segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Diário de Mariana

10 de outubro

Querido diário,

Hoje, ao entrar para a primeira aula, disse à Bea: Vou ver o que se passa de engraçado para depois contar no meu diário. A Bea, que nunca manda dizer nada por ninguém, disse logo assim: ó Mariana, está mas é com atenção para teres boas notas. E eu respondi: mas o que tem a ver uma coisa com a outra? Fogo. Levas tudo a sério.

E por acaso passou-se uma coisa engraçada na aula, mas a setora é que não lhe achou piada nenhuma. O Micael estava sempre a virar-se para trás e a fazer comentários. A prof avisou-o várias vezes até que ficou séria e disse-lhe assim: Micael, sai imediatamente e faz uma cópia do texto. Quando terminares, podes voltar. Depois que ele saiu, a prof olhava de vez em quando para a porta, mas ele só veio quando faltavam poucos minutos para tocar.

Entrou e quase logo tocou a campainha. A prof disse então: Micael, mostra-me então o texto. Via-se mesmo que o Micael não queria mostrar e disse assim: já a guardei, setora. E a setora: quero vê-lo, como combinado. E ele: eu entrego amanhã, porque ainda não assinei. E a prof já quase a passar-se: Micael, tira a cópia, assina-a e mostra-ma agora. Ele abriu então o caderno, assinou e entregou a folha à professora. A setora, ao olhar, viu que havia quatro tipos de letra e que nem uma era dele. Nem queria acreditar.

Quando contei à minha mãe, ela disse logo assim: Mariana, às vezes os alunos pensam que os professores são tolinhos, mouquinhos e ceguinhos. Mas graças a Deus não são.

E eu: ó mãe, às vezes são. Tu não dizes que os professores são como as outras pessoas?

E a minha mãe: Mariana, não ponhas mais na carta. Quando a minha mãe diz isto, já está farta de me ouvir.

Mas fiquei a pensar que as raparigas que fizeram a cópia para o Micael foram mesmo totós. Eu nem para o Gi fazia. Era o que faltava.

Muitos beijinhos, querido diário

Mariana

domingo, 9 de outubro de 2011

Rosas em outubro





sábado, 8 de outubro de 2011

Diário de Mariana

8 de outubro

Querido diário,

Ontem, vi uma prof chorar. Anda sempre carregadinha com computador, pasta, etc…. Só a ouvi dizer no bar a uma colega: não sinto forças para trabalhar assim.

Eu estava com a Bea e até lhe dei sinal com o cotovelo.

Antes da aula, pusemo-nos, então, a recordar as vezes que já tínhamos visto profs chorar. A primeira vez foi numa aula do oitavo ano. Entrou uma empregada na sala com cara muito preocupada e disse baixinho: senhora professora, ligaram de sua casa. Querem falar com a senhora. É urgente. A prof saiu um bocadinho e depois chegou quase a chorar e disse-nos que um familiar muito próximo tinha falecido. Ficámos todos calados mas o Zé , tipo estúpido, disse uma piada e o rapaz que estava ao lado dele riu-se . Apeteceu-me bater-lhe. A prof pegou na carteira e saiu a chorar. Até se esqueceu da pasta em cima da cadeira. A empregada que ficou connosco é que reparou.

Outra vez foi quando uma setora entrou na sala de aula e foi ter com uma aluna que tinha ficado sem mãe. Ela queria consolar a rapariga, mas via-se que as palavras não vinham. Só as lágrimas. Parecia sem jeito como aquela prof que, sem querer, deu um poema a ler no dia do pai e o pai da rapariga tinha abandonado a família há uma semana. Fogo, que pontaria.

Não é que eu seja cusca, mas uma vez, há muito tempo, soube que uma prof também chorou porque uns alunos escreveram que tinham saudades das mães.

Outra vez, ia a subir as escadas e vi uma prof com lágrimas nos olhos a falar com um aluno dela que estava sufocadinho por causa de se ter zangado com a namorada.

Noutro dia, uma prof numa aula de substituição começou a passar-se por causa de dois alunos que não largavam o telemóvel e faziam de conta que ela era uma palhaça. Eu bem reparei que ela estava quase a chorar embora quisesse disfarçar.

Antes de reparar nisto, achava que os profs não choram, mas afinal, também choram, embora – como diz a minha mãe – sejam “pessoas muito resistentes”. Se nunca chorassem, a gente até julgava que eram de gesso e não de carne e osso como somos todos nós.

Se eu fosse prof, também era capaz de chorar quando visse alguém chorar como já vi o Gi.

E não gosto nada de ouvir dizer que os homens não choram.

Mil sorrisos, querido diário.

Mariana

PS – Vou tentar lembrar-me de situações em que os profs se riram muito e nós também. Também acho isso altamente.

A menina que não gostava das suas mãos



Há muitos muitos anos, havia uma menina que não gostava das suas mãos. Assim foi desde pequena. Para além de serem grandes, as mãos eram grossas e ficavam, muitas vezes, vermelhas. Sobretudo quando estava muito frio ou então muito calor. Por tudo isto, a menina escondia as mãos sempre que podia. Às vezes, usava luvas, mas estas aqueciam-lhe demasiado as mãos e faziam-nas parecer inchadas.

As mãos das amigas da menina eram fininhas, pequeninas e macias. Pelo menos era o que os seus olhos lhe mostravam. Nos passeios de domingo ou nas festas e romarias, as meninas passeavam muitas vezes de mão dada. Nesses momentos, a menina sentia bem a diferença e, por isso, sempre que podia, evitava dar a mão a alguém.

Às vezes só não fugia a dar a mão para não se sentir de fora – porque, para além de não gostar das suas mãos, tinha medo de que não gostassem dela. Sobretudo as amigas que se tinham habituado a receber muitos mimos desde pequeninas. A ouvirem e a saberem que certas tarefas não eram para elas, mas para mãos mais rijas e calejadas.

A menina foi crescendo. No inverno, vinham as frieiras. Cor de sangue pisado. Com elas, as mãos empolavam ainda mais. E a menina coçava os dedos para aliviar a comichão, mas esta mais aumentava. Até trazia dor. A menina evitava olhar para as suas mãos. Chegou mesmo a sofrer com o desgosto. Um dia, tomou uma resolução: não posso mudar as minhas mãos. Vou gostar delas como são porque se não as tivesse é que era um grande problema. E pensando deste modo, algumas palavras rimaram-lhe na cabeça:

Deixar de pensar no assunto

É uma prioridade

Pois para se fazer alguma coisa

Não é preciso mãos de princesa

Cor-de-rosa e cheiinhas de saúde e beleza

Mas o melhor é acreditar

Que com as nossas mãos ao dispor

Pode-se muita coisa mudar

E dar sinais de muito amor.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Casa comigo, Lina!



- Ó Lina, ainda bem que te vejo. Queria tanto falar contigo. Nem imaginas há quanto tempo ! E ninguém me pode criticar, porque este desejo só veio quando a minha mulher foi a enterrar. Não sei se sabes, mas fui sempre fiel. Até nas palavras e no olhar.

Mas agora, Lina, ando muito triste a pensar no inverno que aí vem. E não imaginas como sou friorento. No ano passado, quase ia morrendo porque a minha mulher tinha de dormir sozinha por causa da doença. Ninguém lhe podia tocar. As dores atacavam-na de tal modo que lhe tiravam a respiração. Chorei muitas vezes, Lina, ao vê-la assim. Lembro-me dela mas o frio que passei também não me sai da memória. Não posso dormir sozinho. Acho que outro inverno gelado pode ser-me fatal. Chego a ter medo.

Casa comigo, Lina. Assim, podes aquecer-me os pés. Não me faltam meias de lã, mas não é a mesma coisa. Nunca experimentei o teu calor, mas deve ser de calar toda a fadiga e toda a dor. As meias só aquecem os pés e o teu calor também me pode aquecer a alma. Contigo, posso dormir melhor, porque a noite é negra e eu, muitas vezes, passo-a em branco. Chego até a abrir a janela para contar as estrelas e vê-las a brilhar. Mas logo tenho de a fechar, porque fico tolhido de frio e de solidão. Preciso da tua luz, Lina. Também deves querer ter alguém porque há muito andas sozinha. Olha que a solidão é assassina. Não te deixes morrer, Lina, nem me deixes morrer a mim.

Para além de me aqueceres, fazias-me a comida. Nunca tive jeito para cozinhar e ando desconsolado. Como sempre sopa requentada. Eu sei que tu és habilidosa e tens umas boas mãos. Se casares comigo, também poderás fazer-me massagens, porque tenho as costas presas. Tu, Lina, podias libertar-me. Deve ser a tristeza em que vivo que me endureceu os músculos. De não ter ninguém que se vire para mim e me faça mudar de posição. Só de pensar nos teus carinhos, fico mais leve e sem dores.

Desculpa, Lina, não me calar mas sinto-me mal sozinho na minha casa. Deve ser por estar tudo desarrumado. Sei que a tua casa está sempre um brinquinho e quem lá vai fica sem pressa de se ir embora. Não é que eu ande a saber da tua vida, mas não sou ceguinho nem surdo e, aqui onde moramos, sabes bem que toda a gente se conhece. A minha casa, Lina, precisa de mão de mulher.

Diz qualquer coisa, Lina. Peço-te perdão por não parar de falar, mas andava quase entalado com isto tudo que tinha para te dizer. Não penses que sou um rejeitado. Eu reparei nalguns olhares até no funeral da minha mulher, mas é a ti que eu quero, Lina, porque és de confiança, tens saúde e boas qualidades. Faz-me feliz, Lina, aceita o meu pedido e verás que não te arrependes.

Não vês que tenho o jardim abandonado, Lina?! As ervas daninhas crescem tanto como os meus desgostos. E o teu está sempre tão bonito. Vejo-te sempre a tratar dele pela fresca. Se casasses comigo eras a minha flor preferida. Podias entrar no meu jardim à tua vontade. Tomavas conta de todos os meus perfumes.

Ao domingo, podíamos fazer um piquenique, porque sei que fazes muito bem bolinhos de bacalhau. E comíamos das tuas maçãs, porque as minhas caíram todas podres ou cheias de bicho. Este ano ajudavas-me a podar as árvores de fruto, porque sei que até enxertos sabes fazer muito bem. Não me deixes cair como uma árvore seca.

Aceita o meu pedido, Lina, porque me sinto muito só e só penso no frio do Inverno que sei que me vai atacar. Até de pensar nisso fico enregelado. Dás-me uma alegria, Lina? E quando os meus filhos nos vierem visitar, podes fazer assado para todos e todos poderão ver a minha alegria e satisfação, ficando mais descansados. É que os meus filhos, Lina, andam preocupados comigo. Sabem que passo mal com o inverno e há muito que já passei o outono da vida. Tinham até onde deixar os miúdos quando estivessem doentes, porque agora não está fácil para a mocidade e nem podem dizer que ficam em casa a tratar das crianças, porque logo a seguir são despedidos. E eu sei que tratas bem toda a gente. Eles são lindos, os meus netos. É pena serem teimosos, mas não saem a mim.

Faz-me a vontade, Lina. Desfaz este nó que eu sinto no peito. Diz-me que casas comigo e que ainda me podes aquecer neste inverno.

Diz alguma coisa, Lina. Fala-me ao coração. Diz, diz, então:

- Ó Godofredo, só de te ouvir assim, até do frio tenho medo!

Segue, segue o teu caminho

Mesmo falando sozinho.

Olha que vai arrefecer

E podes enregelar.

Como só queres receber

E nada aprendeste a dar,

Vai o raio que te parta contratar.