sábado, 7 de janeiro de 2012

Mar!


Mar!
Tinhas um nome que ninguém temia:
Era um campo macio de lavrar
Ou qualquer sugestão que apetecia...
Mar!
Tinhas um choro de quem sofre tanto
Que não pode calar-se, nem gritar,
Nem aumentar nem sufocar o pranto...
Mar!
Fomos então a ti cheios de amor!
E o fingido lameiro, a soluçar,
Afogava o arado e o lavrador!
Mar!
Enganosa sereia rouca e triste!
Foste tu quem nos veio namorar,
E foste tu depois que nos traíste!
Mar!
E quando terá fim o sofrimento!
E quando deixará de nos tentar
O teu encantamento!
Miguel Torga, Poemas Ibéricos

Mar...


 Monet
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só pra mim.

Sophia

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Não sou dada a fantasmas, mas...


Não sou dada a fantasmas ou a fenómenos sobrenaturais que não compreendo, mas acho piada quando oiço dizer que determinada casa está assombrada. Fazem-me lembrar casas grandes que conheci na minha infância. E também pessoas que nelas viveram.
A essas casas ligo sempre a ideia de muros altos, silvado, paredes em ruínas…
Pois bem, num ateliê de escrita que frequento, foi pedida uma história de “belo horrível” ou “belo tenebroso”.
Agora, que tinha um bocadinho livre, queria escrevê-la, mas, confesso, acho que não tenho jeito  para esse tipo de histórias. Mesmo assim, vou tentar. Se conseguir, partilho-a. De certeza que não vai assustar ninguém.

Dias de Reis



Lembro-me de alguns Dias e Noites de Reis da minha infância. Na nossa casa, havia sempre um presépio com musgo que íamos buscar ao mato, a sítios onde as árvores não deixavam entrar o sol.
Perto do Dia de Reis, íamos aproximando as figurinhas de barro que seguravam o ouro, incenso e mirra. Eram figuras mágicas porque ouvíamos contar que vinham de terras distantes, guiados por uma estrela.
Na noite de cinco para seis de janeiro, quase sempre muito fria, comíamos de novo bacalhau cozido com batatas, grelos e penca. A travessa tinha desenhos verdes e, ainda agora, me parece vê-la no meio da mesa a fumegar.
E só passados alguns dias guardávamos as figurinhas do presépio para o ano seguinte. Apenas o musgo seria diferente.

Ainda há pouco chegou o Natal...


... e já vieram Os Reis!


terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Rio Douro: carregado de sentido


Ainda que chovesse

Van Gogh

Eram uns sete homens. Todos sentados à volta de uma mesa de café, onde se encontravam todas as tardes. Teriam uns sessenta anos. Algumas vozes destacavam-se e os assuntos erguiam-se naquele espaço por onde entrava um sol cauteloso de janeiro. Falavam de futebol, um bocejava, outro pedia uma cerveja, outro contava uma peripécia de que saiu vitorioso, outro disse ao empregado que tinha de emagrecer para caber entre as cadeiras, outro gabou a torrada que tinha comido de manhã, outro disse que ainda bem que a casa dos segredos tinha acabado para ver à bola à vontade, outro puxou do jornal para demonstrar que os jornalistas são todos benfiquistas…
E assim estiveram até ao fim da tarde. Saíram juntos. Despediram-se com um até amanhã. Mesmo os que ouviam mais do que falavam viriam também. Ainda que chovesse.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Mar da Foz



Praia

Na luz oscilam os múltiplos navios
Caminho ao longo dos oceanos frios

As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços

A praia é lisa e longa sob o vento
Saturada de espaços e maresia

E para trás fica o murmúrio
Das ondas enroladas como búzios.

 Sophia de Mello Breyner


Depois das Festas…




Agora que começou o Novo Ano, há quem defina objetivos: poupar, emagrecer, escrever, ajudar a família, ser positivo, dar mais atenção aos outros, ler mais, ter mais cuidado com a sua saúde, organizar melhor o seu trabalho…
Concordo com a ideia de que o melhor é não querer fazer tudo ao mesmo tempo – embora haja dimensões que não se podem pôr de parte –  senão são meras intenções que vão ficando pelo caminho.
            Nas últimas semanas, houve mais compras, contactos, visitas… Habituamo-nos a concentrar muita coisa no Natal. Se calhar, seria bem melhor repartir muitas das atenções que concentramos nessa época (falo por mim, é claro).
          Bom Ano de 2012!

domingo, 1 de janeiro de 2012

A arte de ser feliz


Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre
as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto
crinças que vão para a escola. Pardais
que pulam pelo muro. Gatos que abrem
e fecham os olhos, sonhando com
pardais. Borboletas brancas, duas a
duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega. Às
vezes um galo canta. Às vezes um
avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me
sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

sábado, 31 de dezembro de 2011

Recomeça…


Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…

Miguel Torga

À espera de um Ano Novo


quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Receita de ano novo

 Matisse
 
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
 

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
 

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade

 Matisse

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Naquela noite


O que ela mais pediu foi que “naquela noite” não ficasse sozinha. Claro que gostava de ficar com a filha mais velha, mas podia ser a mais nova, um dos filhos ou um dos netos.
Ainda faltava um mês, e ela já falava “naquela noite”. Parecia ser um marco do tempo presente. Como ia fazer noventa anos, repetia que o futuro dela seria apenas um bocadinho a mais para além do tempo que estava a viver. Talvez pela idade avançada, “aquela noite” era muito importante. Se tivesse a companhia da filha mais velha, podia queixar-se de alguma dor, porque teria logo uma massagem que a aliviaria.
E foi, então, a filha mais velha que resolveu fazer-lhe companhia naquela noite. Quando acordaram, a velha mãe ficou contente com o beijo que a filha lhe deu  e, sorridente, desejou-lhe um Feliz Natal!

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Pérolas do/no Porto


segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Sem sombra (de dúvida)


Desenhos de silêncio


Era uma vez uma princesa…


 Para a S.
Por que é que se usa sempre o verbo no passado (pretérito imperfeito) se nos queremos referir ao presente?
Pois bem, é uma menina a quem muitas vezes chamamos princesa. Não é só por ter a pele clarinha, cabelos louros, um  rosto bonito,  uma voz suave, ser elegante, pronunciar bem as palavras…
 Não, chamamos-lhe princesa porque está atenta nas aulas, faz os trabalhos de casa, tem habilidade para o desporto e para produzir bonitos trabalhos manuais, gosta de ler, de ir ao cinema, de estar com a família e os amigos, de brincar perto das árvores e das flores…
E como se isto não bastasse, tem um nome carregadinho de sabedoria.
É por isso que, ao vê-la, apetece dizer assim:
   Era uma vez uma princesa…

Fios de luz