sábado, 7 de abril de 2012

Os meus óculos partiram-se e o mundo ficou menos nítido

Mas será que o mundo está menos nítido ou será da falta dos óculos?
Pus uns óculos mais antigos que às vezes utilizo, porque ainda vejo bem com eles. Ou melhor, via, porque, apesar de o mundo se tornar mais nítido, ainda tem pouca nitidez.
Que chatice, em ano sem subsídio, vou ver de comprar novos óculos.
Mas será que o mundo está baço apenas porque não vejo bem sem óculos?
No entanto, estou a escrever com os óculos que usei durante uns anos.
Será que o mundo foi ficando mais baço ou o problema é só da minha vista?
Não posso responder claramente porque parti os meus óculos.
Hoje mesmo, vou tentar arranjar novos óculos.
Na esperança de ver que o mundo não perdeu nitidez e o problema é  só da minha vista.
Será?

Um dia



 Monet
              Um dia, mortos, gastos, voltaremos

              A viver livres como os animais

              E mesmo tão cansados floriremos

              Irmãos vivos do mar e dos pinhais

              

              O vento levará os mil cansaços

              Dos gestos agitados, irreais

              E há-de voltar aos nossos membros lassos

              A leve rapidez dos animais.

              

              Só então poderemos caminhar

              Através do mistério que se embala

              No verde dos pinhais, na voz do mar,

              E em nós germinará a sua fala.



Sophia de Mello Breyner

sexta-feira, 6 de abril de 2012

PIETÁ

Pietá -Michelangelo

Vejo-te ainda, Mãe, de olhar parado,
Da pedra e da tristeza, no teu canto,
Comigo ao colo, morto e nu, gelado,
Embrulhado nas dobras do teu manto.

Sobre o golpe sem fundo do meu lado
Ia caindo o rio do teu pranto;
E o meu corpo pasmava, amortalhado,
De um rio amargo que adoçava tanto.

Depois, a noite de uma outra vida
Veio descendo lenta, apetecida
Pela terra-polar de que me fiz;

Mas o teu pranto, pela noite além,
Seiva do mundo, ia caindo, Mãe,
Na sepultura fria da raiz.

Miguel Torga, Poesia Completa,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000, pág. 117.

Cafezinho e lapso


Ele é um jovem americano que está a aprender português. Perguntou: porquê cafezinho? É menos quantidade de café? Foi-lhe explicado que é um diminutivo habitual quando dizemos certas palavras em sinal de carinho.
Ele perguntou (julgo com ironia) se se aplicava a outras palavras: aeroportozinho, pilotozinho, chãozinho… Deu risota.
Ontem, uma das palavras mais repetidas nas televisões era lapso – a propósito do prolongamento do período em que os funcionários públicos não vão receber subsídio de férias nem de Natal. A maioria, é claro, porque prevê-se que instituições como a TAP e a CGD continuem como dantes. A este propósito, na altura da decisão da manutenção dos subsídios, alguns ministros disseram que não se tratava de regime de exceção mas de uma adaptação. Também deu risota, mas com riso amarelo, como é bom de ver.
Voltando à palavra lapso, se o jovem americano a conhecesse, talvez perguntasse se se podia dizer lapsozinho!
Se fosse ao Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, veria que a palavra provém do “latim lapsus ‘escorregadela’. 1. Ato de escorregar, de cair em falta. 2. Falta, erro, engano, por distração, descuido ou esquecimento. Falha”…
Os governantes que utiliza(ra)m a palavra ‘lapso’ insistem, imaculadamente, que ter dito que os subsídios não seriam aplicados  durante dois anos foi um lapso. Um erro? Não, um lapso? Um engano? Não, um lapso. Uma falha? Não, um lapso.
Os humoristas vão ter assunto. Nós, os funcionários públicos de brandos costumes, vamos comentando estes erros enquanto tomamos o nosso cafezinho.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Se às Vezes Digo que as Flores Sorriem

 Renoir

Se às vezes digo que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam,
Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
E cantos no correr dos rios...
É porque assim faço mais sentir aos homens falsos
A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.
Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes
À sua estupidez de sentidos...
Não concordo comigo mas absolvo-me,
Porque só sou essa cousa séria, um intérprete da Natureza,
Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
Por ela não ser linguagem nenhuma.


Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXXI"
Heterónimo de Fernando Pessoa

Seleção (natural?)




Em grande grupo





Entre a segurança e a ousadia


Quase todas as cores


Sobre um rio carregado


Sob um céu pesado


quarta-feira, 4 de abril de 2012

O Ovo

(Imagem retirada da net)
Nasruddin ganhava a vida a vender ovos.
Um belo dia passou alguém pela sua loja e disse: «Adivinhe o que trago na mão».
«Dê-me uma pista, pelo menos», disse Nasruddin.
«Pois dou-lhe várias e até muitas», disse o outro. «Tem forma de ovo, tamanho de ovo, aparência de ovo; tem cheiro de ovo, tem gosto de ovo e, por dentro, é branco e amarelo. É líquido antes de cozido… E é a galinha que o põe!»
«Ahaaa! Já sei!», exclamou Nasruddin: «É uma espécie de bolo!»
Quantas vezes também nós não entendemos o óbvio!
Falta-nos talvez a simplicidade e a atenção plena ao presente.
Anthony de Mello
O canto do pássaro
Lisboa, Ed. Paulinas, 1998
(Adaptação)
Texto enviado por: 
 http://contadoresdestorias.wordpress.com







Por falar em ovo…
Quando eu era pequena, a minha mãe criava galinhas e coelhos. Quando não tinha ovos que chegassem, eu ou a minha irmã íamos a duas casas de lavoura, na nossa aldeia, comprar os ovos. Ensinaram-nos a dizer: ovos para botar. Aqui, o sentido de botar era chocar e deles saírem novos pintos.
De ambas as casas tenho recordações.
As casas de lavoura tinham habitualmente os currais, a que chamávamos aidos, por baixo e no piso de cima ficava a parte da habitação.
Ora, quando chegávamos a uma das casas, chamávamos pela dona – era uma senhora muito alta, muito magra  que usava sempre saias compridas e um avental – e ela vinha à janela. Nós dizíamos que queríamos ovos. Ela desaparecia da janela e daí a nada tinha nas mãos uma cestinha com os ovos que fazia descer, cuidadosamente, por uma corda fina. Nós, em baixo, recolhíamos os ovos, colocávamos o dinheiro na cestinha que era de novo içada.
Da outra casa recordo a graciosidade da senhora que nos vendia os ovos, em contraste com a palha seca, o estrume, as hortaliças cheias de terra, os bois a chegar, pesados e tristonhos…
Dos ovos nasciam pintos que cresciam e se reproduziam, através de novos ovos. Também davam uma bela canja, arroz de frango, um bom assado a perfumar muitos domingos…
É curioso que deles no prato não me lembro, mas dos ovos e da capoeira nunca esqueci.


terça-feira, 3 de abril de 2012

Por que é que a EDP e PT se enganam sempre contra o consumidor?

Ontem, recebi uma fatura exorbitante de gás natural. Hoje, contactei os serviços, pedindo um esclarecimento.  Do outro lado, dizem-me que houve um erro na estimativa, que a fatura vai ser cancelada e substituída por outra. Pergunto quando irei receber nova fatura. Repetem-me num tom "soberano" que só sabem que a fatura vai ser cancelada. Interpelo a assistente se o erro foi meu e o porquê do tom. Reduz o volume de voz. Diz-me para aguardar. Aguardo. De vez em quando interrompe a música para me agradecer a espera. Após uns minutos, diz-me que poderei consultar os dados pretendidos no site da EDP. Digo-lhe: este tempo todo para me dizer que posso consultar o site? Desejo-lhe bom trabalho e um bom dia.

Lado mau da situação: apesar de muitos avanços, o consumidor ainda é o elo mais fraco.
Lado bom da situação: A conta que quase me assustara vai ser cancelada.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O lobo, a raposa, a cegonha...


Imagem retirada da net

Quando eu era pequena, o meu pai comprava-nos livros de histórias na feira do Livro do Porto.  Para mim e para os meus irmãos. Chegava a casa, contente, com vários livrinhos pequenos com capas coloridas e folhas com desenhos também de muitas cores.
Quase todas as histórias metiam lobos, raposas e cegonhas. Pelo menos foram os animais que me ficaram na memória. O lobo era feroz; a raposa, matreira e a cegonha vingativa.  
Convidavam-na para almoçar e apresentavam-lhe a comida num prato raso. O bico bem se abria mas não apanhava nada. Saía de casa dos amigos (se os amigos eram assim, como seriam os inimigos?), cheia de fome e desencanto. Não tardava muito a convidar a raposa, apresentando a comida em altas jarras...
Quando vejo livrinhos semelhantes, olho logo a ver se encontro o lobo, a raposa e a cegonha da minha infância.
E, por instantes, dura a ilusão.

domingo, 1 de abril de 2012

Diário de Mariana


Querido diário, ontem fui ao casamento do meu primo.
A minha mãe e as minhas irmãs cismaram que eu tinha de ir com sapatos altos e meias fininhas.  Elas não devem estar boas da cabeça. O que vale é que a minha irmã do meio disse assim: Mariana, acho que deves ir como te sentires melhor e se te tens sapatos de que gostas, por que se há de gastar dinheiro a comprar outros?!
Só que a minha mãe e a minha irmã mais velha acham que se a gente gosta da pessoa que nos convida para o casamento, devemos comprar tudo novo.  Eu refilo mas nem me ouvem. Que nervos.
Mas o casamento foi altamente. Até me esqueci que tinha os pés a arder (acabei por comprar sapatos novos mas recusei-me a andar de tacão porque depois ainda se riam de mim. ‘Tou mesmo a ver: olha a Mariana de sapatos altos. Coitadinha, nem parece ela! Como ela cresceu!)
Foi mesmo fixe o casamento. Os meus primos estavam muito contentes e toda a gente lhes dava os parabéns.
Quanto a mim, nem sei se me caso porque deve dar cá uma trabalheira. Na mesa onde fiquei, disseram assim: está tudo muito bonito e muito bem organizado.
Como é que eu me posso casar se em casa ‘tou sempre a ouvir que sou desarrumada e deixo as coisas para a última?! Ainda chegava ao dia do casamento, eu a correr de um lado para o outro  e a  não saber onde estava o vestido. Devia ser lindo.
Para além disso, toda a gente diz que eu sou simpática mas não poder refilar com ninguém durante todo o tempo deve ser um stress. Coitado, se calhar era o noivo (será que quando chegar a essa altura ainda ando com o Gi?) que pagava as favas e também  não concordo que se faça isso, porque acho altamente quando as pessoas estão contentes por estarem juntas, riem-se, olham-se, dizem coisas meiguinhas. É mesmo fofinho quando é assim..
As cerimónias na Igreja não foram paradas e  curti a música. Cerimónias sem música são um bocado seca. Quando chegou a noiva, toda a gente se virou para ela porque a noiva é sempre a rainha da festa. Como o meu primo era o noivo e  eu gosto muito dele, eu olhava para os dois. Ele ‘tava altamente: gravatinha, coletinho, fatinho… Também achei altamente o vestido da noiva. Não sei é como ela podia arrastar aquele véu tão direitinho. Se fosse eu, já sei que o deixava prender em qualquer lado e ainda o rasgava.
Depois das alianças, das promessas, dos beijinhos,  fomos almoçar. Eles estavam à porta a receber os convidados. Coitados, tiveram de dar e receber tantos beijinhos e abraços! Depois da entrada, vieram as entradinhas. Nestes casos, do que mais gosto é de petiscar. 
Na minha mesa, ficaram várias primas mais novas do que eu que eu mal conhecia De princípio, falávamos pouco, mas depois parecíamos todas da mesma idade. Passeámos pela quinta (só de pensar que me queriam impor a seca de sapatos fininhos!). 
Como a família é muito grande, nem sempre a gente se encontra. A minha mãe até diz que só se veem nos funerais. Livra!
Fiquei a saber que uma das minhas primas gosta muito de ler, outra curte fazer bolos, outra gosta de dançar; as mais pequenas têm um cão pastor alemão…  As que são mais novas do que eu três anos perguntaram-me se eu tinha facebook e ficaram admiradinhas por eu não ter.
Foi altamente ver toda a gente a falar e bem disposta.
Apesar de eu achar que não, se calhar até me quero casar. Mas não sei quando. Se calhar lá para o tempo em que estiver habituada a andar de sapatos altos. O pior é se nunca me habituo!

Muitos abracinhos, querido diário
Mariana

Comentário: Grande final! Ou melhor ainda: ALTAMENTE!
Gostei muito do casamento, visto pelos olhos da Mariana!
bjinhos
IA



As palavras podem ser manchas de sol

Há pessoas que transformam o sol numa simples mancha amarela, mas há aquelas que fazem de uma simples mancha amarela o próprio sol.
Pablo Picasso



Obrigada, Za, pela mensagem sobre os livros.

 Mary Cassatt

Van Gogh

 Picasso




Em dia de casamento (31 de março 2012)


Umas palavrinhas,
Para ti, meu sobrinho T,
Porque é especial este dia.
Para além da tua elegância,
Mantens sempre com constância
A tua genuína simpatia.

Sempre disposto a ajudar,
Em caso simples ou complicado,
Com agilidade, paciência e saber
Graças à tua ajuda passamos a ter
Internet para ligar, eletricidade para poder ver
Ficando o problema solucionado.

Gostas da natureza e do ar livre;
De vida simples
Sem luxo e sem vaidade.
O teu meigo sorriso
Sempre se abriu à família
Com terna serenidade.

Que o futuro conserve a bela música,
Como a de ambiente que existe em vossa casa
Que juntos foram decorando,
De forma pensada e organizada
E o caminho fez-se caminhando.

O teu trabalho quotidiano
 Anda à volta de aparelhos
Que a eletrónica detém;
Assim, ousando construir,
Ajudas a ciência a evoluir
Para o mundo ir mais além.

Vocês, T, e D,
Fazem juntos um belo par.
Parabéns e felicidades
E que este dia do vosso casamento
Seja um feliz advento
De muitas primaveras floridas
Para que continuem a alegrar
E amorosamente celebrar
As vossas vidas unidas.

Um xi-coração 


sexta-feira, 30 de março de 2012

Eles também não acreditam


Ontem, encontrei duas alunas que frequentam o 12º ano. Na breve conversa, veio à baila o papel dos políticos e como são diferentes antes e depois de assumirem o poder. Muitos passam a mentir, mudam de ideias, esquecem os ideais que defendiam, justificam atos que consideravam reprováveis… Não sei se será por isso que alguns tiram os óculos e passam a usar lentes de contacto!
E disseram elas: eu já não acredito nos políticos.
E disse-lhes eu: é pena que também muitos de vocês, jovens, cheguem a esta conclusão.

E o pior é que em todas as idades se reconhece que a culpa não é só de quem os antecedeu.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Sopa de peixe e leite-creme

Fiz sopa de peixe (obrigada, A., por tê-la saboreado em tua casa e teres-me dado a receita). Estava muito boa - disseram. Fiquei contente. 
No leite-creme queimado, o açúcar formou uma mancha arredondada. E eles disseram (ou eu imaginei): que pinta!