quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Quando pego num cesto de adjetivos...

Quando pego num cesto de adjetivos escolho
os maiores, que são os superlativos; e deles ainda
o maior, que é o aumentativo. Depois, começo
a descascá-lo com a faca do advérbio, até ele
ficar restritivo, e caber na frase, onde se cola
ao substantivo para lhe dar um caráter notável,
a distingui-lo de todos os outros que não passam
de comuns e gerais. Gosto destes adjetivos
que quase passam por substantivos, e se
passeiam por entre os nomes como se eles
precisassem deles. São os adjetivos certos
porque não dão nem tiram nada ao substantivo,
nem aspiram a ser explicativos de nada, como
se já soubéssemos tudo sobre a coisa. Porém,
se cortarmos o adjectivo, e o substantivo ficar
tão simples, que cai desamparado, como
o pobre a quem roubam as muletas, logo
digo: «Oh, pobre homem!» e o homem corrige:
«Oh homem pobre!» e fico sem saber qual
dos dois é ele, enquanto não volto a meter
tudo no cesto, e faço do homem um simples
substantivo, coberto com o substantivo simples.

 In Nuno Júdice, A Matéria do Poema, Lisboa, Dom Quixore, 2008

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