sábado, 17 de setembro de 2011

Dia ganho/tempo perdido...


Às vezes, perante algumas pessoas, apetece-me dizer: já ganhei o dia. Foi o que me aconteceu hoje pela manhã. Andava eu nos meus afazeres domésticos, olho para a televisão e vejo o João Gil a ser entrevistado. Apesar de não conhecer profundamente as suas músicas, reconheço muitas canções suas - como muita gente, aliás, porque é grande a sua criatividade. Parece inspirar-se em momentos comuns da vida dos cidadãos também comuns. Fá-lo em beleza, na minha opinião. Para além disso, revela uma visão serena e construtiva da vida.

João Gil tinha sido convidado para dar a sua opinião sobre a atualidade. Antes de entrar no tema, agradeceu o facto de assim poder falar por tanta gente que não tem oportunidade de dizer o que pensa. De facto, em muitos debates e programas dos meios de comunicação social, os rostos repetem-se, sendo previsíveis os pontos de vista das pessoas que estão sempre a aparecer. Muitas vezes, insistem um pouco mais no mesmo, escondendo o que é essencial.

A perceção que eu tive de que aquela pessoa – João Gil – era uma mais-valia para o meu dia não ocorre quando vejo a maioria dos políticos e muitos comentadores. Embora, tal como Narciso, eles olhem as águas, deliciando-se com a imagem que veem refletida.

Em vez de olharem para os outros e de compreenderem que também têm voz.

Também são belas as pequenas flores






quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Diário de Mariana

15 de setembro

Querido diário,

Chegou o dia da receção (escrevo assim, porque a minha mãe está sempre a dizer-me: Mariana, tenta aplicar as regras do Acordo Ortográfico que vais aprendendo) aos alunos e foi fixe. Cheguei cedo à escola. Não precisei de despertador nem que a minha mãe me acordasse. Quando entrei, Vi logo alguns colegas meus que também vêm para esta escola pela primeira vez. Fui ter com eles e ficámos no polivalente na conversa. E a olhar para aquele estenderete todo. Homens de capacete lá no meio a trabalhar. Muitas tábuas, muito entulho, muita rede…

Quando faltavam uns minutos para as dez e meia, aproximámo-nos da entrada do contentor, no piso de baixo, onde íamos ter a aula. A minha turma pôs-se de um lado e de outro do corredor por onde os professores iam passar. Sempre a ver quando chegava o nosso Dê Tê. Uma professora até disse: estão a assistir a um desfile? Vimos uma setora muito alta, com ar despachado, mas não era a nossa. Outra de cabelo encaracolado também continuou. Veio outra magrinha de cabelo preto curtinho e com gel, mas andou sempre. Depois passou uma prof a rir-se e a contar a outra que em vez de dizer loja do aluno tinha dito loja do cidadão. A seguir veio um prof já um bocadito cota e com ar de quem não estava lá muito para brincadeiras. Até que apareceu, finalmente, a nossa Dê Tê: de calças brancas, uma blusa cheia de cores, uma carteira com bonequinhos e de cabelo comprido ruivo. Vinha a olhar para o número das portas e parecia divertida Trazia várias folhas com regras que temos de cumprir. Eu nesta primeira aula nunca fico a conhecer bem os setores. Eles começam a falar e eu a pensar se têm filhos, se têm passatempos, se são boas pessoas, se têm amigos… Às vezes até nem oiço bem o que dizem. Reparo também no cabelo, na roupa, no modo como falam…. mas esta Dê Tê pareceu-me fixe. Depois de sairmos da sala, mostrou-nos algumas partes da escola e parecia gostar de estar connosco. Sei lá.

E a claridade, não acham um espetáculo? Fez esta pergunta duas vezes.

Mas ainda não foi desta que tive um prof de mochila e de rabo de cavalo.

Amanhã, acho que já vai ser a doer. Se vai.

Muitos beijinhos, querido diário.

Mariana

A Mãe

Foi a primeira pessoa a chegar à sala onde ia haver a reunião de conselho de turma. Sentia uma certa curiosidade em conhecer os professores da filha. Como seriam, o que diriam, que modo de encarar a vida deixariam entrever… É que a filha pouco falava em casa e os tempos de escola dela já iam bem longe.

Quando já estavam todos os professores reunidos na sala, o director de turma apresentou-a ao conselho: D. Ana, a mãe de Marisa. Todos lhe dirigiram um sorriso. Porém, no momento, pouco acrescentaram para além de um Olá, como está.

Iam pensando como mãe e filha eram tão diferentes. Marisa sempre extravagante e imprevisível. Chegava a ser provocadora pelos adereços que usava ou pelo modo como reagia face a propostas de trabalho que lhe desagradavam.

A mãe vestia um casaco grosso e antigo de fazenda. Parecia já ser agasalho há muitos frios Invernos. O cabelo grisalho acentuava a pele branca. À primeira vista, parecia avó de Marisa. Mas, ao longo do quase monólogo, parecia uma menina a quem davam a prenda de poder falar e ser escutada.

O tempo era reservado ao diálogo com os representantes dos encarregados de educação. E ela falava. Sem pressa e sem direção definida. Como se tudo fosse natural mas urgente. Pedia aos professores (não sabia bem se era pedido ou sugestão ou lembrança contra o esquecimento…) para serem compreensivos com os alunos, para os estimularem nos diferentes momentos, para serem tolerantes na data de entrega de trabalhos, para lhes darem uma palavrinha quando vissem que tal era necessário…

E entrelaçava estes desejos com problemas que conhecia muito bem, porque se confrontava com eles todos os dias e a todas as horas dentro de casa: solidão, depressão, dificuldades de toda a ordem...

Os professores quase não a interrompiam, sobretudo porque ela punha as questões e logo dava respostas. Como se estivesse habituada a falar só para si própria, a argumentar e a contra-argumentar sem interlocutor.

Tão diferente de Marisa que não ia além do superficial. Marisa, quando falava, parecia crivar as palavras, eliminando as mais gastas, pesadas ou inúteis no momento. A mãe, pelo contrário, embalava-se no seu próprio discurso. Parecia uma fonte cansada ainda que tranquila. E também distante, quase nunca procurada, ainda que necessária. Uma fonte na qual quase ninguém reparava, a menos que secasse.

Chegada a casa, contaria a todos a reunião.

Talvez conseguisse, porque se sentia bem mais aliviada.