Em muitas noites, nos arredores de Londres, é frequente ouvir as raposas que regougam, roncam, uivam, gritam.
Paula Rego, numa entrevista, com o
seu encantamento infantil, confessou:
"Em Londres, não saio à noite porque tenho medo das raposas" (talvez
por, na calada da noite, saírem das tocas, nos parques, e procurarem alimento
nas ruas onde encontram sacos de lixo acessíveis).
Na minha infância, em que o tempo era mais
de castigo do que prémio, ouvia-se: "Se não estudares, tens uma
raposa" (reprovação).
E, por falar em raposas, lembrei-me da
fábula de Esopo "A raposa e o queijo".
Recordei-a:
Estava um corvo num ramo de uma árvore
e, no bico, segurava um queijo. Passando uma raposa, logo desejou a iguaria que
não estava ao seu alcance por se encontrar demasiado alta. Para tal, elogiou a
voz do corvo, pedindo que cantasse. O corvo, ingenuamente seduzido, abriu a
boca para começar o seu canto, deixando logo cair o queijo. A esperta raposa,
tendo conseguido o que pretendia, fugiu veloz levando consigo o desejado pitéu.
Também sobre uma raposa é um conto de
Teolinda Gersão, incluído no livro A mulher que prendeu a chuva, "O casaco de raposa vermelha".
Não esqueço esta narrativa que me
fascinou, tendo, muito resumidamente, dela retido:
Uma bancária deseja intensamente comprar
um casaco de pele de raposa vermelha que viu numa montra de uma loja. Faz todos
os cálculos do dinheiro de que pode dispor e o desejo de adquirir o casaco
torna-se obsessivo.
Chega, finalmente, o dia tão desejado em
que vai buscar o casaco e, vestindo-o, começa a correr em direção à floresta, tal qual uma raposa verdadeira.
Paralelamente a estes pensamentos,
surgem os pequenos livrinhos que o meu pai nos comprava na Feira do
Livro do Porto e cujas personagens eram, recorrentemente, as raposas, as
cegonhas e os lobos. Parece que me estou a ver sentada na soleira da porta
segurando um desses livrinhos na mão.
Um dia, ouvi uma vizinha falar de outra
vizinha chamando-lhe manhosa e vingativa e logo me lembrei de uma história em
que a raposa convidou a cegonha para almoçar, servindo a comida em pratos
rasos, uma vez que a cegonha lhe tinha oferecido um almoço em jarras altas onde
só um longo bico caberia.
Mesmo de raposa.
Mesmo de raposa.