Quando éramos pequenas, ela, de pele muito clara, usava óculos de lentes grossas e o cabelo era curto, loiro e aos caracóis. Eu era mais morena, tinha uma trança grossa, negra e comprida. Não brincávamos muito porque ela vivia na rua principal onde passava, de quando em quando, um automóvel. Eu morava junto a um largo da aldeia onde os carros eram de bois, ronceiros e cansados.
Encontrávamo-nos na catequese na casa da senhora Micas Fandinga, tecedeira e catequista. Quando não estava a tecer mantas, tapetes e passadeiras, nos dias bonitos de sol, víamo-la sentada num banquinho no quintal a coser à mão o colchão que encheria de palha no outono.
Se as nossas mães nos deixassem, chegávamos mais cedo, corríamos e brincávamos, enquanto a catequista não nos chamasse a todos para nos sentarmos no banco baixo e corrido e dizermos de cor a lição do catecismo, já sujo de tão antigo e folheado, enquanto os seus pés e mãos faziam trabalhar o tear.
O tempo passou rápido, enquanto a vida foi acontecendo.
Ela partiu há dias. Não sei se chegou a ver as flores branquinhas e miúdas da Páscoa que a chuva abundante ajudou a florir. Já estava no hospital há mais de um mês. Na cerimónia, o padre confundiu-lhe o nome várias vezes.
Dei conta como toda a gente, apesar de estar a recordar as correrias de quando éramos pequenas, enquanto ouvíamos o tear da catequista.
Nesse tempo, as confusões da idade nem existiam nem se esperavam. Festas como a Páscoa, sim.