segunda-feira, 6 de julho de 2015

"Brincando com os dentes de tubarão"

You are the sunshine
of my life
e conversar contigo de manhã
é tão bom
tens o poder do muesli e da
laranja
ou de qualquer fruta de época
for all that matters
Acompanhar teu percurso
natural
é muito bom
falar contigo
sobre tipos de alimentos
também
Neste começo d’hoje
tuas costas negavam
qualquer espécie de outono
Afinal
a ideia de estação
é só um tema ilusional
engendrado por humanos
que nunca puderam desenhar
tua coluna vertebral
a dedo nu
My dear bicho gente
veja lá se sua próxima visita
vem antes da edição fria
do Financial Times
Matilde Campilho


"...  Matilde Campilho, a jovem portuguesa (nascida em 1982) que entrou de rompante na poesia nacional com ‘jóquei’ (editado na Tinta da China, numa coleção dirigida pelo Pedro Mexia) e que está a arrebatar o (também seu) Brasil. Matilde fez furor na semana passada na Festival literário de Paraty, com todos os jornais a repetirem esta bonita frase: "A poesia não salva o mundo, mas salva o minuto".

In Expresso Curto, 3 julho 2015

domingo, 5 de julho de 2015

Sugestão para uma tarde de domingo


sábado, 4 de julho de 2015

O almoço de Delfininha

Delfininha chegou a casa com a broa que tinha comprado na padaria, aonde foi com algum custo. Expliquemos, então: a Delfininha, apesar de já ter assistido à passagem de muitos e muitos anos, continuava a deslocar-se bem. Muito bem, até. Continuava ágil. O arranjo quase diário do jardim também tinha ajudado a que Delfininha mantivesse laivos de juventude no andar.
Custava-lhe sair, porque se habituara ao recolhimento da casa e, desde menina, sentia-se diferente da vizinhança e o sorriso que lhes abria era mais de condescendência e tolerância religiosa. Habituaram-na assim em tempo de muita calada acomodação. Mas, no fundo, do que gostaria era de falar, de rir com a vizinhança, dizer graças, partilhar as histórias que todos contavam uns aos outros, mas que calavam logo que  Delfininha se aproximava. Ela não iria gostar nem compreender, com certeza. Ela tinha mais perfeições do que os demais.
E seria demasiado tarde para ser mais verdadeira?
Sempre foi discreta. Com o passar do tempo, pouca gente lhe visitava a casa e ela também poucas casas visitava.
Voltemos ao hoje. Partiu a broa, fazendo alguma força, porque a faca já não estava muito afiada, mas também a ela se tinha afeiçoado. Lá fora, o fogareiro estava em brasa e, em cima da grelha, Delfininha, com os dedinhos ainda fininhos, colocou as sardinhas - bem frescas, porque sardinhas congeladas não lhe sabiam bem, lembravam-lhe apenas um presente apressado e lucrativo.
Sentou-se à mesa. As sardinhas tinham de ser comidas bem quentinhas. Sentiu-lhes o gosto. Não, as sardinhas não podiam ser acompanhadas por água. Lavava-lhes algum do seu sabor.
Depois da refeição, com a cozinha arrumada e já sem cheiro das sardinhas, encostou-se no sofá e abriu a janela sem se importar que a vissem da rua. Adormeceu.
E sonhou com uma visita que tinha tido há dezenas de anos. Aconteceu ao jantar. 
Quando acordou, sorriu sem medo de sorrir de prazer. Ligou o rádio e, acreditemos ou não, o que ouviu foi "Quero é viver".

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Sophia "partiu" há 11 anos. As palavras puras permanecem!

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento 


Sophia de Mello Breyner


Imagem e poema enviados pela livraria Poetria

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Junto ao rio Douro


A Delfininha



Apesar de viverem perto, ela raramente vê a Delfininha.
Quando ela passa a pé rente à casa de Delfininha, olha sempre para o jardim, bem protegido por um alto e claro portão. As flores, sempre viçosas; a relva, sempre cortada e as trepadeiras na constante subida aos muros, como há dezenas de anos. Ainda dizem que o tempo deixa marcas que são mazelas nos muros que vão amparando a vida; mas nem sempre assim é, como prova  o espaço habitado por Delfininha que se mantém com a verdura do passado. Esquecendo o exagero, dir-se-ia: há séculos...
Desde o tempo de menina, a Delfininha nunca deixou de ser menina e nunca perdeu o nome de Delfininha. Podia ser Delfina, Lucinda, Alda, Maria, Conceição, mas só o nome de Delfininha lhe assentava bem.
Quando Delfininha era jovem, e a graça e a beleza, assim como a riqueza pareciam eternas,  Delfininha era um modelo de educação e delicadeza. Claro que lhe era conhecida a tendência  para aquecer corações que a outrem tinham prometido amor eterno, mas, se tal acontecia, a culpa não era de Delfininha, mas da inata capacidade de sedução, assim como do tamanho alargado do seu coração - dádivas que só em Deus tinham origem.
Hoje, quando, num recolhido silêncio, Delfinnha estava a um cantinho da padaria à espera da sua vez para comprar o pão, ainda se via um restinho de sedução no olhar e no sorriso. Mas, naquele momento, o que Delfininha queria mesmo era comprar a broa para o almoço, porque sardinhas assadas sem broa era como rever o passado e não encontrar qualquer quente brasa do amor.



sábado, 27 de junho de 2015

Finisterra - Corunha


quarta-feira, 24 de junho de 2015

Li e gostei

"O alho porro é mais velho do que o S. João. E protege da inveja e do mau olhado


A tradição do alho porro é anterior à era cristã. Um ritual pagão que, como muitos outros, foi “reciclado” na celebração popular do São João para venerar o solstício de verão

Os martelinhos de plástico tão em voga na noite de S. João têm pouco préstimo para espantar o mau olhado. Já o alho porro é proteção garantida contra pragas e invejas. Se vai passar o São João no Porto esta noite, e mesmo que não seja supersticioso, é melhor respeitar esta tradição milenar na noite de grande folia para os habitantes da cidade nortenha e muitos outros cidadãos do mundo.
A história do alho porro é anterior à era cristã e as fogueiras de São João cruzam fronteiras. Ao contrário do que muitos julgam, há festas populares e fogueiras de São João de Florença ao Brasil. A tradição repete-se um pouco por todo o mundo cristão, que nalgum momento da sua história se cruzou ou herdou o legado da presença celta. 
Os celtas, essas gentes que fundaram o primeiro burgo que haveria de dar origem à povoação romana de Portus Cale [o berço do Condado Portucalense], eram politeístas e correram boa parte da Europa antes de Cristo ter nascido na Galileia. Por isso, não queriam saber da festa de São João para nada. Mas celebravam com pompa e circunstância o Solstício de Verão, que quase coincide no calendário com o dia do santo.
Nessa grande festa de homenagem à Deusa-Mãe Natureza, os celtas faziam fogueiras e ofereciam ervas aromáticas à divindade. Os festejos de S. João [como os de muitos outros santos cristãos] recuperaram este ritual pagão.
As ervas aromáticas que são queimadas variam consoante a latitude do globo - o alho porro pode ser substituído pela alcachofra -, mas a origem do ritual tem um fim comum: espantar o mau olhado, garantir proteção para o ano inteiro e homenagear a fecundidade dos seres humanos e culturas. Tudo em honra da grande Deusa-Mãe: a Natureza que tudo nos dá e garante a sobrevivência das espécies.
Nas fogueiras queimavam-se ervas aromáticas em "louvor do fogo", esse elemento tão necessário à vida quotidiana, lembra o jornalista e estudioso da cidade do Porto Germano Silva.
O tempo foi passando e por cá adotámos o aroma dos manjericos. São João e Santo António partilham a cheirosa planta que abençoa os amores, ou seja, a fecundidade. A carga fálica que mais tarde surgiu associada aos manjericos surge "com a quadra que os acompanha. É a quadra que tem a mensagem que quem oferece o manjerico quer transmitir", explica Germano Silva.
"No século XIX havia muitos terrenos abandonados à volta do Porto onde o alho porro crescia a eito. Na noite de São João, as pessoas colhiam um alho porro e batiam com ele na cabeça daqueles com quem se cruzavam. Era uma forma de saudação, de cumprimento", diz Germano Silva. "Foram as rusgas (canções populares) que lhe deram uma conotação fálica, mas isso é secundário."
Para quem não saiba o que é um alho porro, é o mesmo que o alho francês que consumimos na nossa alimentação; o que se usa para a noite do santo está espigado.
Com o tempo e a industrialização, o alho porro tem sido progressivamente substituído pelo martelinho de plástico. Mas pelo sim pelo não, se andar esta noite pelas ruas do Porto, o melhor é levar um alho porro para casa e colocá-lo atrás da porta. Não vá o Diabo ou o FMI tecer alguma para o ano que vem ...."
 Manuela Goucha Soares, in Expresso, 23 junho 2015

terça-feira, 23 de junho de 2015