nomes andavam a tentar aprender e a reconhecer para mais tarde ensinarem ao filho. Bom motivo para o velho se manter sentado perto do casal.
Também em tempos tinha tentado aprender o nome das árvores de Londres, mas desistira, já nem se lembrava da razão.
Quando o bebé acordou, o casal levantou-se  e partiu, não sem antes dizer um rápido Bye.
No dia seguinte, ao contrário do que era habitual, o velho irlandês não mudou de parque para almoçar. Queria confirmar  o nome das árvores que no dia anterior tinha aprendido. E que tinha escrito no velho jornal. E estava convicto de que não ia desistir. Tal como da vontade de ver o céu noturno através da claraboia da sua casa.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

I ❤️ London

  Poderia enumerar muitas coisas que me agradam em Londres, mas vou referir os canteiros floridos das casas. Retangulares na sua maioria, surgem às janelas, nos muros, no pavimento... E as flores são quase sempre miudinhas e de cores diferentes: azul, violeta, branco, amarelo...
E sob um céu tantas vezes cinzento e tantas vezes chuvoso, desenham-se estes bocadinhos alegres e vivos bem perto de quem por eles passa e de quem junto deles reside. Apetece passar devagar e contemplar os diferentes canteiros, uns mais bem cuidados do que outros, mas coma suave e bela pujança de um clima que torna mais verde o que a natureza assim sempre pintou.
A junção de tantas cores é como a multiplicação  de etnias que coabitam em Londres. Haverá alguém que queira que os canteiros londrinos  tenham uma  só cor? Se assim for, muitas flores morrerão e as que ficarem murcharão porque, ao serem cortadas todas. as outras, as raizes não deixam de ser afetadas.
I ❤️ London nas cores húmidas que a natureza da vida foi acrescentando, dando força e beleza à cidade. Só quem não a ama ou não a conhece  será capaz de o fazer. Ou não passou por ela devagar, como quando se contemplam os seus canteiros.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

BREXIT

 
Baile com máscaras a cair
Restos da União sonhada no passado
Europa fragmentada
Xadrez a exigir novas peças
Indesejado afastamento
Toada triste

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Ainda haverá poema?

Ó meu rico S. João,
Tira-nos deste empate
Ajuda a encontrar a vitória
Para que não fique na memória
Ganhar apenas por resgate

Com ou sem microfone
Que os jogadores não atirem à água
Tantos sonhos tantas crenças
Para resolver desavenças
Que emergem de tanta mágoa

E há muitos poetas que cantam
Os jogadores em campo a lutar
Como se a vida estivesse a seus pés
Com a bola a correr a sete pés
Para a vitória poder alcançar

Meu rico S.João, desculpa
De tanto pedido fazer
Nisto que não são orações
Apenas algumas impressões
De quem poema não sabe fazer

Mas no sábado é que vai ser
Diz o povo com esperança
E assim se esquece a tempestade
Sempre à espera da bonança!



quarta-feira, 22 de junho de 2016

Às 5h de hoje, haverá também poema?

A SELEÇÃO

Poema de Carlos Drummond de Andrade

Vai Rildo, não vai Amarildo?
Vão Pelé e, que bom. Mané,
o menino gaúcho Alcino
e nosso veterano Dino,
Altair, rima de Oldair,
ecoando na ponta: Ivair,
e na quadra do gol: Valdir.
Fábio, o que não pode faltar,
e também não pode Gilmar,
como, entre os santos dos santos,
o patriarca Djalma Santos,
sem esquecer o Djalma Dias
e, entre mil e uma noites, Dias.
Mas se a Comissão não se zanga,
quero ver, em Everton, Manga.
É canhoto, e daí? Fefeu,
quando chuta, nunca perdeu.
A chance que lhe foi roubada,
desta vez a tenha Parada.
Paraná, invicto guerreiro
para guerrear como aqui, lá.
Olhando pró chão, Jairzinho
é como joga legalzinho.
Não abro mão de Nado e Zito,
nem fique o Brito por não dito.
Ditão, é claro, por que não?
e o mineiríssimo Tostão,
o grande Silva, corintiana
glória e mais o áspero Fontana,
Dudu, Edu... e vou juntando
bons nomes ao nome de Orlando,
para chegar até Bellini
em cujas mãos a taça tine.
Célio, Servílio: suaves eles
já completados por Fidélis.
Edson, Denilson e Murilo,
cada um com seu próprio estilo.
Um lugar para Paulo Henrique
enquanto digo a Flávio: fique!
Com Paulo Borges bem na ponta
eu conto, e sei que você conta.
Na lateral, Carlos Alberto
estou certo que vai dar certo.
Acham tampinha Ubirajara?
Valor não se mede por vara.
Até parece de encomenda:
Leônidas, nome que é legenda.
E se Gérson do Botafogo
entra no campo, ganha o jogo.
Não podia esquecer o Lima
e seu chute de muita estima.
Com tudo isso e mais Rinaldo
e o canarinho de Ziraldo,
quarenta e seis, se conto bem
— um time igual eu nunca vi
em Europa, França e Belém —
que barbada seria o Tri,
hein?

(Correio da Manhã, 03-04-1966)

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Kisses for United Kingdom


sábado, 18 de junho de 2016

Algumas cores de S. João


Parte da instalação "Gira", no Largo de S. Domingos - Porto

S. João,  és manjerico,
 Alho porro, erva cidreira
E também o martelinho
A dar cor à barulheira!


S. João, na minha infância,
Eu pedia um tostãozinho,
Mas se eu fosse banqueira,
Logo teria um milhãozinho!


O desconcerto do mundo
Na Europa foi instalado;
O rico recebe prémio
E o pobre é castigado!


S. João, isto  vai mal
No reino da Educação.
Haverá liberdade de escolha
Quando é enorme a seleção?

 
E por falar em seleção,
Logo o futebol vem à mente;
Oxalá Portugal aqueça
Para animar cá a gente!

 
E os políticos argumentam
Como se fossem  virgem santinha;
Querem que os lugares aqueçam
Puxando brasa à sua sardinha!


Ó meu rico S. João,
Vou-te fazer um pedido:

Ajuda a encontrar a direção
Neste mundo tão perdido!.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

J'aimerais être là


domingo, 12 de junho de 2016

Des saveurs du Midi


sábado, 11 de junho de 2016

Des couleurs du Midi


sexta-feira, 10 de junho de 2016

France - Le Midi aujourd'hui


Bons sabores artesanais


Stacey Kent - Ces petits riens


terça-feira, 31 de maio de 2016

Liberdade de escolha? De quem?

As escolas que defendem publicamente os contratos de associação têm usado slogans de uma grande emotividade e pouca consistência. Dizem, escrevem, repetem, propalam que deve haver "liberdade de escolha", e muitos põem, de facto, o slogan em prática. Muitos, isto é, direções desses estabelecimentos de ensino..
Ora, não sou nem nunca fui contra o ensino privado, Porém, se existem contratos de associação, com o recurso a dinheiros públicos, não poderão ser aplicados critérios de seleção de alunos como acontece, de forma recorrente e conhecida.
Um dia, um ex-aluno meu, do ensino público, com uma disciplina em atraso no secundário, disse-me que ia mudar de escola, porque tinha sabido de uma vaga num estabelecimento de ensino com contrato de associação. Disse-lhe que o melhor seria não contar com essa vaga. Ele, crente no concerto do mundo, manteve as expectativas. Perdeu-as, contudo, no dia em que contava fazer a inscrição. É que, para além de uma disciplina em atraso, as outras notas eram bastante baixas, o que afetaria, com certeza, o ranking escolar, porque não se antevia sucesso.
 De facto, todos conhecem casos em que a liberdade de escolha é limitada para muitos e abundante sobretudo para a direção dos colégios. Haverá, com certeza, exceções, mas não fazem a regra.
O mar amarelo, que se avistava em Lisboa na última manifestação, era composto por muitas crianças e jovens. Teriam sido consultados, respeitando a sua liberdade de escolha, para lá estarem?
Ontem, um comentador, julgo que Miguel Sousa Tavares, dizia ter desconhecido, até agora, a vasta  dimensão dos apoios do Estado a escolas privadas. Outro comentador, Luís Marques Mendes, por outro lado, dizia, no comentário do últimos domingo na SIC, que o governo devia manter os contratos de associação por mais dois anos, porque também existem muitos outros dinheiros que se gastam! Ora, isto é uma forma, embora displicente, de reconhecer que estes contratos são dispensáveis.
 A defesa da sua manutenção está a tornar-se apenas ideológica.
Outro slogan muito repetido é que o ensino ministrado nos colégios tem mais qualidade. - Imediata - acrescento eu, porque são referidos, com muita frequência, casos de grande sucesso no ensino superior, por parte de alunos que estudaram em escolas públicas.
Sem querer aumentar a cisão entre o ensino público e o privado, porque ambos merecem muito respeito, seria bom que não se perdesse tanto tempo com slogans e tiradas algo irracionais de uma só cor e em proveito próprio ou de um grupo restrito, mas que se agisse com mais sensatez, tendo em conta que "A César o que é de César".
E há tanto a fazer na Educação - tanto em escolas públicas como em privadas, apesar de já tanto se ter feito!

Maresia

         A propósito das afirmações, loucas e desrespeitosas, de José Cid
sobre os transmontanos, e que têm gerado um mar de críticas, 
lembrei-me deste texto
que postei em fevereiro de 2014. 
Partilho-o de novo.
E ando com saudades de ir a Trás-os-Montes, apesar de gostar muito do mar.

Van Gogh
Aqui estou em frente ao mar. Nunca pensei chegar até cá. Há setenta e cinco anos que vivo na minha aldeia de Trás-os-Montes. Lá nasci, lá vivi sempre e é lá que gostaria de morrer.

Quando era pequena, ouvia a minha mãe dizer que, na cidade, havia um mar de gente. E também falava do mar de água que ela dizia ficar muito muito longe. Demorava tanto a dizer a palavra que parece que ainda oiço aquele eco: looooooonnnge. Falava também do grande oceano. 
Senti sempre alguma curiosidade por saber como era o mar tão grande, assim como era o mar de gente. Nunca tive tempo nem oportunidade. Casei muito nova. Tinha a família, o campo, os animais… E também montanhas com neve ou secas pelo sol que pareciam barreiras.
Há muitos anos que os meus filhos saíram da aldeia. Foram abandonando a terra, enquanto se faziam homens. Como todas as outras pessoas mais novas e com força, foram trabalhar para longe e tudo foi morrendo aos poucos. Ficaram os velhos nas casas cada vez mais velhas e escuras. A aldeia, tal como as pessoas, envelheceu. Ficámos todos mais fracos e sós.
Os meus filhos quiseram sempre que eu conhecesse a cidade e que eu visse o mar. Acabei por vir, porque não gosto de dizer não aos meus filhos. Já bastou o tempo em que não lhes podia dar os brinquedos que pediam. O que valia é que gostavam das histórias que eu lhes contava. Olhava à minha volta e logo inventava um continho, como eu gostava de lhes dizer. Lembro-me da história do milho cor-de-rosa, da cereja-brinco-de-princesa, da castanha que gostava de apanhar sol, da geada endiabrada, da bola de trapos que se desfez antes de chegar à baliza…
Agora aqui estou em frente ao mar e só me apetece olhar e ficar calada. A luz é tão forte que mantenho os olhos quase fechados. Parece que estou numa festa, porque posso descansar e ver muita gente a passear. As pessoas não parecem ter pressa. A esta hora, se eu estivesse na minha aldeia, teria de recolher o gado e dar-lhe de comer. E acender o lume. Às vezes nem reparo nas cores do pôr-do-sol. E, no entanto, há turistas que ficam na estalagem que há na aldeia, atraídos pela paisagem do fim do dia, como se fosse íman para os seus olhos.
Agora que estou perto do mar, parece que oiço tudo melhor. E vejo melhor também. O cheiro é fresco e azul. Afinal estou a gostar de ter vindo.
O barulho das gaivotas é que parece agoirento. Parece que chamam ou gritam! Fazem-me lembrar uma rapariga da aldeia que decidiu emigrar. Dizia que não sabia como as pessoas podiam viver encarceradas entre montanhas que escondiam o céu. Algum tempo depois regressou. Deixou crescer os cabelos crespos e punha-se a cantar canções estranhas até de madrugada, à janela. As músicas falavam de um amor infeliz e de segredos nunca contados.
O mar é muito mais largo do que eu pensava. Faz muito barulho e as ondas, quando saltam, são mais altas do que os rochedos. A espuma parece neve no inverno da minha aldeia.
 Quando abro os olhos e vejo este mar cheio de luz, sinto-me pequenina. Parece que me cega. Lembro-me da minha terra que está muito distante. Não quero regressar por enquanto. O mar não pode ser visto a correr. É como os montes. Quem os olha só da estrada não os fica a conhecer nem os guarda na memória.
 Olho para o mar e parece que estou a ver e a ouvir a minha mãe. Ela, uma vez, ensinou-me uma palavra que ouvira de uma senhora da aldeia que tinha livros que lia numa casa à beira-mar. Essa palavra era maresia. Só agora a percebi melhor.
Assim como entendi a voz antiga de minha mãe.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Paisagem que se abre a contínuos olhares!


Uma belíssima ideia!

OFICINA DO LIVRO PARA CRIANÇAS A PARTIR DOS SEIS ANOS

No âmbito da próxima feira do livro “LIVROS NA REITORIA”, nas arcadas da Reitoria da Universidade do Porto, no dia 4/6/2016, vai ser realizada uma “oficina do livro” para crianças a partir dos 6 anos, pelo Serviço Educativo do Museu da Imprensa.
Esta actividade tem o livro como ponto de partida, e as crianças são desafiadas a construir livros através de técnicas simples e versáteis, de uma forma original e divertida, com dobragens e colagens, sendo a decoração e as histórias únicas e pessoais, e da inteira responsabilidade dos jovens criadores/autores.

Recursos humanos Dois monitores por oficina.
Materiais – Fornecidos pelo Museu da Imprensa.
Duração da oficina – 60 minutos (a partir das 16h)
Número máximo de participantes – 20 (vinte).
Preço – 7,50€ (IVA incluído)

DATA LIMITE PARA A INSCRIÇÃO: 27/05/2016
Contacto: 968707303

sábado, 14 de maio de 2016

Dina, Leyla, Cairo, francesinhas...

Ontem, ao fim da tarde, caminhávamos e estávamos quase a chegar à ponte D. Luís, no Porto. Em sentido contrário, vinha uma jovem. Parou junto de nós e perguntou, em inglês, como chegar à rua Santa Catarina. 
Estávamos bem longe para quem anda a pé. Entreolhámo-nos. Como seria o modo mais fácil de lá chegar? Ir pelo túnel? Não, o melhor seria, se ela quisesse, continuara a caminhada, acompanhá-la até ao Cubo e depois indicar-lhe o percurso. Logo aceitou com um sorriso de algum contentamento. Reparei, então, que era morena, magra, cabelo escuro e segurava um telemóvel na mão. Pelo caminho, fomos falando, entrecortando, de vez em quando, a conversa: como se diz em inglês? Se disser em francês, compreende? A little bit!
E, entretanto, chegámos à Ribeira. Os restaurantes, olhando o rio e o Cais de Gaia, ainda estavam quase vazios. Nos bancos, junto ao Douro, alguns casais de namorados pareciam viver a liberdade de tempo amoroso e livre. Bem perto, boiavam dois pequenos barcos.
Fomos caminhando. Qual é o seu país? Egito. Já lá foram? Não, mas conheço pessoas que estiveram lá. E gostaram? Sim, muito. Ela sorri. Acrescento que gostava de visitar o Cairo. Sim? É muito bonito e agora está mais calmo do que há uns cinco anos, continua ela. 
Perguntei-lhe o nome: Dina (talvez Dinah). Em Portugal, há muitas mulheres com esse nome. Sim? - pergunta ela com alguma admiração. E Leyla também? Não, dissemos-lhe. 
A minha filha chama-se Leyla e mostrou o telemóvel com a fotografia dos filhos. Muito bonitos - dissemos nós.
- Os seus filhos são crescidos e ainda é muito nova.
- Não, já tenho 34 anos. E abriu o sorriso moreno. As minhas amigas da minha idade já têm filhos muito mais velhos. Dissemos-lhe que atualmente há muitas mulheres em Portugal que têm filhos muito mais tarde.
E íamos caminhando. Apontámos para as Caves do Cais de Gaia. Não conhecia. Sim, do vinho do Porto já tinha ouvido falar. E depois perguntou por pratos típicos. Tinham-lhe falado de um peixe pequenino. Presumimos que fosse sardinha ou carapau.  Sim, é muito bom. Com arroz de feijão.
Passávamos junto a um restaurante, onde se podia ler que havia francesinhas. Conhece? Não. Quis saber o que havia por baixo do molho.
Chegámos ao Cubo. Parámos. Procurámos o melhor ângulo para se ver bem. E dissemos-lhe: sobe, duas ruas acima, vira à direita, vai ver a Estação de S. Bento, sobe a rua 31 de Janeiro, também à direita, e a rua perpendicular é a rua Santa Catarina. 
Isto tudo com muitos movimentos de mãos para suprir o que não se sabia explicar bem em inglês.
Passe uns bons dias no Porto.
E ela, olhando-nos, disse, em português: Obrigada, com um sorriso mais aberto do que no início.