Se calhar, o título não é o mais sugestivo, quero dizer que não será o mais convidativo para esta época ainda festiva; há restos de doces, imagens de fogos de artifício, novidades da família reunida, a mesa mais colorida e alargada... Mas a vida é mesmo assim,
Nesta época do ano, são frequentes as alusões à infância, a sabores que se modificaram, ao bolo-rei cuja fava e brinde desapareceram por ordem da ASAE...
Para não falar de pessoas queridas que estavam sentadas à mesa, mas agora já não estão e que a presença de crianças, que vão nascendo, ajuda a ocupar.
Sim, é uma época de alguma eufórica nostalgia - um tempo, sem dúvida, de maior partilha, mas com muitos momentos em que apetecia ser monge recolhido ao silêncio, para dele obter novas forças.
Por outro lado, nos últimos dias, pude ver, em casa, alguns filmes que estavam à espera de visualização. Foi o caso de A Lancheira (The lunchbox), de Ritesh Batra, passado na cidade de Bombaim, na Índia, que, para além de ter personagens divertidas, apresenta o tema da solidão, vivido por pessoas de diferentes gerações.
Uma jovem, insatisfeita com o seu casamento, encontra, por acaso, outra pessoa que, por sua vez, sente solidão pelo avançar da idade (confirmado pela frequência com que lhe davam o lugar no comboio), pelo facto de viver só, ansiando por manjares saboreados no prato e nas palavras.
Noutro filme - A rapariga que roubava livros (The book thief), de Brian Percival e passado durante a 2ª Guerra Mundial, uma menina sente a pesada solidão por ser entregue a outra "mãe" com mais possibilidades de a criar. Nessa família, entra um jovem judeu que vive o terror de ser descoberto pelos nazis e, logo, enterrando-se na mais profunda solidão.
Penetrando agora na realidade portuguesa, crua e dura, quem não tem familiares, amigos, vizinhos que não sentem o frio mais frio da solidão? (Não uso a primeira pessoa - singular ou plural - embora seja problema, acho au, que a todos toca). Ou porque não têm dinheiro, ou porque perderam o emprego, ou porque não se sentem amados como gostariam...
Por coincidência, no momento em que escrevo este pequeno texto, um canal de televisão transmite O Eixo do Mal. Um comentador fala da solidão do poder, a propósito de Alberto João Jardim que, em breve, deixará de plantar as suas ruidosas e suadas flores no Arquipélago da Madeira
E eu, que gosto muito de flores, daquele género não sinto qualquer nostalgia. Já basta a solidão que, pelos mais diversos motivos, em cada um é semeada.