segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
Era uma vez uma princesa…
Para a S.
Por que é que se usa
sempre o verbo no passado (pretérito imperfeito) se nos queremos referir ao
presente?
Pois bem, é uma menina
a quem muitas vezes chamamos princesa. Não é só por ter a pele clarinha, cabelos
louros, um rosto bonito, uma voz suave, ser elegante, pronunciar bem as
palavras…
Não, chamamos-lhe princesa porque está atenta
nas aulas, faz os trabalhos de casa, tem habilidade para o desporto e para produzir
bonitos trabalhos manuais, gosta de ler, de ir ao cinema, de estar com a
família e os amigos, de brincar perto das árvores e das flores…
E como se isto não
bastasse, tem um nome carregadinho de sabedoria.
É por isso que, ao
vê-la, apetece dizer assim:
Era uma vez uma princesa…
Meu rei...
Em época de Natal, e faltando vários dias para os Reis, em
conversa, numa sala com muita luz e louras rabanadas sobre a mesa, veio à baila
o termo “meu rei” utilizado em S. Pedro da Cova, Gondomar. Tanto é dito a homem
ou mulher. Tem é de merecer apreço e carinho.
Ela contou, com alegria cintilante nos azuis olhos fundos e
profundos, que a avó de um seu aluno, quando se lhe dirige, diz: Meu rei…
Seria bom que pudéssemos dizer e ouvir muitas vezes: Meu
rei…
Cresceríamos em autoestima, evitando, em muitos setores, “andar sem rei nem roque”!
Diário de Mariana
26
de dezembro 2011
Querido
diário,
Nos
últimos dias, foi tão grande a correria: prendas que faltavam, arranjos da
casa, preparação do jantar de Natal e do
almoço do dia seguinte…
Nestes casos, já sei que não paro:
Mariana, para aqui; Mariana, para acolá…
E se fossem só os afazeres domésticos, mas
é também: Mariana, aproveita este bocadinho livre e vai estudar… Mariana, não
te esqueças do teu contrato de leitura… Às vezes, nem sei para que lado me hei
de virar.
A minha mãe não ficou chateada com as notas
que tirei (eu acho que ela faz de conta que tem confiança em mim, mas está
sempre com receio que não me safe). Não foram altamente como as da Bia, mas
foram mais ou menos. A minha mãe até disse: Mariana, se conseguiste chegar até
aqui, podes ir muito mais além (quando a minha mãe me diz isto, eu rio-me e
pergunto-lhe se vou viajar!).
Mas passamos tanto tempo a desejar bom
Natal e resume-se a um dia ou dois com mais convívio, tipo familiares mais
chegados, mas não sei muito bem se as pessoas se reúnem porque querem mesmo ou é só por tradição. Pelo que vou observando, acho até que muitas
pessoas fazem o frete, porque têm mais trabalho, não podem sair tão à vontade,
não podem ver os programas preferidos sem serem interrompidas, têm mais despesa… A avó da Cláudia fica tão stressada com a
reunião de toda a família que já se sentiu mal várias vezes na noite do Natal.
E fica toda a gente triste a a perguntar se valeu a pena aquela trabalheira.
Eu acho que as pessoas têm a sua rotina e
nem sempre gostam de variar o esquema. Eu por acaso até gosto, não acho muita
piada é estarem sempre a chamar por mim. Penso até que abusam, porque como não
sou tão estudiosa como as minhas irmãs, toda a família acha que o que não me
falta é tempo.
Hoje estava a responder a uma mensagem do
Gi e logo a minha mãe: Mariana, penteia o cabelo para ires comigo ao supermercado.
Pronto, já sabia que ia apanhar com um carrinho nas canelas e, ainda por cima,
ouvi: Mariana, não sejas distraída!
Cá em casa, ao sábado, vejo sempre um
semanário. Esta semana, li um título que dizia que há muitos velhos que ficam
nos hospitais porque não têm quem os receba em casa. Eu acho péssimo isso. Se
calhar, os familiares desses velhotes andam cheios de sorrisinhos a desejar bom
Natal a muita gente. Quando li o título (vou ver se tenho tempo para ler a
notícia toda), imaginei essas pessoas a
olhar tristes e paradas para as portas a verem se alguém chegava… Claro que às vezes é complicado quando eles
não ouvem, quando repetem muitas vezes a mesma coisa, quando pensam que todos
também têm muito tempo livre… mas daí a deixá-los sozinhos nos hospitais e nos
lares! Que horror! É indecente.
E não digo isto só por ser Natal. A minha
avó até me disse: espero, Mariana, que no futuro não faças isso e que tenhas
trabalho em condições. Pois. Oxalá.
Muitos abracinhos, querido diário.
Mariana
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Nasce mais uma vez
Nasce mais
uma vez,
Menino Deus!
Não faltes,
que me faltas
Neste
inverno gelado.
Nasce nu e
sagrado
No meu
poema,
Se não tens
um presépio
Mais
agasalhado.
Nasce e fica
comigo
Secretamente,
Até que eu,
infiel, te denuncie
Aos Herodes
do mundo.
Até que eu,
incapaz
De me calar,
Devasse os
versos e destrua a paz
Que agora
sinto, só de te sonhar.
Miguel Torga
Reflorir, sempre
Não é já de Natal esta poesia.
E, se a teus pés deponho algo que encerra
e não algo que cria,
é porque em ti confio: como a terra,
por sobre ti os anos passarão,
a mesma serás sempre, e o coração,
como esse interior da terra nunca visto,
a primavera eterna de que existo,
o reflorir de sempre, o dia a dia,
o novo tempo e os outros que hão-de vir.
|
Jorge de Sena, Poesia-I
Diário de Mariana
23 de dezembro 2011
Querido diário,
Há tanto tempo que não te escrevo, querido amigo diário. Já
tinha mesmo saudades. Desde a última vez que te contei o meu dia, houve tantas
cenas: os testes, os trabalhos, os relatórios, o conto de Natal… Já estava
cansada. Agora é muito fixe porque estou de férias. Posso dormir até mais
tarde, mandar mensagens quando quero e preciso (se o cartão estiver carregado,
é claro), não tenho de estar sempre a pensar se já tocou, se tenho a mochila
arrumada… É chato é a minha mãe estar sempre a lembrar-me que tenho os tê pê
cês para fazer:
- Mariana, aproveita o tempo; Mariana, já começaste a
estudar?...
Ontem à noite, felizmente, não ouvi isso. Fomos jantar a um
restaurante no Porto. Quando entrámos, pensei que era para velhotes, mas depois
até gostei. Foi altamente. Estava eu, as minhas irmãs, duas primas mais novas
do que eu e uma amiga de uma delas. Ah, e também estava a minha mãe.
Escolhemos filetes de peixe com arroz. Mas nós, as mais
novas, queríamos também batatas fritas, mas pensei: népia, porque uma das
minhas irmãs não gosta mesmo nada de infrações à regra. Ela disse logo:
- Meninas, nada de batatas fritas porque vocês hoje já
ingeriram muitas calorias.
Mas foi mesmo fixe, porque o empregado parece que adivinhou
e trouxe-nos uma travessinha com batatas fritas às rodelas e estaladiças. Até a
minha mãe comeu algumas pegando nelas com a pontinha dos dedos.
Para além da comida, a gente falou de muitas coisas, tipo os
adolescentes que às vezes parecem um bocadinho parvinhos, as nossas escolas, as
mães que gostam que os filhos sejam estudiosos, os nossos professores
preferidos, os professores que berram como se estivéssemos muito looonge…
Toda a gente diz que há a idade da parvoíce, mas ninguém
pergunta porquê nem diz que também já foi assim. Às vezes, vejo adultos que são
mais parvinhos do que muitos adolescentes. E o pior é que falam deles como uma
árvore limpinha que perdeu todas as folhas secas. Que horror! Às vezes, dizem
assim: ai, ele é tão amoroso ou tão amorosa e vem logo um mas… Mas é teimoso,
mas é distraído, mas é descuidado…
Parece que só eles, os adultos, é que têm juízo e fazem
tudo bem. Também não fazem tudo mal, porque lembro-me sempre do que a minha Dê
Tê diz: não se pode generalizar.
A minha irmã do meio não gosta de assuntos muito sérios à
mesa e lembrou-se de coisas engraçadas. Eu às vezes olhava para a minha mãe e
quase adivinhava o que ela estava a pensar: que uma das minhas primas é uma
princesa; a outra é uma boneca; a amiga de uma delas é muito engraçada e tem um
nome que rima com maresia…
Foi um jantar altamente e a minha mãe, quando se despediu,
disse que todas tinham sido muito boa companhia.
Fico por aqui, querido diário. Não falei do Gi. Esteve com
gripe e teve de faltar nos dois últimos dias de aulas. Tínhamos combinado ir
ver os torneios mas népia.
Fiz-lhe um postal de Natal com colagens de pano e de papel.
Ficou mesmo fixe. Fiz em tons de azul e pedi ao Rui, que é vizinho dele, se lho
entregava. O Rui depois disse-me que o Gi tinha gostado, mas preferia que fosse
vermelho. Que nervos!
Muitos abracinhos. Sabes que mesmo no Natal, estarás perto
de mim, porque os amigos também são para as boas ocasiões.
Mariana
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Todas as Cartas de Amor são Ridículas
Todas as cartas de amor são
Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas.
Também escrevi
em meu tempo
cartas de amor, Como as outras, Ridículas.
As cartas de
amor, se há amor,
Têm de ser Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor É que são Ridículas.
Quem me dera no
tempo
em que escrevia Sem dar por isso Cartas de amor Ridículas.
A verdade é que
hoje
As minhas memórias Dessas cartas de amor É que são Ridículas.
(Todas as
palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente Ridículas.)
Álvaro de Campos
(heterónimo de Fernando Pessoa)
|
Fernando e Ofélia
CARTA A OFÉLIA QUEIRÓS - 27 DE ABRIL DE 1920
Meu
Be«be»zinho lindo:
Não imaginas
a graça que te achei hoje á janella da casa de tua irmã! Ainda bem que
estavas alegre e que mostraste prazer em me ver (...).
Tenho estado
muito triste, e além d'isso muito cansado - triste não só por te não poder ver,
como também pelas complicações que outras pessoas teem interposto no nosso
caminho. Chego a crer que a influência constante, insistente, hábil d'essas
pessoas; não ralhando contigo, não se oppondo de modo evidente, mas trabalhando
lentamente sobre o teu espírito, venha a levar-te finalmente a não gostar de
mim. Sinto-me já differente; já não és a mesma que eras no escriptorio.
Não digo que tu própria tenhas dado por isso; mas dei eu, ou, pelo menos,
julguei dar por isso. Oxalá me tenha enganado...
Olha,
filhinha: não vejo nada claro no futuro. Quero dizer: não vejo o que vãe haver,
ou o que vãe ser de nós, dado, de mais a mais, o teu feitio de cederes a todas
as influencias de familia, e de em tudo seres de uma opinião contraria á
minha. No escriptorio eras mais dócil, mais meiga, mais amorável.
Enfim...
Amanhã passo
á mesma hora no Largo de Camões. Poderás tu apparecer à janella?
Sempre e
muito teu
Fernando
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