sábado, 22 de fevereiro de 2020

Ó entrudo, ó entrudo...

Ó entrudo ó entrudo
Ó entrudo chocalheiro
Que não deixas assentar
As mocinhas ao solheiro
Eu quero ir para o monte
Eu quero ir para o monte
Que no monte é qu'eu estou bem
Que no monte é qu'eu estou bem
Eu quero ir para o monte
Eu quero ir para o monte
Onde não veja ninguém
Que no monte é qu'eu estou bem
Estas casa são caiadas
Estas casa são caiadas
Quem seria a caiadeira
Quem seria a caiadeira
Foi o noivo mais a noiva
Foi o noivo mais a noiva
Com um ramo de laranjeira
Quem seria a caiadeira

José Afonso



sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Há nomes que dão para tudo

Ouvi ontem o deputado do partido Chega, na Assembleia da República, a evocar a morte de Jacinta Marto, precisamente num dia 20 de fevereiro, manifestando-se contra a despenalização da Eutanásia. Confesso que, de repente, não identifiquei logo o nome da pessoa a quem se referia.
Já não bastava Camões e Pessoa serem encaixados em muitos discursos públicos, consoante os tempos e consoante as vontades, também alguns santos da Igreja católica podem dar jeito e fazer semear uns votos que serão colhidos em tempo julgado certo.
O mesmo deputado, que critica a hipocrisia de muitos para desvalorizar e branquear atos de racismo e de ódio, socorre-se de tudo para navegar na onda do populismo e oportunismo.
Como qualquer pessoa católica, conheço um pouco da história dos três pastorinhos de Fátima, tendo dois deles, Jacinta e Francisco, morrido em idade jovem e inocente. Poderá ser este um bom motivo para o referido deputado querer influenciar e fazer-se ouvir, no seu estilo frenético, truculento  e nervoso.
Descansa em paz, santa Jacinta, mas não perdoes sempre aos que sabem o que fazem.



"Dá-me um abraço"

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Hoje não poderia deixar de falar deste assunto

Imagem da net

Poderia começar por Era uma vez..., mas prefiro ir direta ao assunto num dia em que o racismo não pode nem deve ser ignorado.
A minha neta frequenta uma escola primária e pública em Londres - onde as crianças começam a sua escolaridade no ano letivo em que fazem cinco anos.
Conheço um pouco dessa escola (cujos resultados mostram que funciona bem), porque já fui buscar a minha neta bastantes vezes e falamos da escola em casa.
O alto portão de grades, que dá para o espaço largo e aberto, abre-se às 15.30 e os adultos vão à respetiva sala buscar as suas crianças, onde à porta está a professora.
Na sua grande maioria, quem espera as crianças são as mães: árabes, negras, brancas, tal como as crianças. Estas, tanto na sala de aula como no recreio, brincam, comunicam, falam, tudo de forma natural, o que também é cada vez  mais legítimo e natural.
Muitos adultos deviam seguir estes exemplos e de muitos outras crianças.
Oxalá que elas não aprendam, fora da escola, o ódio ou a humilhação pela sua cor de pele. 
Em estádios de futebol, na política, na rua, em muitas casas e em muitos outros lugares, existem homens e mulheres que usam inexplicáveis filtros e defendem o seu mundo de uma só cor. E há também os que se encostam a esse mundo, preferindo, cobardemente, fingir que não sabem, que não veem, que não ouvem... 
E não compreendem que é nefasta a história que vão escrevendo.



domingo, 16 de fevereiro de 2020

Jacques Brel - Quand on n'a que l'Amour

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

L'amour...


Postal enviado pelo Clube das Histórias



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Carta de amor à mãe


Não têm conta os contos que tu, mãe, me contaste.
Quando eu era muito pequena, nem sempre tinha paciência para os ouvir até ao fim ou deixar que terminasses a leitura. Saía do teu colo e ia buscar outro livro, mas voltava logo porque o teu regaço era  o melhor sítio para ouvir as histórias, fosse de um livro ou contadas por ti.
A ouvir histórias e aconchegadinha a ti, mãe, tudo parecia perfeito.
No tempo em que eu ainda não sabia ler, gostava sobretudo de ver as imagens e ouvir as tuas palavras mágicas. Recordo-me que abria o livro e tu perguntavas-me se eu sabia onde estava o galo, o pintainho, a flor, o cavalinho... Quando me enganava, sorrias e repetias as palavras serenamente para eu as fixar melhor.
Se vias o desenho de uma menina muito bonita, logo dizias que era eu. A seguir,  apressava-me a encontrar uma senhora igualmente bonita para te dizer que eras tu, mãe.
Eu ainda não sabia dizer todas as partes do rosto, mas reconhecia-as e apontava-as: os teus olhos azuis (com os óculos que às vezes te queria tirar, embora soubesse que não devia), a boca sorridente, as faces rosadinhas e macias...
E recordo que usavas palavras ligadas ao céu: minha estrela, meu sol...
Só não sei é por que razão nunca me chamaste lua, porque sempre sentiste muito encanto por todos os pontos luminosos do céu. Até dos aviões. Ainda guardo, por exemplo, um livrinho com uma imagem de que eu gostava muito: um ursinho a dormir serenamente e uma lua muito luminosa.
Muitas outras expressões que usavas eram como o açúcar, apesar de nunca abusares dele: minha doce, minha doçura...
Mas a minha preferida sempre foi: tu és a luz dos meus olhos. Lembras-te, mãe?
À noite, quando chegavas do trabalho, sentavas-te um bocadinho comigo e esse era um dos melhores momentos do dia. Às vezes, chegavas cansada a casa, mas parecia que tinhas todo o tempo do mundo.
Agora, dou comigo a repetir para a Clarinha muitas das frases que me dizias quando eu era criança. Ela gosta muito e eu fico feliz. Espero que fiques feliz também.
Um abracinho, mãe, que é uma maneira muito singela de dizer que te amo.
Clara

Nota - Este texto teve uma menção honrosa no concurso Textos de Amor, do Museu Nacional da Imprensa, 2019



Clã - "Problema de Expressão"

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Então o amor e a amizade...

Postal enviado pelo Clube de Contadores de Histórias


Carta de amor aos meus ex-alunos


Não sabem como me custa passar à nossa antiga escola secundária e não reconhecer nenhum rosto de alunos.  Porém, muitos dos vossos continuam na minha memória e quero estimá-los sempre. Como um retrato que não perde a cor nem a beleza. Por isso, vos escrevo esta carta, esta carta de amor, sem medo de parecer ridícula.
Todos os anos, muitos de vocês chegavam e também partiam. Porque a vida não para nunca. Tal como os sonhos.
Os vossos primeiros passos eram quase sempre tímidos e inseguros por desconhecerem as salas, a reprografia, a cantina... Os rostos dos colegas, dos professores, dos funcionários também não eram familiares.
Depois, com o tempo, tudo se clarificava, embora algumas matérias continuassem muitas vezes obscuras. Nós, os professores, dizíamos que era por falta de estudo; vocês encontravam outras razões, não menos válidas.
E como eu gostava de ouvir a tirar dúvidas aos colegas, nos intervalos.  O prazer era infinito perante incontáveis talentos: para escrever, para dizer poesia, para representar, para aprofundar a ciência...
Vocês eram uma forte razão para a minha felicidade.
Quando cochichavam durante as aulas, bastava o meu olhar sério para interromper as conversas, mas só por alguns minutos. Eu imaginava que o assunto  era importante, com certeza, mas eu queria que o programa fosse cumprido e assimilado. Que todos estivessem atentos, como se fosse possível falar de um coletivo em tempo de legítima singularidade.
Nessas ocasiões, eu era a professora e a pessoa que sou em conflito entre o dever e a liberdade.  E reparava na rigidez imposta pelo espaço porque o vosso corpo não parava de crescer e as mesas mantinham-se quietas e baixas.
Como eu gostava de vocês, embora nem sempre tivesse a arte de arranjar tempo para vo-lo dizer tantas vezes como mereciam.
Vocês eram o meu público que eu não escolhia, mas que era o resultado de acasos felizes.  Nem sempre as palavras estavam em sintonia com os nossos desejos e atitudes. Como as fortes marés que, só com o passar do rio, se vão apaziguando.
Como eram radiosos os dias em que os laços humanos se ligavam, em que os interesses pelos saberes convergiam, em momentos de quase êxtase pelo valor da educação que dava mais sentido às nossas vidas.
Talvez fosse melhor tê-lo dito mais cedo, mas, antes que seja demasiado tarde, quero fazer-vos esta declaração:
Continuo a amar-vos, queridos ex-alunos. Não o sinto apenas quando passo à nossa antiga escola e vocês já lá não estão.
Vocês ensinaram-me a olhar a torrente da vida, aprendendo a navegá-la.

Um abraço de uma professora que gostaria de vos ver felizes e abraçados pela vida.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Presente


A música do jardim
vem das magnólias
e dos teus olhos.

Os nossos passos
afligem a terra
poeirenta.

Gaivotas saltam do rio
procurando lugares
onde nos sentamos
e que também ao céu
pertencem.

Ervas vivem deitadas
de tão percorridas
pelo amor que nelas pousa
ou que delas foge.

Abraça-me ao sol
da nossa alegria
sem passado.

Apenas o presente
do teu rosto
ao sol
ouvindo os sons do jardim
e do rio
que  não perturbam o silêncio
das magnólias
nem o ainda calor das nossas mãos.

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Conversa sem investigação

- Ele é fantástico no trabalho de investigação.
- Também és muito boa no trabalho que fazes.
- Não tem comparação. Ele é dos melhores cientistas nesta área.
- Não duvido, mas duvido que tenha de fazer tudo o que tu fazes!




sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Árvores floridas - cá e lá

Numa avenida de Rio Tinto - Gondomar (Obrigada, Dulce).
Numa rua, em West Hampstead, há dias e com muito sol.

Os pássaros de Brighton

Estive com a família em Brighton este fim de semana. Não conhecia esta cidade, junto ao mar, a sul de Londres.
Há poucos anos, uma ex-aluna escolheu-a para frequentar um curso de Matemática. As Universidades são conhecidas pelo bom trabalho que desenvolvem.
Os belos edifícios da marginal, muitos deles hotéis ou restaurantes, fazem lembrar um passado de prazer e de luxo.


Gostei de ver a praia de pequenas pedras - fazendo-me lembrar o filme  'Na praia de Chesil', baseado num livro de Ian McEwan - as esplanadas com mesas toscas de madeira, os passeios largos junto ao mar, as abundantes diversões para as crianças, o cheiro quente a crepes de chocolate, as pessoas descontraídas a caminhar (aparentemente) felizes...


E fascinaram-me sobremaneira os bandos coesos de andorinhas a dançar sobre o mar ao fim da tarde.


Havia muitos observadores que, perante o canto em rápido e circular movimento de tantas aves, esqueciam o frio, o vento e, tal qual como eu, não esqueceriam os pássaros de Brighton.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

CNL em Gondomar, uma homenagem a Agustina Bessa-Luís



Ontem, dia 28 de janeiro, realizou-se, no Auditório Municipal de Gondomar, a fase concelhia do Concurso Nacional de Leitura, destinada a alunos do 1º ciclo ao Secundário. O trabalho foi organizado pelo Pelouro da Educação da Câmara Municipal de Gondomar, pelos responsáveis das Bibliotecas Escolares e por muitos professores dos diferentes ciclos que motivaram e acompanharam os alunos. 
Também foi bonito ver encarregados de educação com os filhos. De facto, se a Autarquia e a Escola são muito importantes na promoção do gosto pela leitura, o estímulo em casa é fundamental. 
Este ano, a escritora Agustina Bessa-Luís foi a homenageada e alguns dos seus livros foram escolhidos para serem lidos pelos alunos.
1º ciclo - O Dourado
2º ciclo - Colar de Flores Bravias
3º ciclo - Vento, Areia e Amoras Bravas
Secundário - As Estações da Vida 


A partir de cada um destes livros - alguns cedidos pela filha da escritora - , os alunos responderam a questões por escrito (da parte da manhã); leram e interpretaram (da parte da tarde) a obra literária que lhes coube. Todos ficaram, com certeza, a aprender mais, apostando mais ainda, tanto nos pontos fortes como nos pontos mais fracos.
Ver crianças e jovens  a participarem num concurso de leitura, com entusiasmo, leva a acreditar ainda mais nas gerações mais novas. 
Porém, as coisas não acontecem por acaso e quando são envolvidas dezenas de alunos tem de haver uma organização ao pormenor, como foi o caso.


E o retrato de Agustina Bessa-Luís, em grandes dimensões,  estava no palco do Auditório, ao lado das cinco cadeiras ocupadas pelos alunos de cada ciclo e selecionados para a prova oral.
A pintura é da artista plástica Maria do Carmo Vieira que se tem dedicado ao retrato de escritores, para além de pintores e músicos. A pintora tem trabalhos que podem ser vistos em vários locais do país, como, por exemplo, um retrato de Miguel Torga, em S. Martinho de Anta.

E como o diálogo entre gerações é muito importante, a Universidade Senior de Gondomar esteve representada por duas professoras apresentadoras que também leram com muita força expressiva excertos de duas obras de Agustina - A Sibila e Joia de Família, acompanhadas à viola e ao violino por dois músicos da mesma instituição.

Foi, portanto, um dia de trabalho estimulante que, como muitos que acontecem e tantas vezes se desconhecem, vão (re)construindo o mundo que todos desejamos.


segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Paul Eluard : J'écris ton nom...

Didier Blin

“Liberté” - Paul Eluard

Sur mes cahiers d’écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable sur la neige
J’écris ton nom

Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J’écris ton nom

Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J’écris ton nom

Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l’écho de mon enfance
J’écris ton nom

Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J’écris ton nom

Sur tous mes chiffons d’azur
Sur l’étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J’écris ton nom

Sur les champs sur l’horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J’écris ton nom

Sur chaque bouffée d’aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J’écris ton nom

Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l’orage
Sur la pluie épaisse et fade
J’écris ton nom

Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J’écris ton nom

Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J’écris ton nom

Sur la lampe qui s’allume
Sur la lampe qui s’éteint
Sur mes maisons réunies
J’écris ton nom

Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J’écris ton nom

Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J’écris ton nom

Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J’écris ton nom

Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J’écris ton nom

Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attentives
Bien au-dessus du silence
J’écris ton nom

Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J’écris ton nom

Sur l’absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J’écris ton nom

Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l’espoir sans souvenir
J’écris ton nom

Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer
Liberté

domingo, 26 de janeiro de 2020

Paisagens com céus e luzes dentro!

Obrigada, A.C., pelas belas fotos.





quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Os leitores e o cantor

Como de costume, chegaram as duas ao hospital. Na carteira, iam as fotocópias dos textos que levavam para partilhar com as pessoas internadas nos serviços continuados.
Um poema de J.P. Messeder sobre janeiro, uns provérbios também sobre este mês, umas quadras e a letra de 'Vamos cantar as janeiras', se o tempo desse e alguém pedisse para cantar.
Quem quer ler? A esta pergunta, como sempre, houve as mesmas respostas: gostava mas estou sem voz, não trouxe os óculos, não sei ler, não estou com disposição...
Mas também: 
Posso tentar, consigo ler sem óculos, sempre gostei de ler, quero ler porque é bonito...
Depois das leituras, lá estava ele a olhá-las com ternura. Por trás dele, via-se o sol e o céu porque a janela era larga.
Quer cantar? Gostávamos de o ouvir.
Sim, pode ser um fado de Coimbra.
E começou a cantar com a voz timbrada e macia, pronunciando muito bem as palavras.
No fim, houve aplausos e todos, mesmo os que não cantaram nem leram, ficaram com a cantiga e com as palavras a dar pequenos mimos à memória.