sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Formas e cores


Diário de Mariana

23 de setembro

Querido diário,

Já te escrevi hoje, mas cheguei a casa e apeteceu-me comunicar outra vez.

Às vezes acho que não sou muito influenciável, mas outras sim. Eu gosto muito da minha diretora de turma e se calhar por isso dou comigo a pensar que gostava de ser professora.

Hoje fizemos mais uma prova de avaliação dignóstica. A escola deve gastar resmas de resmas de papel. Só para a minha turma é um teste de três ou quatro folhas em cada disciplina. E somos quase trinta alunos., é só pegar na máquina de calcular e fazer as contas. Tanta folha. A minha Dê Tê já nos disse que vai receber o relatório de todos os professores e que, embora não seja a avaliação mais importante, quer que tudo corra bem. Como gosto muito dela, era fixe que ela ficasse contente.

Enquanto estávamos a fazer a prova, um dos meus colegas arredondou os braços em cima da mesa, como se fossem uma almofada e deitou a cabeça. Parecia mesmo que queria dormir. A prof aproximou-se dele e disse-lhe para levantar a cabeça e rever a ficha. Eles falavam baixinho, mas quando é assim, parece que fico ainda mais atenta e curiosa. E a prof disse-lhe: tenta rever o ponto quatro. E ele: ó setora, eu já fiz e não vou fazer outra vez. E ela: por que não? Tens tempo e fica melhor. O que escreveste está muito incompleto. E o rapaz: não, setora, não quero escrever outra vez, porque dá muito trabalho. E disse trabaaaalho, demorando a dizer a palavra, como se fosse uma coisa muito difíiiiiiiicil.

Eu não sei muito bem, mas acho que a setora não conseguiu que ele completasse a resposta. E, coitada, bem se esforçou. No final da aula, eu até disse à Bea: nem sei se ainda quero ser prof. Dá muito trabaaaaalho. Ela começou a rir-se e disse assim: eu é que não quero. Custa-me aturar os meus irmãos quando não querem comer a sopa, que faria se tivesse insolentes à minha frente. Quando os alunos não estão atentos nem estudam, ela diz logo que são insolentes. Este até nem é muito, mas é um preguiçoso de primeira. Até faz nervos. E algumas profs falam com ele com paninhos de lã. Haviam era de lhe chegar a roupa ao pelo (não pus acento, porque a setora de português disse que agora é assim. Nem em “para” se põe acento quando é verbo. Eu acho esquisito, mas não é por isso que vou deixar de dormir. De noite, é claro. Posso não ser muito boa aluna, mas não vou dormir para as aulas. Mas comigo, os profs não me fazem fosquinhas, como diz o meu avô).

Muitos abracinhos, querido diário, porque já estou a ficar com sono.

Mariana

Mariana

Azáleas



Diário de Mariana



23 de setembro

Uma página diferente

Querido diário,

Eu hoje nem sei que diga. Às vezes, a minha mãe até me diz: Mariana, podes ser um bocadinho mais vaidosa. Eu nesses momentos apetecia-me dizer: tal mãe tal filha, mas olho para a minha mãe e tudo passa. Estou contente porque uma amiga da minha mãe escreveu-me por causa do meu diário. Fogo. Eu nem contava, porque acho fixe escrever o diário, mas pensei que ninguém lia. Para mais nem recebo comentários. Por isso até escrevo à vontade o que me vem à cabeça.

Eu não pedi autorização à amiga da minha mãe, mas vou pôr tudo o que ela escreveu. também não sou grande coisa a resumir. Esqueço o que não devo ou desenvolvo o que é acessório. Eu até me esforço por ser objetiva, mas, mesmo sem querer, puxo a brasa à minha sardinha. Mas se fosse pescada era pior porque é mais cara e se calhar demora mais a cozinhar. Mas não sei bem porque a minha especialidade é a massa que a minha prima me ensinou a fazer no verão.

A mensagem que recebi foi assim tim-tim por tim-tim:

Olá, Mariana!

Estou a escrever-te porque tenho lido com atenção as páginas do teu diário. Gostei muito de várias passagens, mas aquela que mais me impressionou tem a ver com a tua preocupação com os saltos fininhos das profs que vão ter que saltitar, sobretudo as mais velhas, por entre aqueles tais buraquinhos existentes nas escadas dos tais monoblocos, que como tu dizes, é a palavra mais in para definir os já apelidados pombais.

E depois, a referência que fazes à palmeira, local célebre, que fiquei a saber vai continuar para a posteridade e a embelezar o recreio.

Sabes, Mariana, é que quando eu era professora na tua escola nova, ou melhor, em reconstrução costumavam pousar naquele lugar à sua sombra uns tantos alunos e alunas que eram um pouco diferentes da maioria dos outros grupos juvenis que por lá passaram ao longo dos anos. Havia até quem dissesse que os alunos(as) que por lá ficavam perdidos no intervalo eram os da palmeira (sim, porque nessa altura havia muitos intervalos, sabes que até acho que deveria continuar a haver, eu explico. Os jovens têm necessidade de falar das suas coisas, daquelas que não contam nem à mãe nem a ninguém, mas que partilham com a amiga ou o amigo que também é colega de turma, por isso era melhor que existissem muitos intervalos, nem que fossem só de 5 minutos, para relaxar e construir mais afectos dentro da escola, aquilo a que os adultos chamam socialização (que palavrão!). Deixa lá! Este ano, se calhar, ainda vais aprender a decifrar outros palavrões como este.

Não penses que por lá estar a escrever este textito quero tirar a luz e a graça que irradiam das palavras do teu diário. Pelo menos ficas a saber que não és só tu que conheces essa tua nova escola, eu, por exemplo, passei lá a maioria dos meus dias felizes enquanto aluna e enquanto professora. Não resisti a escrever-te!

Continua a escrever Mariana. Já sou tua fã!”

Fogo! É fixe ter pelo menos uma fã. Ainda não estou em mim. E também foi fixe ver que há profs que compreendem os alunos e que dizem que a escola lhes dá felicidade. Quero mesmo dizer-lhe obrigada. E que também sou sua fã.

Beijinhos

Mariana

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Há flores que nascem onde menos se espera




Diário de Mariana

22 de setembro

Querido diário,

Hoje numa aula fiquei sem palavras. A prof de português quer convencer-nos que somos capazes, que escrever é bom e não sei quê. Ela tinha dito na primeira aula: podem escrever textos livres para além dos que vou marcar. Se calhar por isso, hoje, uma rapariga entrou na sala com uma folha na mão e disse logo à setora: ó setora, escrevi um texto, posso lê-lo? A professora disse que primeiro tinham de escrever o sumário. Ficou toda a gente em pulgas porque a rapariga parecia que tinha uma mensagem importante e urgente.

Quando já estava tudo sossegado e de caderno aberto, a prof perguntou: qual é o tema do texto que queres ler? E a minha colega: é o amor. E a setora: eu gosto de ler os textos antes de serem partilhados por toda a turma, sobretudo nesta altura do ano em que ainda não nos conhecemos muito bem. E a rapariga: é setora, o que escrevi é muito especial e não só para mim. Gostava mesmo de ler. E a setora: Está bem, podes lê-lo, então, e espero que seja uma mais-valia para a turma.

É claro que não fixei tudo o que estava escrito, mas ela leu coisas deste tipo numa espécie de carta: “Tu és a melhor coisa da minha vida. És o meu refúgio. Sem ti, a vida não tinha graça nenhuma. Tu és o meu amor. Serás meu e eu serei tua para sempre. Não imaginas como sonho com esse momento contigo ao meu lado. És lindo e fofinho…”

A setora ouvia e via-se que estava mesmo admirada. No final da leitura, disse assim: vejo que estás apaixonada e por isso nem reparaste em alguns erros de concordância. E a rapariga: estou, setora, estou apaixonada e até gostava de dizer por quem. Perto de mim, ouvi um rapaz dizer: que estúpida, vai dizer que gosta do João.

O tal João é um rapaz que está na carteira atrás de mim. Toda a gente olhou para ele e viu que ele estava mais corado do que um tomate. Coitado do moço.

Fogo, que declaração de amor esquisita. Parecia teatro. Será que esta cena se vai passar comigo se um dia me apaixonar? Fogo!

Muitos beijinhos quentinhos porque houve muita paixão na aula e eu disse “fogo” várias vezes.

Mariana