sexta-feira, 1 de julho de 2016

O homem que escolhia o banco nos parques

Só ficava em casa nos dias de muita chuva. Nos outros, saía sempre de manhã, caminhava um pouco, comprava uma sanduíche para o almoço e dirigia-se a um parque. Os espaços verdes e arborizados não faltavam em Londres, cidade que considerava sua, pois já lá vivia há mais de quarenta anos. Tinha saído da Irlanda e nunca mais lá tinha voltado. Os dinheiros escasseavam cada vez mais e também a família se foi afastando. Ou de forma definitiva ou de modo incómodo para restabelecer qualquer reencontro.
Habituara-se a passar sozinho a maior parte dos seus dias. E das noites também. Vivia numas águas- furtadas e ficava sempre a olhar o céu até de madrugada através da claraboia.Depois adormecia e a noite parecia passar mais depressa.
Quando saía pela manhã, o dia já ia quase a meio.  Todos os dias escolhia um parque diferente para almoçar. Ficava a olhar os estudantes vindos dos diversos continentes e que comiam alimentos com cheiros exóticos a que já se tinha habituado; os pares de namorados que aproximavam os corpos e sorriam; as pessoas que circulavam sempre a falar ao telemóvel...
Tirava a sanduíche do saco, Dele fazia também sair um jornal e ali ficava longo tempo. E a escolha do banco obedecia sempre a um critério: sentava-se perto de pessoas aparentemente felizes. Ouvia-as falar, sorrir, contar pequenas peripêcias de que saíam sempre vitoriosas. A felicidade dos outros reduzia o seu solitårio infortúnio.
Num dos últimos dias, sentou-se no banco onde  conversava um casal. Ela, carinhosamente, embalava o bebé num carrinho para que não acordasse antes do final da sesta habitual. Falavam das árvorres de Londres cujos nomes andavam a tentar aprender e a reconhecer para mais tarde ensinarem ao filho. Bom motivo para o velho se manter sentado perto do casal.
Também em tempos tinha tentado aprender o nome das árvores de Londres, mas desistira, já nem se lembrava da razão.
Quando o bebé acordou, o casal levantou-se  e partiu, não sem antes dizer um rápido Bye.
No dia seguinte, ao contrário do que era habitual, o velho irlandês não mudou de parque para almoçar. Queria confirmar  o nome das árvores que no dia anterior tinha aprendido. E que tinha escrito no velho jornal. E estava convicto de que não ia desistir. Tal como da vontade de ver o céu noturno através da claraboia da sua casa.

2 comentários:

  1. Gostei muito da história.
    um beijinho e uma boa semana
    Gábi

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  2. Obrigada, Gábi. Vi há tempos um homem a almoçar num banco de um parque de Londres. Imaginei o resto.
    Um beijinho
    M.

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