terça-feira, 26 de maio de 2020

A ameixoeira que não gostava de estar só


Há uns tempos, fui a casa de uma amiga. Dando uma volta pelo jardim e quintal, 
contou-me a história de uma ameixoeira renascida.
Dias depois, surgiu-me, então, esta pequena narrativa que agora partilho de novo 
(a primeira vez foi aqui, em julho de 2011). 
Obrigada, C.

Por convite do Clube das  histórias,  este texto será partilhado em breve 
e poderá chegar a muitas crianças que, por razões económicas, não estão habituadas a ouvir histórias.
Que bom seria que nenhuma criança se sentisse só!


A ameixoeira que não gostava de estar só
Era uma vez uma ameixoeira que morava num quintal muito acolhedor. A vizinhança era muito variada: duas macieiras, três pés de abóbora, um limoeiro, margaridas, camélias, azáleas, arruda, erva-cidreira, manjericão, lúcia-lima, hipericão…
A ameixoeira dava frutos muito vermelhinhos. Ameixas escurinhas e aveludadas. Sumarentas e perfumadas. A família gostava de as colher e saborear junto à árvore que era a casa onde as ameixas moravam. Claro que estavam expostas ao vento, à chuva, ao sol, mas era assim que, naturalmente, desejavam viver. Só não gostavam de cair ao chão já podres ou secas, porque podiam ser pisadas sem ninguém as apreciar nem saborear. Se bem que, quando caíam, ainda tinham a serventia de estrumar a terra, ajudando a que, no ano seguinte, novos frutos e plantas se desenvolvessem.

Um dia, as folhas da ameixoeira começaram a secar. De princípio, era uma aqui, outra ali, mas, em pouco tempo, ficaram todas murchas, escuras e sem viço. Bastava uma pequena brisa para as fazer cair ao chão. Qualquer aragem as desprendia da árvore e atirava-as para a terra.
No ano seguinte, o mais certo era a ameixoeira não dar frutos. Era como se uma grave doença lhe roubasse a vida, tirando-lhe, aos poucos, a seiva e a força.
Ora, junto da ameixoeira, vivia uma buganvília de cor bem vermelha. No centro de cada flor, raiavam estames amarelinhos, parecendo alegres e mágicas luzes acesas.
Separava-as apenas um ou dois metros - a ameixoeira que secava e a buganvília que crescia viçosa.
Como se sabe, as buganvílias estendem os seus ramos apoiando-se nos suportes que estão próximos e que as ajudam a trepar. Assim aconteceu.
Os ramos pareciam braços a estender-se em várias direções. Não como as pernas do polvo que se agarram ao solo com escondido disfarce para não ser notada a sua presença.
Os ramos da buganvília crescem sempre com a mesma cor e aos olhos de toda a gente, embelezando os recantos onde vivem.
Às vezes são um bocadinho intrometidas porque espreitam às janelas, saltam os muros, entram pelas portas… São como pessoas muito bonitas, que dão alegria e beleza aos lugares, mas como também são uma força da natureza, precisam que alguém lhes oriente o rumo.

Era assim o quintal onde a nossa buganvília crescia em todas as direções. Um dos ramos foi ter direitinho  à velha ameixoeira que parecia desfalecer de tão sequinha e fraquinha.
Um ramo da buganvília foi ao encontro da árvore raquítica e outro braço – digamos assim – encostou-se ao tronco, apoiando-o.
Com o tempo, os ramos deram origem a outros ramos e pareciam gostar daquele amparo que encontravam na velhinha ameixoeira que, em silêncio e quase escondidinha, ia recebendo renovada energia.
Apesar de parecerem abraçá-la, os ramos da buganvília nunca a taparam, para que ela pudesse sempre respirar à vontade. Na verdade, a buganvília abraçava-a mas deixava sempre espaço para a ameixoeira. 
O tempo foi correndo e quem passava por lá perto só tinha olhos para a buganvília, porque a ameixoeira, quase escondida, parecia uma bengala fininha em que a formosa trepadeira se apoiava mostrando toda a sua beleza e vigor.

Um dia, a dona da casa foi ao quintal apanhar couves para a sopa e passou perto das duas árvores. Se estivesse com pressa ou a pensar em mil coisas ao mesmo tempo, nem teria reparado no que lhe saltou logo aos olhos. A ameixoeira, que parecia até então estar a desaparecer, tinha novas folhinhas verdes a crescer. Como se renascesse numa nova primavera.
A senhora olhou várias vezes com atenção, afastou uns raminhos da buganvília com a mão para verificar se não era a trepadeira que a tinha invadido, mesmo sem querer. As folhinhas renascidas eram mesmo da ameixoeira. Pelo aspeto, por certo a árvore até já daria fruto no próximo ano. Via-se também pelo tronco que estava  mais forte.

Foi então que a dona da casa, para quem cada planta tinha uma história como tem qualquer pessoas, logo chamou a família para ver a ameixoeira renascida.
E o neto, um menino de cabelo forte aos caracóis, olhou para a avó e disse:
- Ó avó, se calhar a ameixoeira não gostava de estar sozinha!
A avó sorriu-lhe e imaginou a compota vermelhinha de ameixas que faria no ano seguinte.
De uma coisa não se podia esquecer: pôr na mesa um raminho de buganvília ao lado da compota reluzente e saborosa.

4 comentários:

  1. Gostei muito da história.
    um beijinho e uma boa semana

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    1. Que bom, Gábi,obrigada. Estou a gostar muito de escrever algumas histórias para crianças. O mais difícil é publicar e a pandemia não ajuda.
      Um beijinho
      M.

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  2. Uma bela história de amor à mãe natureza!

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  3. Obrigada pelo comentário. Fiquei muito feliz.
    Muita saúde
    M.

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