domingo, 20 de setembro de 2015

Em breve outono




quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Filipa Leal

Jane Aukshunas

Douro

Não sei se prefiro o rio
ou o seu reflexo nas janelas espelhadas.

De um lado
os barcos ancorados, do outro lado:
barcos — na imediata memória das âncoras.
Deste lado, o porto, ou o cais,
contracenando com a sua própria inexistência
daquele lado.

Existirá aquele rio nos espelhos?
Poderá este subsistir sem as janelas?

Sou dourada como os peixes que te
desabitaram. E, do outro lado, sou
desabitada.

Leal, Filipa, Talvez os Lírios Compreendam, Porto: Cadernos do Campo Alegre / 8, 2004

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"Com os dedos do coração"



Ontem à noite, o auditório da Biblioteca Municipal de Gondomar encheu para ver e ouvir Pedro Lamares e Ana Dias, combinando, de uma forma perfeita, Música (Harpa) e Poesia. Formam uma dupla à qual deram o nome Jacarandá.
Os poetas escolhidos foram, por exemplo, Herberto Helder, Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, Maria do Rosário Pedreira, José Tolentino de Mendonça...
E também poetas menos conhecidos: António José Forte, Filipa Leal...
Entre as declamações e audição da música, havia algumas palavras reveladoras do trabalho em comum: os ensaios que faziam em Lisboa, em casa de Ana, pela noite fora, misturando Música, Poesia e Gastronomia; a paixão comum pela Literatura, nomeadamente pela Poesia; o trabalho de criação de Ana e o ensino da música...
E Pedro Lamares contou: Ana dizia aos seus pequenos alunos: "Toca com os dedos do coração".
De facto, ela tocou sempre "com os dedos do coração" e o público aplaudiu vivamente com a mesma verdade.
Também a voz de Pedro Lamares e o seu talento para a declamação entraram no coração de todos pela expressiva inteireza como dizia os poemas. Uma belíssima forma de apresentar temas sempre atuais: amor, solidão...
Foi, assim, um espetáculo quase intimista em que as palavras dos Poetas e os sons da Harpa (Ana também leu um poema) a todos tocaram. Era visível pelo silêncio (nenhum telemóvel tocou nem havia conversas paralelas) e pelo desejo de ficar mais um pouco após a sessão. E não era apenas pelo sumo ou pelo chá, mas pelo prazer - que espelhava no rosto das pessoas - daquele feliz e profundo  encontro.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Doçuras de outono



Hoje, foi - e está a ser - um dia de tempestade, pelo menos aqui no Norte de Portugal! Ele é chuva, ele é vento forte!
E eu, que até gosto de chuva, fugi dela porque, aliada ao vento, era violenta e entranhava-se, fria, até à alma.
Quando assim é, chegar a casa é uma doçura. Olhar os frutos de quase outono mima também a humana natureza. 
Dentro de dias, voltará o sol. A iluminar as folhas das árvores que se vão soltando de tão amarelecidas ou vermelhas.
Os figos não gostarão da chuva, mas a figueira rejubilará.
As maçãs cairão com o vento. 
E nós, sempre insatisfeitos com o tempo, vamos pensando na quieta doçura do sol.

Outono



Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929)
Frutos de outono (1907)

domingo, 13 de setembro de 2015

Instantes


Quando cheguei a West Hampstead, vi, presa a um poste, uma bicicleta cor-de-rosa com flores no guiador. Logo pensei: uma imagem bonita e um bonito instante.
Nos dias seguintes, lá continuava a bicicleta hippie, como passei a chamar-lhe.
Porém, quando ia tirar uma fotografia - para fixar e partilhar o instante -, a bicicleta... já lá não estava. E tive pena. Assim como de ter perdido, como tantas vezes acontece, o instante.
Mas, afinal, a bicicleta hippie voltou (obrigada, filha, pela foto). 
Com as mesmas flores no guiador. Depois de ter proporcionado, por certo, muitos outros instantes. Possam ter sido bonitos também.


quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Cores de quase outono


domingo, 6 de setembro de 2015

E, finalmente, chegou o dia

Eu tinha partido para Londres havia duas semanas. O parto era esperado nos primeiros dias de agosto, mas as dores só chegaram quinze dias depois.
Dentro do ventre da mãe, o bebé era, como em todos os casos, um mistério. Como seria? Viria perfeito fisicamente? Nasceria com o cabelo escuro como a mãe nasceu? Seria parecido com quem?
Talvez tivesse adivinhado que o ano escolar tinha sido trabalhoso e deixou-me descansar algum tempo, antes de vir ao mundo. A mãe já não tinha posição para dormir, mas pré-avisos de nascimento não havia.
Os dias foram-se passando, mas o momento teria de chegar e assim foi. Já o mês se inclinava para o fim, quando as dores vieram. Começaram logo de manhã e foram evoluindo, isto é, aumentando de intensidade. Em breve, veríamos o nosso desejado bebé; a minha primeira neta.
O nascimento foi num hospital público (UCL) e fiquei a saber  que lá (e julgo que não só), a maioria dos partos se faz apenas com a presença de uma parteira; o médico só é chamado em caso de necessidade.
Ainda tenho nos ouvidos os apelos  da parteira, de voz doce, aquando das contrações da minha filha: Keep going... keep going...  again... again... well done...
Mas demorou bastantes horas até vermos o bebé a atravessar a luz do dia. 
Quando ouvimos o chorinho, vibrámos com o sinal pelo qual ansiávamos. Depois de tanta tensão, de tanta espera, o bebé chegava na sua pura e natural plenitude.  E as nossas lágrimas soltaram-se. Mas já eram de alegria.
Tantos bebés nascem, mas o "nosso" é olhado como se fosse único.
E vieram depois os sorrisinhos rápidos durante o sono, o sereno respirar fundo, o suave estremecimento também enquanto dormia...
E algum choro durante o dia e sobretudo durante a noite. Já nem me lembrava muito bem. Passei a compreender melhor a emoção de ser avó, de olhar para aquele ser tão frágil e pequenino, mas para quem se quer o melhor do mundo e que passa também a ser o melhor do mundo.
Sorriso
Olhar
Felicidade
Inspiração 
Amor

Carinho
Liberdade 
Alegria
Razão
Abnegação

sábado, 5 de setembro de 2015

As pessoas fazem o ambiente

Um dia, a minha filha disse-me que conhecia uma pequena casa de chá em Hampstead. E dela fez uma breve descrição: alguns quadros pequenos e suaves na parede, chávenas fininhas para o chá,, fatias de bolo delicioso e, sobretudo, um ambiente acolhedor dado por umas senhoras, que disse serem velhinhas, que traziam fatias de bolo, num pequeno tabuleiro, para informarem os clientes sobre as especialidades da casa. Tudo com muita simpatia e delicadeza.
Pois, uma tarde, fomos lá. Fizemos o percurso a pé, passando por muitas árvores, por moradias com jardins muito verdes com flores viçosas à mistura... 
E chegámos à Louis Hungarian Patisserie, que era o nome da confeitaria.
Quando entrámos, uma voz sonora e jovem deu-nos as boas-vindas. Somos duas. Podem sentar-se onde quiserem. Chá de camomila. Tomou nota. Os bolos são escolhidos na montra - disse assertiva e rápida.
Uma inglesa, ao nosso lado, levantou-se e ia entrando na porta errada para ir à casa de banho. A jovem quase gritou: Excuse me. It's upstairs. A senhora, que tinha ar de quem já tinha tomado muito chá ao longo da vida, mudou o rumo e subiu as escadas, depois de ter dito Sorry.
Terminámos rapidamente o nosso chá com bolinho de fruta, pagámos e saímos.
Tudo sem a magia desejada, porque, de facto, as pessoas fazem o ambiente.

Nada lá é estranho

Em Shoreditch, tudo parece normal e aceitável: cabelos às cores, roupas exóticas, olhos pintados de mais escuro do que os próprios lápis...
As lojas de artigos vintage são numerosas e as de novo design também. Todas atraem pela criativa simplicidade e tratamento informal de quem lá trabalha ou de quem lá entra.
Os pequenos cafés são bocadinhos sentados de repouso tranquilo e feliz. Nem que, mesmo ao nosso lado, haja pessoas a falar alto e à vontade.
No café "brick lane coffee", num sofá, estava sentado um par de jovens com traços japoneses. Faziam lembrar protagonistas de um belo filme quase silencioso. Quando saíram, apesar de não estar frio, ela enrolou os ombros numa manta às riscas e. muito magros, afastaram~se nas suas figuras frágeis de fortes amantes.
Mais adiante, noutra rua, outro café: "Close-up café". Na montra, onde se viam diferentes fotos de diferentes atores, anunciavam-se sessões de cinema no próprio café.
Porém, Shroreditch, pelos vistos, já esteve mais na moda do que está hoje, mas continua a atrair pela criatividade e pela afirmação dos direitos que todos têm de, pacificamente, interagirem, revelando que nada lá é estranho.


sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O livro que prende o leitor

Para Londres levei vários livros. De contos. Arrependi-me até de não ter levado mais, mas pesavam as prendas para o bebé, a minha roupa, o queijo Limiano, a marmelada feita por mim, a compota com as maçãs pequenas e vermelhinhas do quintal, os lombinhos de bacalhau...
Um doa livros que levei foi A mulher que prendeu a chuva de Teolinda Gersão.
Apesar de ter assinalado vários contos (faço-o quase sempre a pensar em possíveis escolhas ou sugestões para os alunos do Secundário), destaco "Um casaco de raposa vermelha". Trata-se do desejo incontrolável de uma funcionária bancária em adquirir o casaco, conseguindo o dinheiro depois de muitas poupanças e redução de muitas despesas.
O final do conto já não conto, porque é, como eu gosto, inesperado e eficaz, se é justo falar de eficácia de um casaco de raposa.
Este conto foi lido, por exemplo, em 2005, no espetáculo "Celebrating the short story", em Nova Yorque e publicado em 2007, também em Nova Yorque, na antologia "New Sudden fiction".
Para mim, é uma obra que prende os leitores. Libertando-os.

V.V. Rouleaux


Confesso que gosto de fitas, galões... e sempre os vi por perto ou ao longe, sobretudo em retrosarias que atraem o meu olhar em tempos de mais livre descontração. Ver, porém, uma loja grande  - V.V. Rouleaux -, em pleno centro de Londres, só com fitas e laços de todas as cores e feitios causa (-me) admiração e encantamento.
Pensar: vou fazer um vestidinho de boneca para a minha neta com esta fitinha marca um breve mas muito feliz momento.
E escolher uma fita ou um laço, no meio de tantos rolos de infinitas cores, também faz parte do encanto.  
Depois de algum tempo de observação atenta e comentada, selecionei fitinhas de diferentes cores e espessuras - cor-de-rosa, vermelho, verde...
E por isso:
- Mãe, já gastaste bastante dinheiro.
- Filha, poupo noutras coisas. Só a alegria que senti valeu bem o que gastei.
Ah, uma funcionária, com mãos artísticas e delicadas, ia compondo a decoração de um chapeuzinho com flores e penas de ave. Desses nunca comprarei nem usarei. Basta-me ver as fitinhas que comprei num vestidinho simples de boneca.

Sacos, saquinhos e escadas rolantes

Em Londres, em algumas lojas onde entrei, incluindo supermercados, os funcionários perguntam se o cliente quer saco. No entanto, não é pago. Mesmo assim, é muito comum as pessoas dizerem que não, puxando de um saco da carteira.
Nós, portugueses, também já o fazemos, sobretudo depois de os sacos de plástico passarem a ser pagos. 
Não pretendo fazer comparações apressadas, porque viver-se apenas o mês de agosto numa cidade cosmopolita como Londres dá apenas uma visão parcial da realidade. 
Porém, pode ser reiterada a ideia de que andar com um saquinho na carteira não custa nada e  pode evitar muito desperdício de papel e plástico.
Outra prática que vi generalizada é o facto de as pessoas se colocarem à direita das escadas ou tapetes rolantes, para que os mais apressados tenham o caminho livre para avançar, sendo, assim, respeitados os direitos de todos: dos que têm pouco tempo e dos que circulam sem pressa.
É uma questão de interromper por uns instantes a conversa lado a lado. No fim de contas, tudo rola em poucos segundos ou minutos. e um bocadinho de silêncio não pesa no saco.


terça-feira, 1 de setembro de 2015

A igreja que também é café e não só



Em West Hampstead, a uns minutos do centro de Londres, há uma igreja anglicana que está aberta a todos que lá queiram entrar por diferentes motivos. Tem múltiplas funções e o espaço está repartido. À entrada,  à direita,  está instalada uma pequena estação de correios; em frente, há uma cafetaria com bolos em fatias tentadoras e chávenas fininhas para chá. Ah, e na parede há um anúncio que também se servem copos de vinho!
Quem entra pode sentar-se nas mesas de madeira de diferentes tamanhos.
Muitas jovens mães conversam ou brincam com os filhos nos carrinhos de bebé ou enquanto os mais velhinhos se divertem num colorido espaço infantil com grandes cubos, escorregões...
Quando lá fui, a tarde estava de sol e havia muita luz.
Ao longo das paredes, há imagens religiosas e, ao fundo, de forma mais resguardada, eleva-se um altar para o culto. Muito perto,  muitas cadeiras estão dispostas em semi-círculo.
Fiquei surpreendida - não sei se por ser católica, se pela diversidade de opções numa área que, à partida, seria só de natureza espiritual. Pode, porém, encontrar-se espiritualidade em qualquer dimensão bonita e honesta da vida. Why not?

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A Senhora da ilha de Jersey



        No aeroporto de Gatwick, entrei no comboio para Londres. Como não devo ter seguido bem as instruções da minha filha, tive de mudar de comboio em St Pancreas até chegar ao meu destino.
Na carruagem, seguia uma senhora de meia idade, que lia um jornal inglês, num lugar perto do meu. Depois de o comboio ter percorrido uma longa distância, e como não eram anunciadas as paragens seguintes, perguntei-lhe se St Pancreas ficava ainda longe. Disse-me que não sabia, porque era da ilha de Jersey e também conhecia mal a linha.
A carruagem ia quase vazia e prestava-se, portanto, a algum diálogo. Daí a nada, a senhora de Jersey contava, em voz suave e discreta, que vinha visitar a filha que trabalhava em Londres. Tal como eu, acrescentei. Talvez já não volte a Jersey, disse ela. Tal como a minha não voltará facilmente a Portugal, disse eu.
Numa das paragens seguintes, entrou outro passageiro. Fiz-lhe a mesma pergunta.  Atento, disse-me que faltavam ainda três paragens. Acrescentou que eu logo a veria porque era uma estação muito grande.
Quando saí do comboio, a minha filha estava à minha espera. Muitos abraços, beijos, palavras doces...
A senhora de Jersey tinha seguido viagem e estaria pouco depois, por certo, com a filha e com os netos.
Eu ainda não era avó, mas tinha vindo a Londres para receber a primeira neta. Sê bem-vinda. Welcome. Ainda tive de esperar uns dias.