Delfininha
chegou a casa com a broa que tinha comprado na padaria, aonde foi com
algum custo. Expliquemos, então: a Delfininha, apesar de já ter assistido à
passagem de muitos e muitos anos, continuava a deslocar-se bem.
Muito bem, até. Continuava ágil. O arranjo quase diário do jardim também
tinha ajudado a que Delfininha mantivesse laivos de juventude no
andar.
Custava-lhe
sair, porque se habituara ao recolhimento da casa e, desde menina,
sentia-se diferente da vizinhança e o sorriso que lhes abria era mais de
condescendência e tolerância religiosa. Habituaram-na assim em tempo de muita calada acomodação. Mas, no fundo, do que gostaria
era de falar, de rir com a vizinhança, dizer graças, partilhar as histórias que
todos contavam uns aos outros, mas que calavam logo que Delfininha se
aproximava. Ela não iria gostar nem compreender, com certeza. Ela tinha
mais perfeições do que os demais.
E seria demasiado tarde para ser mais verdadeira?
E seria demasiado tarde para ser mais verdadeira?
Sempre foi discreta. Com o passar do tempo, pouca gente lhe visitava a casa e ela também poucas casas visitava.
Voltemos ao hoje. Partiu
a broa, fazendo alguma força, porque a faca já não estava muito afiada,
mas também a ela se tinha afeiçoado. Lá fora, o fogareiro estava em brasa
e, em cima da grelha, Delfininha, com os dedinhos ainda fininhos, colocou as sardinhas - bem frescas, porque sardinhas
congeladas não lhe sabiam bem, lembravam-lhe apenas um presente apressado e
lucrativo.
Sentou-se
à mesa. As sardinhas tinham de ser comidas bem quentinhas. Sentiu-lhes o
gosto. Não, as sardinhas não podiam ser acompanhadas por água. Lavava-lhes algum do seu sabor.
Depois da refeição, com a cozinha arrumada e já sem cheiro das sardinhas, encostou-se no sofá e abriu a janela sem se importar que a vissem da rua. Adormeceu.
E sonhou com uma visita que tinha tido há dezenas de anos. Aconteceu ao jantar.
Quando acordou, sorriu sem medo de sorrir de prazer. Ligou o rádio e, acreditemos ou não, o que ouviu foi "Quero é viver".
Quando acordou, sorriu sem medo de sorrir de prazer. Ligou o rádio e, acreditemos ou não, o que ouviu foi "Quero é viver".
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