Rosarinha abriu o portão alto e entrou em casa. Estava triste. Queria ajudar o afilhado, mas estava a ver que não conseguia. O Nequita era bom rapaz, mas não estava fadado para ser padre, ia concluindo. Para tal, faltava-lhe espiritualidade e, sobretudo, convicção e empatia. Poderia ser até violência querer fazê-lo seguir um rumo para o qual não tinha nascido.
A ideia da cruz ao peito, do missal e de se apresentar com indumentária à beato do início do século XX não resultava e tornava-o uma figura caricata. Era o que Rosarinha menos queria e culpava-se a si própria por ter corroborado nesta situação. Custava-lhe dizer que não a quem quer que fosse e muito menos ao padre.
Só a ela própria menos vezes dizia sim, incluindo sobre a sua saúde. Quando ia ao médico, de longe a longe, trazia sempre vários exames que não fazia. Ia adiando até que ficavam esquecidos no envelope que usava para o efeito. Até que um dia ficou doente, muito doente, doença que podia ter sido evitada se tivesse sido vista por um médico mais cedo. Nessa altura, sentiu que era até leviandade e desrespeito por si própria.
Sempre tinha ajudado mais do que tinha sido ajudada, dizia para si própria como revolta ou desabafo. E sofreu bastante com a incerteza do presente e do futuro. Apesar de ser tão religiosa, não concordava com promessas. Parecia-lhe um negócio de toma lá dá cá, ou melhor, dá cá e depois toma lá.
Porém, durante a doença, deu consigo a fazer uma promessa. Se recuperasse a saúde, tentaria viver uma vida ainda mais equilibrada com ela e com os outros. Tentaria ajudar quem precisasse, sem se pôr em segundo plano, como sempre tinha acontecido.
Neste patamar, entrou o Nequita, em quem o padre depositava confiança, porque gostava de rezar e de ir à igreja, muito mais do que os jovens da sua idade. Como era afilhado da Rosarinha, e viviam muito próximos, o caminho até à vida religiosa seria mais fácil. Rosarinha confiou no projeto que englobava Nequita. Depositava nele a confiança que tantas vezes inculcava pela imaginação.
No entanto, via agora que era quase impossível transformar aquele jovem num ser religioso, amado, confiável e ouvido.
Já na cozinha, começou a fazer o jantar. Aproveitaria o diálogo à mesa para o orientar e aconselhar. De repente, a campainha começou a tocar em desespero.