"O alho porro é mais velho do que o S. João. E protege da inveja e do mau olhado
A tradição do alho porro é anterior
à era cristã. Um ritual pagão que, como muitos outros, foi “reciclado” na
celebração popular do São João para venerar o solstício de verão
Os martelinhos de plástico tão em
voga na noite de S. João têm pouco préstimo para espantar o mau olhado. Já o
alho porro é proteção garantida contra pragas e invejas. Se vai passar o São
João no Porto esta noite, e mesmo que não seja supersticioso, é melhor
respeitar esta tradição milenar na noite de grande folia para os habitantes da cidade
nortenha e muitos outros cidadãos do mundo.
A história do alho porro é anterior
à era cristã e as fogueiras de São João cruzam fronteiras. Ao contrário do que
muitos julgam, há festas populares e fogueiras de São João de Florença ao
Brasil. A tradição repete-se um pouco por todo o mundo cristão, que nalgum
momento da sua história se cruzou ou herdou o legado da presença celta.
Os celtas, essas gentes que fundaram
o primeiro burgo que haveria de dar origem à povoação romana de Portus Cale [o
berço do Condado Portucalense], eram politeístas e correram boa parte da Europa
antes de Cristo ter nascido na Galileia. Por isso, não queriam saber da festa
de São João para nada. Mas celebravam com pompa e circunstância o Solstício de
Verão, que quase coincide no calendário com o dia do santo.
Nessa grande festa de homenagem à
Deusa-Mãe Natureza, os celtas faziam fogueiras e ofereciam ervas aromáticas à
divindade. Os festejos de S. João [como os de muitos outros santos cristãos]
recuperaram este ritual pagão.
As ervas aromáticas que são
queimadas variam consoante a latitude do globo - o alho porro pode ser
substituído pela alcachofra -, mas a origem do ritual tem um fim comum:
espantar o mau olhado, garantir proteção para o ano inteiro e homenagear a
fecundidade dos seres humanos e culturas. Tudo em honra da grande Deusa-Mãe: a
Natureza que tudo nos dá e garante a sobrevivência das espécies.
Nas fogueiras queimavam-se ervas
aromáticas em "louvor do fogo", esse elemento tão necessário à vida
quotidiana, lembra o jornalista e estudioso da cidade do Porto Germano Silva.
O tempo foi passando e por cá
adotámos o aroma dos manjericos. São João e Santo António partilham a cheirosa
planta que abençoa os amores, ou seja, a fecundidade. A carga fálica que mais
tarde surgiu associada aos manjericos surge "com a quadra que os
acompanha. É a quadra que tem a mensagem que quem oferece o manjerico quer
transmitir", explica Germano Silva.
"No século XIX havia muitos
terrenos abandonados à volta do Porto onde o alho porro crescia a eito. Na
noite de São João, as pessoas colhiam um alho porro e batiam com ele na cabeça
daqueles com quem se cruzavam. Era uma forma de saudação, de cumprimento",
diz Germano Silva. "Foram as rusgas (canções populares) que lhe deram uma
conotação fálica, mas isso é secundário."
Para quem não saiba o que é um alho
porro, é o mesmo que o alho francês que consumimos na nossa alimentação; o que
se usa para a noite do santo está espigado.
Com o tempo e a industrialização, o
alho porro tem sido progressivamente substituído pelo martelinho de plástico.
Mas pelo sim pelo não, se andar esta noite pelas ruas do Porto, o melhor é
levar um alho porro para casa e colocá-lo atrás da porta. Não vá o Diabo ou o
FMI tecer alguma para o ano que vem ...."
Manuela Goucha Soares, in Expresso, 23 junho 2015
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