quarta-feira, 6 de agosto de 2014

DOMINGOS MIRA FLOR

6 – Novos rumos

Após a partida do comboio, Domingos regressou a casa. descendo, cabisbaixo, a rua das Flores. Abriu a porta e entrou em silêncio. Passando pelo gato, sem o ver sequer, foi até à varanda e ficou, por momentos, a olhar a casa de Flor, agora de janelas bem fechadas. Entre os vidros e as portadas, viam-se as cortinas de linho bordadas; a varanda sem as plantas aromáticas que, minutos antes da partida, haviam passado para a casa de Domingos para que nem a sede nem o abandono as secassem.
Domingos foi buscar água e regou-as. Queria que, quando Flor regressasse, tudo estivesse viçoso. E que as aromáticas dessem gosto à sua comida que ela confecionava em pequenos tachinhos com muito uso, mas luzidios.
Pensativo, olhou o rio. Que passava como as suas lembranças. No dia anterior, pensaria que, a essa hora, estaria bem perto do jardim da Cordoaria, no seu passeio matinal, com Flor a seu lado, a falar das notícias e dos livros que andavam a ler.
Porém, via-se de novo sozinho, sem ninguém tão íntimo com quem pudesse compartilhar os seus sentimentos. Flor havia sido uma luz que se abrira para ele, mas que, como outras luzes, se tinha afastado. Queria pensar que a separação seria temporária, mas era assaltado pela ideia recorrente de que a felicidade, para ele, nunca seria duradoira.
Pensou em fazer uma caminhada. Talvez ir até ao café da Porta do Olival tomar um pingo e comer a nata do costume, mas, se fosse lá sozinho, o caminho era curto e tudo lhe pareceria amargamente solitário. Não, iria andar a pé, mas noutra direção. A caminhada teria de ser longa, para libertar melhor a tensão e aliviar a mente. Por que não ir até à Praça Velasquez? Iria ao café Bom Dia. Descansaria um pouco e regressaria pela hora do almoço. À tarde, poderia ir, de novo, ao alfarrabista da Misericórdia, como gostava de dizer quando se referia à livraria Chaminé da Mota.
Mas a vida não é uma página em que se possa prever, ao certo, o número de palavras.

(Continua, com Domingos a revisitar outros dias do passado. E não só).




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