terça-feira, 4 de outubro de 2011

“Paridela”


Visitei há pouco um ateliê de designers em Gondomar. Desenham peças de mobiliário. Trabalham, diariamente, num pequeno gabinete, tendo, frente a cada um, o seu computador. O ambiente é jovem e descontraído, apesar de não haver muita claridade nem o local ter grande visibilidade.

No gabinete, o “comercial” mostrava aos visitantes algumas peças e, chegando a um exemplar que havia sido premiado, apontou para um dos jovens de escultural cabeleira: esta mesa foi uma “paridela” deste designer. Este, sorrindo e em silêncio, ia clicando para mostrar diferentes pormenores da peça que (re)criou e que já é um objeto que pode ser adquirido pelas pessoas.

O tempo breve neste ateliê confirma que para haver criação é necessária muita observação prévia, muito trabalho de organização e que um ambiente estimulante é tão ou mais importante do que as boas condições físicas.

Em terra de tradicional marcenaria, é bom encontrar um grupo de jovens criativos que, para além de alimentarem o negócio, desenvolovem e concretizam novos conceitos.

Retomando uma das palavras lá ouvidas, oxalá sejam sinais da “paridela” de um mundo mais belo e sólido. Que pode emergir aos poucos como uma boa peça de mobiliário.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Diário de Mariana

3 de outubro

Querido diário,

Hoje é feriado municipal e vou sair com a minha mãe. Ela quer ver umas cadeiras Ainda se fosse comprar ainda se justificava, mas só ver. Fogo. A minha mãe disse-me logo de manhãzinha: Mariana, vais comigo ver umas cadeiras para a nossa casa? Eu já sei que quando a minha mãe faz este tipo de perguntas está a dar-me uma ordem.

Mas eu, no fundo, até gosto de ir, porque vejo coisas engraçadas na rua, acho piada à maneira como as pessoas falam, etc. Por exemplo, olho sempre para a minha mãe quando na loja alguém diz: tem aqui o troco, menina. Depois, a minha mãe diz-me assim: tem algum jeito dizer menina? Já podia ser minha filha. Uma vez, eu disse assim, pensando que estava a ajudar: até podia ser tua neta. Foi quando ouvi pela primeira vez: é pior a emenda do que o soneto.

Quando andamos às compras, ou a “ver”, como a minha mãe diz, a minha mãe diz assim: Mariana, como é bom andares comigo. Andas sempre bem disposta, achas piada às coisas pequeninas, és mesmo boa companhia. Pois é, o que a minha mãe não vê são os meus pensamentos. Até gosto de arejar, de ir lanchar a uma confeitaria, mas o pior é a tortura que já prevejo: Mariana, ainda não corrigiste esta avaliação diagnóstica? Mariana, não passaste a limpo a composição?...

Bem, acabei por não te falar do que se passou na última aula de 6ª f. Pensava que comigo isto nunca iria acontecer. O assunto merece uma página inteira. Pode não parecer importante, mas para mim foi e é. E será?

Até à vista, querido diário

Mariana

domingo, 2 de outubro de 2011

Diário de Mariana


2 de outubro

Querido diário,

Hoje a minha mãe contou-me que quando tinha a minha idade, estreava sempre roupa na Festa do Rosário. E às vezes era impossível vestir a roupa nova. Ou porque era quente e no dia da festa estava calor, ou estava frio e a roupa parecia ainda de verão. As raparigas também usavam os primeiros sapatos de salto alto nesse fim de semana. Que cena, coitadas. Para mais, iam e vinham a pé e a estrada era de paralelos. O tacão metia-se nos buracos e às vezes até se soltava. A solução era tirar os sapatos e vir com eles na mão. Só visto. Se calhar, até ficavam com calos.

Eu é que não gostava de viver nesse tempo. Eu gosto de liberdade e de andar à minha vontade.

Mas, infelizmente, a liberdade nunca é completa. E eu que o diga. Esta semana há menos aulas por causa dos feriados e, mesmo assim, já começou a tortura: Mariana, deixa-me ver os teus cadernos; Mariana, por que ainda não puseste a um lado os textos e a outro a avaliação dignóstica?; Mariana, por que ainda não respondeste a estas fichas?; Mariana, já fizeste os exercícios?...

E agora, amigo, pergunto-te eu: por que é que a gente não pode fazer apenas o que gosta? Nestes dias quentes em que gostava de ir à praia ou ficar mais tempo na Festa do Rosário, estou a pôr os materiais da escola em dia! Não acredito.

Tenho de terminar. Vem aí a minha mãe e sinto que vai recomeçar o interrogatório.

PS – Na última aula da semana passada, aconteceu uma coisa que mexeu comigo. Amanhã, quero contar. Se “ordens superiores” não me ocuparem o tempo todo nem me roubarem a minha liberdade.

Mariana

Frutos de outono ou da Festa da Senhora do Rosário, em Gondomar






sábado, 1 de outubro de 2011

Telhados sobre o rio

As árvores procuram o Céu


Janela de sol

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Intruso

Diário de Mariana

30 de setembro

Querido diário,

Ainda há bocadinho te escrevi, mas amanhã é sábado e por isso cá estou eu outra vez.

Ontem a setora de português esteve a falar sobre o Acordo Ortográfico e das letras que agora não se escrevem porque não se pronunciam. E deu exemplos: reação, ótimo, batizado, ato, direto e outros que eu escrevi no caderno mas de que já não me lembro muito bem. E disse então o César: ó setora, tive tantos castigos por dar erros em palavras como estas e agora é que se escrevem assim. Não há direito. Começámos todos a rir. Eu, por acaso, não me importo nada com as mudanças do Novo Acordo porque não gosto da cena de parar para ver se falta o pê, o cê ou não sei quê.

Eu acho que outras coisas também deviam mudar. A minha mãe comentou que um político foi preso e depois libertado. Parece que enriqueceu muito, enquanto tinha o cargo público. Não acho nada bem. Se eu tiver recebido a mesada e pedir o troco do pão à minha mãe é abuso, se “eles” ganharem tanto como se lhes saísse o euromilhões nada acontece. Não percebo nada disto.

Por acaso, eu até gostava de ser rica, tipo Madona. Assim também não envelhecia e ajudava muitas pessoas a sonhar. Ainda sou adolescente mas já dá para compreender que ter muitos fãs não está ao meu alcance. Ainda hoje, ouvi uma prof no bar a falar de um aluno e ela disse assim: ele só pensa nele. Assim, vai longe. Eu acho que era ironia, mas por acaso até concordo.

A minha mãe diz-me que eu tenho pouca ambição. E eu, para desviar o assunto, aproximo-me dela, ponho a mão por trás da orelha e digo como se fosse mouquinha: o quê, queres um xi-coração?

Muitos xis, querido diário.

Mariana