terça-feira, 6 de abril de 2021

Também fui e já vi gente na praia

 

Ontem, dia de reabertura das esplanadas, sentei-me à beira-rio com duas amigas para tomar um café e falar de mil e uma coisas das nossas vidas. Só havia uma mesa livre e quase toda ao sol. A mesa só tinha duas cadeiras e nós éramos três. Vi uma cadeira vazia numa mesa vizinha. Perguntei se podia pegar. Está ocupada - disse alguém, sem muita convicção. Acho que não estava e o alguém queria a cadeira para pôr os pés. Ali ao fundo, há muitas cadeiras - apontou o mesmo alguém. Eu disse um obrigada pequenino. Logo outras pessoas nos ofereceram uma cadeira. Dissemos um obrigada grande.

Gosto muito de sol, mas não gosto muito de estar ao sol quente. Como são minhas amigas e não se importam com o sol, deram-me a sombra. Fomos ficando - porque a conversa é como as cerejas -  e, daí a pouco, o guarda-sol já nos guardava a todas do sol.

O início da tarde ia iluminando e aquecendo. Placidamente, entraram dois polícias. Andavam, por certo, a controlar o número de pessoas por mesa. E placidamente saíram, sem paragem nem registo.

À nossa frente, o rio também corria plácido. A não ser quando motas de água faziam piruetas de encher os ouvidos muito mais do que os olhos. Do outro lado, Gaia e, no areal bem perto, pessoas dispersas a trabalhar para o bronze. Quem estava na esplanada, quem passava em caminhada apressada ou lenta, quem se sentava relaxadamente nos muros... todos pareciam desconfinar a tarde como se  fosse mesmo a primeira do resto das suas vidas.

Depois de bastante tempo de conversa: está na hora. Vamos? E se combinássemos novo café? Boa ideia. Isto faz bem à vista e ainda melhor à alma.





segunda-feira, 5 de abril de 2021

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Um ovo, o nascimento, outro ovo, o som das gaivotas e Feliz Páscoa!

 

Nasci há poucos dias. Sim, nasci na madrugada do dia 29 de março de 2021. Enquanto crescia na barriga da minha mãe, perguntavam-lhe se estava tudo a correr bem e faziam-me festas. Eu gostava imenso do calor da mão que era macio e bom. Cheguei a ouvir a minha bisavó a dizer: 'De mansinho, para não magoar'. A minha mãe ria-se e a mão dela continuava a passear com carinho pelo ovo redondo onde me encontrava. Nas visitas ao médico, eu ia sabendo coisas sobre mim: 'Tem cabelo grande, lá está a pilinha, olhem as mãozinhas'... Uma vez, a minha avó perguntou à minha mãe depois da ecografia: 'Filha, viste os dedinhos todos?' A essa hora, o meu pai já tinha mandado as minhas imagens em três dimensões para a família. Eu devia parecer um fantasminha dentro de um frasco, mas a família dizia: 'Que giro!' e todos encontravam parecenças com a minha mãe e com o meu pai. Quando nasci e pude abrir os olhos, via tudo branco e a respirar à minha volta. Parecia que tinha saído de um ovo de sombra para outro muito maior, com muitas dimensões e cheio de luz.

No berço, com a minha mãe deitada na cama ao meu lado, sentia-lhe o olhar à espera do meu sorriso e se eu respirava e se eu estava tranquilo... O meu pai também me olhava com muita ternura e trata de mim com tanto jeito que a enfermeira pensou que já estivesse habituado. Depois de me mudar a fralda, pega em mim com as mãos grandes e sinto-me muito seguro. Quando tenho fome, desato a chorar, a minha mãe faz tudo para eu mamar, mas vejo que tem muita pena porque ainda se desprende pouco leite. Depois de muito esforço e de muitas posições, dão-me biberão, mas gosto mais do leite da minha mãe, embora não tenha muita paciência para esperar que corra. Do biberão, corre melhor e fico tão satisfeito que adormeço logo.

Como eu tinha sido muito desejado pelos meus pais e pela família, julgava que ia receber visitas quando nascesse, mas não e as pessoas que vêm em trabalho usam máscara,  tal como os meus pais, afastam-se umas das outras, lavam e desinfetam as mãos muitas vezes e dizem: 'Temos de ter cuidado'. Também já tinha ouvido isso enquanto estava na barriga da minha mãe, sem  compreender o que se passava. Como estávamos só os três no hospital, os meus pais olhavam para mim com todo o tempo do mundo, pegavam-me na mão devagarinho, diziam baixinho e com doçura: 'Então, então'... para me consolarem quando eu chorava e tiravam-me fotos que enviavam com mensagens. E também recebiam muitas. Algumas eram lidas em voz alta. Numa delas, a minha tia dizia para a minha mãe tirar a máscara de vez em quando para eu ver os rostos completos e começar a reconhecê-los. Não sei se foi por isso, mas abri os olhos e vi que os meus pais eram muito bonitos, sorriam, estavam sempre a olhar para mim, e diziam: 'É tão bonito e perfeitinho'. Uma bênção! Fiquei muito contente de ouvir isso e ainda mais de os ver e de começar a conhecer o ovo grande que é o mundo. Ah, a minha tia também disse para a minha mãe me pôr sobre o peito dela, só com a fraldinha e pele com pele. Foi tão bom e confortável. Eu acho que a família e os amigos me querem ver. Só  me conhecem por fotografias e sei que dizem: 'Que lindo. Parece sossegadinho. Olha que lourinho'. Até ouvi que o meu cabelo era loiro acobreado. E também: 'É todo pai, a boquinha é da mãe'... Eu compreendo as reações porque só agora saí do ovo. Deve ser por isso que a minha prima, que tem cinco anos e vive longe, olha para as fotos, sorri e parece dizer: 'Cresce, que assim não posso brincar contigo!'

Já chegámos a casa e acho que vi uma gaivota no rio. Só as conhecia pela voz enquanto crescia na barriga da minha mãe. 

A minha avó já me visitou e dizia muita encantada: 'Que riqueza! Que maravilha'. Ouvi-a falar com a minha mãe sobre a Páscoa - que cada um vai passar em sua casa - e diziam que eu era o melhor que podia acontecer para a celebrar. E fiquei mais uma vez muito feliz por ter nascido.

A minha vida é ainda muito curtinha, mas  gostava de desejar a todos muito boa Páscoa! 

E a minha avó também!


terça-feira, 30 de março de 2021

O autocarro e o postal grande

 

Quando as minhas filhas estavam no início da adolescência, fizemos, em família, uma viagem à Bretanha e fomos por uma Agência de Viagens. Quando cresceram mais, convenceram-nos a viajar com roteiro e horário feitos por nós. E tinham muita razão, mas não foi isso que me levou a escrever este texto.

Ora, nessa viagem, seguimos de Paris de autocarro até à Bretanha, região francesa de cidadezinhas maravilhosas e de mar tão encrespado quanto belo. O autocarro tinha lugares marcados e à minha filha mais nova coube uma bonita senhora já idosa como companheira de lugar durante esses dias. Viajava sozinha, era muito discreta e muito simpática com toda a gente. Nunca falava da vida pessoal, só de viagens e se o tema vinha a propósito. Havia muitas vezes espetáculos ao jantar, mas ela nunca estava presente. Uma vez, disse que ficava no quarto a fazer puzzles, que era um dos seus passatempos favoritos, e que gostava de fazer sobre os sítios por onde viajava.

Porém, com a minha filha, sobretudo nos tempos de viagem no autocarro, havia sempre assunto. Conversavam sobre leituras, sobre a região, sobre filmes, sobre a escola, etc. Eu digo conversavam, embora a minha filha fosse mais ouvinte, ainda que sempre interessada (nesse tempo, ainda não havia telemóveis). Quando saíamos do autocarro para uma visita, a minha filha juntava-se a nós e a senhora integrava-se no grande grupo, sem nunca perder a discrição e o ar solitário.

Durante esses dias, foi-se criando uma grande empatia entre ambas, embora só falassem enquanto viajavam lado a lado no autocarro. No último dia e na despedida, pediu o nome e morada à minha filha para lhe mandar um postal. E assim foi. Passados alguns dias, recebemos em casa um postal enorme em que a senhora dizia que lhe queria agradecer a boa companhia durante a viagem. Julgo que guardámos o postal durante muito tempo, mas não sei se a minha filha chegou a responder-lhe. Sei, contudo, que nunca se esqueceu de D. Clotilde, sua companheira de autocarro através da Bretanha.


segunda-feira, 29 de março de 2021

'Esta vida de blogueira...'

 

 Um dos últimos  posts do blogue  'O cantinho da Janita' tem um título engraçado e lembra logo uma canção conhecida: 'Esta vida de blogueira está a dar cabo de mim'. Contudo, espero que  seja apenas um desabafo e que Janita continue a blogar, porque o seu blogue é muito vivo, dinâmico, alegre e o ambiente criado é de amizade e simpatia.

E esse post lembrou-me ideias que me vêm à cabeça muitas vezes e que têm a ver com o meu blogue e os blogues que sigo, que são poucos.

Apesar das perdas e de alguns males que sempre acontecem a todos, de uma maneira ou de outra, estou muito grata à vida por tudo o que me tem proporcionado. E criar o blogue foi simples e bom para mim. Assim, posso fazer uma coisa de que gosto muito e que é escrever, partilhar imagens, falar do meu dia a dia ou de coisas que me tocam, etc. É mais um motivo para me sentir bem comigo, com os outros e com a vida. Tudo isto parece lugar comum, mas no nosso dia a dia também cabem lugares comuns. Não tenho facebook, nunca tive, não sei se terei, embora esteja tentada a ter porque através dele tem-se acesso a eventos culturais de muito interesse. Porém, como nunca tive, não lhe sinto a falta. Do meu blogue, apesar de comum, e dos blogues que sigo já sentiria muita falta.

Para além do prazer que me dão, tenho aprendido muito com eles. Leio crónicas que apetece logo dizer: 'melhor era impossível'. Vejo poesia de muitas rimas e de muitos sentimentos. Vejo vídeos que revelam facetas criativas de pessoas que povoam e humanizam o mundo. Acedo a informações culturais, receitas que deliciam, fotos e imagens inspiradoras, reflexões sobre temas atuais, histórias que fazem pensar... Sem os blogues que visito, acho que o meu dia a dia continuaria com certeza, mas tenho a certeza de que não era a mesma coisa.

E quero também referir as visualizações, as mensagens e os seguidores, pela parte que me toca. Obrigada a todos pelo carinho, atenção e disponibilidade. A todos estou grata e fico feliz com a boa interação que se estabelece também pelas mensagens: uma forma de dizer olá com um empático sorriso, de partilhar gostos, coisas boas ou menos boas das nossas vidas, organizar as ideias, etc.

A todos quero vivamente agradecer: obrigada!

Roubando o título de O cantinho da Janita (desculpe, Janita), eu diria ainda: 

Esta vida de blogueira 

   não é sempre fácil, não;

  sendo feita com amor,  

   faz-nos bem ao coração!


sábado, 27 de março de 2021

Dança na praça!

 

Há dias, visitando o blogue 'Um jeito manso', vi este vídeo que achei maravilhoso. Apesar da diferença de idades de quem dança, nem sei quem dança melhor. Disse até para mim própria: 'Tens mesmo de andar mais a pé'! Sem pretender vir a dançar assim, é claro!

 

sexta-feira, 26 de março de 2021

'Que me saiba perder...'

   

Tive de ir à cidade do outro lado do rio e já não foi a primeira vez que tal me aconteceu: perdi-me. Quando preciso, costumo usar o GPS do telemóvel, mas tinha-o no banco de trás, dentro da carteira e nem pensava sequer usá-lo porque a cidade fica aqui tão perto! Porém, em vez de entrar por uma via, entrei por outra. Ao dar conta, já era tarde, porque vinham carros atrás e qualquer desvio podia dar choque.

A solução era mesmo seguir em frente. E andei às voltas nos arredores profundos até encontrar a placa salvadora, depois de ter feito uns quilómetros a mais, ter desligado o rádio que já era só ruído, ter olhado o relógio várias vezes e ter vociferado bastante. Quando encontrei o rumo certo, respirei de alívio e liguei de novo o rádio.

Há uns dois ou três anos, fui com uma filha a uma cidade do sul da Holanda. Ela ia fazer uma formação e quis que eu fosse com ela. Para mim era bom, porque lhe fazia companhia no tempo livre e conhecia um pouco de um país onde eu nunca tinha estado. Ora, durante a manhã e a tarde, enquanto a minha filha aprendia mais sobre o seu mister, eu passeava pela cidade. Visitei igrejas, museus e uma tarde resolvi andar a pé à descoberta, com a consciência de que podia perder-me, mas não me importei porque a cidade era bonita, calma, plana e pequena. Assim aconteceu, mas voltei ainda a tempo ao local de partida e com imagens bonitas no meu telemóvel que à noite, enquanto jantávamos, mostrei à minha filha.

Outra vez, no tempo em que éramos todos vivos, fomos a Paris. À noite, resolvemos passear nas imediações do hotel e a uma certa altura já não sabíamos como regressar. Uns eram de opinião que o melhor era apanhar um táxi, outros nem pensar porque estávamos perto de certeza. Continuámos a caminhar e, de facto, não estávamos longe do hotel. Como chegámos irritados, fomos para os quartos e boa noite que se faz tarde. Só no dia seguinte, ao pequeno almoço, e já relaxados, falámos do assunto e ainda nos rimos.

O título destas peripécias de perdidos e achados foi roubado a Florbela Espanca, que eu lia vezes sem conta na minha adolescência. Aprendi até vários sonetos de cor e um dia fiz um à maneira de Florbela. Para mim, era uma obra-prima que segurava ufanamente na mão numa folhinha manuscrita e arrancada de um caderno. Logo mostrei à minha irmã, que nunca dizia sim só porque sim. Traduzindo a reação dela, dá mais ou menos isto: 'deixa-te disso de imitações'. Afinal, a minha 'obra-prima' nem parente afastada devia ser! Continuei, porém, a folhear o livro (ainda o tenho), a ler os sonetos e outros poemas, mas fiquei-me por ali. Obrigada, mana, só é pena já não leres estas minhas palavras nem os livros que eram  das páginas mais importantes da tua vida.


'Amar!

(...)

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...'

Florbela Espanca

 (Vila Viçosa - 1894 / Matosinhos - 1930)


quarta-feira, 24 de março de 2021

'Kafka e a boneca viajante' - Miguel Falabella

 
Um dia destes, uma amiga enviou-me este vídeo, onde o ator Miguel Falabella conta muito bem uma história, atribuída a Kafka. Verdadeira ou não, achei-a bonita. Oxalá gostem também, se ainda não a conhecerem.

terça-feira, 23 de março de 2021

Conversa com bâton!

 

- Mamã, posso pintar-me e usar vestido no aniversário da tia Ana?

- Querida, como vais para a escola, não podes usar vestido nem ir pintada.

- A tia Ana gosta de usar vestido e de se pintar; ela ia ficar contente.

- Já fica muito feliz quando te vir, falar contigo e ouvir-te cantar os parabéns pelo skype.

- Mamã, posso ao menos pôr bâton? 

 

 

segunda-feira, 22 de março de 2021

Desculpem a maçada. Vou voltar ao post anterior.

 

Resolvi decorar a pequena história que escrevi e ontem partilhei. Se for em papel, talvez fique mais apelativa assim. Também achei bonito o vídeo que ontem partilhei com a história, e que foi feito pelo pelouro da educação da CMG e não por mim.

 

 

Pus papel vegetal em cima de uma folha (neste caso, uma das folhas é de loureiro) e raspei com lápis de cor. Ficou logo a folhinha com as nervuras naturais e depois foi só cortar (Obrigada, Cristina, por me teres ensinado a técnica. Desculpa as imperfeições).

 

 Mostrei à minha neta e acho que gostou. Pensei logo que outras crianças também poderiam gostar.

Bom Dia! Boa semana!

 

domingo, 21 de março de 2021

Bom Dia!

  

 

Era uma vez uma árvore,

uma árvore florida,

e, chegada a primavera,

cobriu-se de nova vida

e pássaros multicores,

incluindo o negro melro,

de bicos de várias cores

sendo um deles amarelo.

 

Um dia,  soprou o vento

e um ramo quase caía;

segurou-se bem ao tronco,

sua forte companhia.

E uma abelha pousou

na pétala de uma flor

que daria uma cereja

ou pera de bom sabor.

 

Fragmento de um desenho de Cristina Pinto

 

 

Foi chegando uma menina

que veio devagarinho

junto da árvore florida,

ouvindo-se um passarinho.

E foi com muita ternura

que ela disse: Bom Dia!

E olhando aquela árvore:

- És tão frágil como nós,

temos de te respeitar;

sem ti, ficamos mais sós,

sem podermos respirar.

 

E a menina foi pr'à escola

a pensar na Poesia

que lá iam celebrar,

a par da Árvore amiga,

e pensou em desenhar

aquela muito florida

que, logo de manhãzinha,

ternamente foi saudar.

E as palavras Bom Dia

entrariam numa quadra,

pensou com muita alegria:

 

Árvore, muito Bom Dia!

dás mais Vida à nossa vida

e às palavras bonitas

que dão Vida à Poesia.

 

 
DG, março 2021

 
 
 


 

 

 

sábado, 20 de março de 2021

Hoje chega a primavera e amanhã celebra-se a Poesia

 

 Ao ler o texto que a seguir partilho, lembrei-me dos Poetas da blogosfera, sobretudo os que conheço porque visito com frequência. São todos homenageados no Dia 21 de março, ainda que a Poesia possa surgir a cada instante e de cada instante. Parabéns!

Poesia

Maria do Rosário Pedreira

'Estes tempos de pandemia são tempos prosaicos e sem graça. Mas neste domingo celebra-se mais um dia da Poesia e convém, pelo menos nesse dia, ler poemas, mesmo que os Extraordinários sejam mais dados à ficção e alguns digam até que a poesia lhes diz pouco (suponho que apenas porque ainda não encontraram o poeta que os convenceu; ele há tantos e tão diferentes que o mais importante é insistir). Para este domingo, convidaram-me (a mim e a outros poetas, bem entendido) da Casa da América Latina para ler cinco poemas de autores latino-americanos. Escolhi José Emilio Pacheco do México, Eucanaã Ferraz do Brasil, José María Zonta da Costa Rica, Juan Gellman e Roberto Juarroz da Argentina (e não me venham chatear por serem tudo homens, porque aqui o que me interessou foram os poemas, não os poetas, como diz o próprio José Emilio Pacheco no texto que elegi). E, de cada vez que gravo estes pequenos vídeos e investigo, fico feliz por encontrar textos tão bonitos que não conhecia e por vezes até autores que nem sabia que existiam. Façam o mesmo neste domingo: procurem, para variar, um poeta qualquer de um país que escolham. Verão como a descoberta dará bons frutos'.

Retirado do blogue Horas extraordinárias, 18 de março 2021 

 

sexta-feira, 19 de março de 2021

'Pai, Dizem-me que Ainda Te Chamo'

'Pai, dizem-me que ainda te chamo, às vezes, durante
o sono - a ausência não te apaga como a bruma
sossega, ao entardecer, o gume das esquinas. Há nos
meus sonhos um território suspenso de toda a dor,
um país de verão aonde não chegam as guinadas
da morte e todas as conchas da praia trazem pérola. Aí

nos encontramos, para dizermos um ao outro aquilo
que pensámos ter, afinal, a vida toda para dizer; aí te
chamo, quando a luz me cega na lâmina do mar, com
lábios que se movem como serpentes, mas sem nenhum
ruído que envenene as palavras: pai, pai. Contam-me

depois que é deste lado da noite que me ouvem gritar
e que por isso me libertam bruscamente do cativeiro
escuro desse sonho. Não sabem

que o pesadelo é a vida onde já não posso dizer o teu
nome - porque a memória é uma fogueira dentro
das mãos e tu onde estás também não me respondes'.

Maria do Rosário Pedreira, in 'Nenhum Nome Depois' 



quinta-feira, 18 de março de 2021

Há estados e Estados!

 

Ontem tive de me dispersar por múltiplos afazeres e faltou-me aquele bocadinho do dia de que gosto muito: sentar-me ao computador, ver alguns blogues amigos e escrever um texto que tantas vezes é sugerido pelo que está ou vive à minha volta. Logo de manhã, um trolha começou a arranjar um passeio esburacado do quintal. O tempo está bom e assim as coisas ficam mais bonitas. Acho que o que fiz foi útil e bom, não por ser nada de especial, mas porque era preciso ser feito, ou fiz com gosto, como assar peixe com batatas, acompanhado de arroz de cenoura, para a minha filha que fazia anos. E comprar-lhe um ramo bonito de flores e ouvir com um sorriso: 'Que bonito, mãe'.

Ontem à noite, no Joker, ouvi a concorrente dizer que uma das coisas que a relaxa é descrever os diferentes estados dos Estados Unidos da América. Achei aquilo bizarro. Melhor seria que fizesse a relação das pequenas coisas boas que lhe aconteceram durante o dia sem se focar diretamente no que a chateou, embora, muitas vezes, seja bom e necessário referi-las porque são humanas e nós somos humanos.

Muitas vezes, a minha mãe refere o rol de tristezas que lhe contaram, que viu, que ouviu, que sentiu... Chego a um ponto que lhe digo: 'Mãe, e o que é que aconteceu de bom?' Pensa um bocadinho e lá se lembra de uma coisita ou outra.

Porém, não sou exemplo de nada nem de otimismo, mas, talvez pela idade, acho que sou um bocadinho mais do que era há uns anos, talvez por ter aprendido a valorizar pequenas coisas que vão alegrando os meus estados de alma. E neste tempo do meu dia, como pude tranquilamente sentar-me ao computador, aproveito para dizer BOM DIA!




terça-feira, 16 de março de 2021

Notícia do meu dia: fui ao cabeleireiro!

 

Ainda estava a ouvir a última comunicação do primeiro ministro sobre as datas do desconfinamento, ou melhor, reabertura, e já mandava uma mensagem à minha cabeleireira para marcação.

Passados uns minutos, tinha o dia e hora marcados e ontem lá fui eu. Tive ainda de esperar uma meia hora fora do salão. Já lá dentro, o telefone não parava de tocar. Na lavagem do cabelo, fechei os olhos porque aqueles momentos para mim são apaziguadores ou até redentores. A menos que a água me caia na cabeça demasiado fria ou demasiado quente. 

Soube-me pela vida. Há dois meses que não sentia o mesmo prazer de estar sentada e sentir que o meu cabelo estava a ficar bem lavado e que ainda por cima ficaria um bocadinho mais bonito, porque não tenho muita paciência para o secar bem. Entrego, quase sempre, essa tarefa ao ar que se respira e que, neste caso, também seca.

Pelo que vi e ouvi, eu fui uma das imensas pessoas que foram ontem ao cabeleireiro ou ao barbeiro. O dia deve ter ficado marcado pela melhoria de visual de milhares e milhares de portugueses e portuguesas (para ser mais atual!). Aos contentores do lixo devem ter chegado sacos e mais sacos de cabelo que a vassoura varreu do chão há muito seco e careca. 

Acho que me vi ao espelho, ao lavar as mãos quando cheguei a casa. Logo depois, vi que a minha filha que não vive cá me tinha mandado fotos. Não sei se era porque me sentia  um pouco mais apresentável, olhando as imagens floridas (ela sabe que eu gosto), o mundo e a vida pareceram-me mais bonitos.