Sempre vendera jornais. Não se via a fazer outra coisa.
Desde muito nova que punha a tiracolo a saca que dizia JORNAL DE NOTÍCIAS.
Parecia que já lhe conhecia o ombro, porque logo se ajustava, sem ser
necessário puxar para a frente ou para o lado.
Como o tempo não era de ir muito à escola, andava pelas
portas a vender os jornais. Conhecia os hábitos dos clientes: o jornal que
compravam, os que lhe davam uma moedita para o mealheiro, os que lhe ofereciam
uma bolacha, os que, sisudos, nem a olhavam...
Cresceu, casou-se, teve filhos, mas a profissão não
mudou. Como as pernas iam pesando, foi ficando no mesmo sítio, junto um
quiosque. Era conhecida pela velha do quiosque, mas o quiosque não lhe
pertencia. Apenas o espaço próximo durante algumas horas da manhã.
Apesar da concorrência, manteve-se a harmonia durante
vários anos. Cada um tinha os seus clientes, sem guerra nem guerrilha.
Um dia, o quiosque não abriu, mantendo-se fechado
durante meses. O dono havia morrido e os herdeiros não chegavam a acordo sobre
a reabertura. Houve concurso. A velha do quiosque concorreu, mas a candidatura
não foi aceite: não teria fundos suficientes para manter o negócio.
Em breve, o quiosque seria reaberto. Antes desse dia, a
preocupação maior dos novos donos foi afastar o pequeno negócio que,
durante a manhã, era concorrente. A velha foi obrigada a retirar-se uns
metros. Porém, não bastava. Teve de passar para o outro lado da rua, mas
ainda era visível. Escondeu-se atrás de uma paragem de autocarro, mas ainda
ficava perto. Procurou a cobertura de uma porta de prédio, mas os clientes não
a viam...
Hoje, a velha do quiosque estava ao sol, do outro lado da
rua. Junto dela, um pequenino monte de jornais. Aos poucos clientes que a
procuravam vendia o jornal e desejava bom domingo.