sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Campainha

 

Quando eu era miúda, a minha mãe dizia-nos, a mim e aos meus irmãos, muitas vezes: não é para tocar à campainha. A advertência vinha a propósito de alguma coisa nova que se comprava, alguma notícia que era sobretudo nossa, etc. qualquer coisa que ela entendia não ser para contar a ninguém.

Não sei se foi por isso, mas tenho alguns pruridos em falar de mim num círculo mais alargado, ainda que a minha vida seja comum e anónima.

No entanto, aprecio muitas vezes a coragem de quem fala sobre si com inteireza, verdade e confiança, não para se vangloriar nem prejudicar seja quem for, mas porque o quer dizer, consciente de que o que diz não é motivo para se arrepender mais tarde nem é desabafo inocente que não interessa a ninguém e que apenas introduz ruído.

Com certas coisas que oiço dos outros também procuro ser cuidadosa, não reproduzindo muito do que ouvi, se o assunto é delicado, mesmo que não me tenham pedido segredo. Tenho medo de ouvir: foste dizer... contaste... não era para se saber ...

Fico atrapalhadíssima só de o pensar porque já me aconteceu uma vez ou outra e o que senti foi horrível. Devem ser resquícios do conselho que tantas vezes ouvi na minha infância, sentindo que não estive à altura de o cumprir: não é para tocar à campainha!

Por falar nisso, desculpem, estão a tocar à campainha.

 

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

'Nunca te cales, filha'!

 
 
Hoje, quando acordei, liguei a televisão e fui parar à Sic Mulher. Não sei que programa era, mas a conversa que ouvi fez-me logo abraçar o dia. Muito bom quando é assim. 
A entrevistadora era discreta, fazia perguntas curtas, certeiras e a entrevistada - Celina da Piedade - enchia o ecrã. E não era pelo seu corpo volumoso, mas pela simpatia, pelo gosto de viver, pelas coisas, aparentemente simples mas belas, que dizia e contava.
Retive algumas: reconhecimento pelo apoio dos pais. E recordou - com o bonito sorriso no rosto também bonito - o conselho que o pai lhe dava repetidamente: Nunca te cales, filha!
E falou da música e da vontade mais antiga de fazer carreira internacional mas que deu lugar ao querer viver e trabalhar num mundo mais limitado onde se sente muito bem e sabe que é precisa: para cantar, para tocar, para ajudar os outros que lhe estão próximos, etc.
E lamentou uma coisa que acontece com muita frequência: encontrar um amigo e dizer ou ouvir dizer que temos de combinar um café, não passando de promessa, porque muitas pessoas estão cada vez mais separadas.
E como gostei de a ouvir dizer que trabalha muito mas que também é preguiçosa, que gosta muito de ler e de fazer tricot ou crochet. 
Obrigada, Celina, por teres aberto uma bonita e útil janela logo pela manhã. 
Não sei se lá fora voam andorinhas, mas basta ouvir-te para as encontrar.
 

 

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Feliz

 

 

O apelido era Feliz, mas, se bem me lembro, raramente a vi feliz. Tinha muitos filhos - pelas minhas contas, eram sete - e as infelicidades caíam-lhes em cima com frequência. Pelas mãos ossudas e magras da mãe. 

O que valia era a rua onde passavam muito tempo e podiam correr o arco, jogar ao pião, lançar papagaios de papel, saltar à corda, etc. Aí, sim, eram felizes e ninguém lhes batia. Também que ninguém se atrevesse, a menos que quisesse ser retribuído da mesma ou pior forma.

Quando chegavam a casa é que era pior. Vinham sujos e esfomeados da brincadeira e a mãe enfurecia-se porque tinha esfregado o chão, de joelhos e com mais esmero do que sabão amarelo, e eles vinham estragar tudo. E o apelido lá se ia pela água abaixo.

Não é que não gostasse dos filhos e que não zelasse pela saúde deles, mas que sujassem a casa e tirassem as coisas do lugar enervava-a e trazia-lhe à cabeça o caos que vinha da sua infância. E tenho eu a alcunha de Feliz, raisparta - dizia para si própria!

A casa está agora em ruínas. Amontoadas, tal qual foram caindo, pedras, bocados de cimento ou cacos variados contam bocados das histórias por lá vividas. Restos da casa em que cada um gostaria de ter sido mais feliz e não apenas de nome. 

 

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Mimo também é quando a pessoa quiser!

 

MIMOS DE JUNHO foi o último livro da coleção MIMOS DE..., da Mimos e Livros. É uma coletânea que vai contemplando todos os meses e em que sempre tenho participado.

Desta vez, o tema era junho e dediquei o texto à minha irmã. Possa ela sorrir.

 



A minha irmã

 

Nasceu quando junho se abria.

Costumávamos trocar presentes nos aniversários, frequentemente livros. Oferecia-me quase sempre um de que tinha gostado, receando, porém, que eu não apreciasse -  parda e persistente presença do fantasma do desamor.

Lia muito. Alimentava por si boa cultura literária, com alicerces nas estantes romanescas do nosso pai.

Como então era comum, o destino da maioria das raparigas seria tratar do marido, da casa e dos filhos. Contudo, livros, filmes, media que, ao longo da vida, selecionava criteriosamente, revelavam outras dimensões da vida.

O que mais a desassossegava era o medo de perder ou ver sofrer as pessoas que mais amava.

A leitura e a arte eram refúgio para muitas inquietações. E as poucas viagens possíveis. Paris representava, ainda que breves, a felicidade e a perfeição.

Também bordava sobre o linho, com cores e linhas sempre organizadas, como toda a casa.

Recordo-lhe a voz frágil e o cabelo encaracolado - grisalho, quando já muito doente, retendo brilho e beleza.

A minha irmã faz-me falta. Pela proximidade de idades e de visão do mundo.

Como lamento não termos trocado mais felizes e confiantes abraços - a que não fomos habituadas. O tempo não semeava afetos. Nem a coragem de os cultivar.

Junho floresce e quero sorrir, naturalmente, de irmã para irmã. Estou certa de que vai ver e sorrir também.

Como se nos oferecêssemos um livro bom e houvesse futuro.

 

Ainda vem longe o Natal, mas...



Enquanto vejo ou oiço programas de que gosto, vou tecendo pequenos presentes.

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Sozinha em casa

 

Há uns tempos a esta parte, tento despojar-me de algumas coisas que não utilizo nunca e que podem ter utilidade para outras pessoas. Vejo o meu guarda-fatos e chego à conclusão que tenho bastante que vestir podendo variar. Portanto, para quê comprar e acumular, se não há necessidade?

Embora espere e deseje continuar a viver, vou pensando em situações de pessoas que morrem e deixam imensas e variadas coisas que não usavam e que vão dar muito trabalho a quem as tem de arrumar ou distribuir.

Pois bem, mas isto não condiz com o título que escolhi, embora tenha um bocadinho, sobretudo quando tenho o dia por minha conta. E como gosto de ter o dia por minha conta! Sem programa. Sem obrigações. Sem cumprimento de horários. Será egoísmo ou culpabilidade que se entranha e deixa marcas para sempre?

Quando estou sozinha em casa, arrumo umas coisas, outras ficam para depois (embora me pareça sempre ouvir a minha mãe dizer que sabemos como se sai, mas nunca como se entra!). E tenho tempo para olhar com mais atenção para as coisas, encontrando algumas sem qualquer história nem utilidade. Nesse caso, arranjo-lhes um destino mais útil. Também reutilizo outras, dando-lhes mais vida e visibilidade.

E que bom que é o silêncio da casa por umas poucas ou longas horas, ainda que muita coisa que também faça, tal como muita gente, sobretudo mulheres, seja a pensar nos que amamos e que vão chegar, que nos esperam, que nos chamaram, que precisam de nós, etc.

Por falar nisso, vou arranjar dióspiros, uns para congelar, outros para a sobremesa, mas, por enquanto, estou sozinha em casa, escrevo (-vos), oiço um carro de vez em quando a passar na rua, olho o canário que era da minha mãe no pequeno baloiço, vejo a mesa do pequeno almoço ainda por arrumar, o bilhete com as coisas que vou comprar no supermercado, bebo um pouco de café... Tudo tão simples e tão bom. 

Estou a ser egoísta, mas sabe bem sê-lo quando se está sozinha ou sozinho em casa por vontade ou gosto próprios. E não por tanta e frequente solidão imposta. 

 

domingo, 17 de setembro de 2023

A menina que quer ser professora

 

Há muito tempo, havia bastantes jovens - sobretudo raparigas - que diziam querer ser professores. E diziam-no com um brilhozinho nos olhos. Algumas vezes tive a alegria de o ouvir e ainda mais quando tiravam o curso e começavam a dar aulas (fui colega de alguns ex-alunos!).

Essa vontade de ser professor foi diminuindo ao longo do tempo - julgo eu. Será que ainda se vai a tempo de a recuperar? Oxalá que sim.

Há pouco, soube que uma estudante do último ano do secundário quer ingressar na Escola Superior de Educação e ser professora no futuro. Quando a avó fala do assunto, vê-se que a alegria e o orgulho são grandes. A jovem é uma rapariga aberta a este tempo globalizado, boa aluna, gosta de ler, vai a eventos culturais, desfruta com respeito dos bens da natureza, etc. 

Que bom, diz quem ouve, a Escola precisa tanto de jovens, porque o envelhecimento da classe docente é notório. 

Sei de alunos que dizem que os professores da turma são todos velhos, embora em muitos casos se tenha de relativizar porque, quando se é muito novo, toda a gente que tem mais uns vinte ou trinta anos já é considerado velho.

Mas todos vemos, ouvimos e sabemos que muitos professores estão à beira da reforma e que não há outros docentes em número suficiente para os substituir. Oxalá que exemplos, como o da menina que quer ser professora, possam motivar mais jovens para a carreira docente.

No entanto, não defendo que só os jovens têm a força, o saber e o entusiasmo necessários ao trabalho educativo. Muitos professores mostram-no no dia a dia, apesar da idade mais avançada, de todos os cansaços e problemas atuais - tantas vezes já antigos.

O ideal - ainda se pode falar em ideal? - será que mais jovens e menos jovens trabalhem em comum e juntem, com verdade e confiante serenidade, saberes necessários às crianças e jovens em idade escolar.

Parabéns e felicidades, M., menina que quer ser professora. 

 

sábado, 16 de setembro de 2023

Pessimista versus otimista

 

Não me lembro de ouvir falar tanto de Educação como agora, mas, quase sempre, por más, embora pertinentes razões: falta de professores, anos de trabalho que o Estado não pagou, etc. Os Sindicatos, como é atribuição sua, fazem-se ouvir, barafustam, criticam, apresentam propostas, etc. E, atualmente, perante o que dizem ser teimosia do governo, decretam greves - demasiado frequentes, na minha opinião.

Os rostos que mais aparecem nos media - pelo menos os que vejo mais, embora existam outros como o da Fne - são os de Mário Nogueira, da Fenprof, e de André Pestana, do Stop. Quanto ao primeiro, acho que está há demasiados anos - desde 2007 - à frente desse Sindicato; quanto ao segundo, acho-o demasiado efervescente para a função.

Existem outros problemas nas escolas - e um deles é a burocracia - mas  são pouco referidos. Por outro lado, há boas práticas que nunca são relevadas, porque o que é evidenciado são sobretudo os problemas, nomeadamente o não pagamento de serviço prestado. E este é o principal motivo para a convocação das frequentes greves. Também sou de opinião que quem trabalha deve ser remunerado, mas o ruído às vezes é tanto que já cansa muitas pessoas - incluindo bastantes professores - e os motivos das greves às vezes nem são ouvidos por quem não é professor. E muitos docentes não as fazem porque o ordenado não é grande e assim ainda é menor.

Quanto a esses dois dirigentes bastante mediáticos, André Pestana parece ter surgido a correr e de forma súbita com a sua mochila de papéis tantas vezes desarrumados e nervosos; Mário Nogueira, por sua vez, está no cargo desde 2007 e teria trabalhado como docente uma dezena de anos. Muito tempo à frente de um Sindicato. Demasiado tempo. O desgaste pelo tempo não perdoa.

A experiência acumulada pode ter vantagens, mas traz uma habituação que não é vantajosa para o grupo a defender. Podem até ser justos muitos dos seus argumentos, mas vão deixando de ser ouvidos, para além do cansaço que a imagem provoca.

Discordo cada vez mais do prolongamento em demasia em quaisquer cargos públicos de chefia, como se detivessem para si esse ónus a que se habituaram, muitas vezes para manutenção do poder e de regalias, embora não ponha em causa muito do trabalho realizado.

Será que os professores vão ser ressarcidos do tempo de serviço não pago e as greves vão abrandar? Neste contexto, não creio.

Será que outros problemas das escolas vão sendo resolvidos? Neste caso, sou um pouco mais otimista. Pode ser que a Educação ganhe mais relevância, como será necessário.

 

terça-feira, 12 de setembro de 2023

'Hoje é o primeiro dia...'

 


Hoje, não há televisão, rádio ou jornal que não fale do regresso às aulas. Da alegria de muitas crianças e jovens, da preocupação dos pais, do aumento de preço do material escolar, das novas greves prometidas pelos sindicatos de professores, dos apelos do ministro da Educação, etc.

Desde que deixei a escola - pública -, contacto com frequência com colegas e amigos com quem trabalhei, prolongando-se, felizmente, boas e grandes amizades. Assim, vou sentindo o pulsar da escola, onde cabem muitas alegrias, algumas esperanças mas também desilusões e frequentes cansaços.

É impossível não me recordar de tantos recomeços do ano letivo, em que a sala de aula se enchia de adolescentes; uns, felizes e curiosos pelas novas matérias que iam aprender e quase todos pelo reencontro com os colegas. 

Os comportamentos também eram diferentes. Alguns - sobretudo raparigas - sentavam-se nas filas da frente, outros quase corriam para as filas de trás. E, de repente, a sala enchia-se. E vinham as boas-vindas e algum receio, mais ou menos disfarçado, de não conseguir corresponder aos sonhos daqueles jovens: uns mais seguros do que outros, porque as suas histórias de vida também eram todas diferentes. As reuniões com os pais confirmavam-no.

Quando se sentavam, logo as mesas se enchiam de mochilas - um bom truque para esconder o telemóvel. E, com palavras mais ou menos doces, as mochilas lá desocupavam as mesas.

Muitas vezes dou comigo a pensar em momentos felizes na escola em que entre mim e os alunos se criava a empatia necessária para que o crescimento humano e de saberes acontecesse. Porém, casos houve em que poderia ter agido com mais segurança e descontração. 

Às vezes, perguntam-me se tenho saudades da escola e nem sei bem o que responder e começo por dizer que não sinto falta nenhuma  das crescentes burocracias, mas, sim, às vezes sinto falta dos alunos na sala de aula, da aberta alegria das visitas de estudo, do entusiasmo de alguns projetos, da ajuda competente nas novas tecnologias, do olá dentro e fora da escola, etc

Se fosse agora, tentava fazer melhor em muitas coisas. Se conseguisse, muito bem; se não pudesse, viesse, pelo menos, a confiante serenidade de dizer: 'Hoje é o primeiro dia...'


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Quem não se lembra dos primeiros dias de aulas?

 

 

Enviado pelo Clube das histórias

Desculpem, mas setembro chegou.

 

Bom dia!

Há muito tempo que não abro esta minha janela, embora os dias fossem correndo com bastante normalidade.

Também não tenho aberto os outros blogues onde encontro sempre coisas de que gosto.

Não é que vos tenha feito falta, com certeza, nem nada parou por causa da minha ausência aqui e durante este tempo. Seja como for, para mim, é muito importante sentir este ar fresco e bom que me vem de saber que vou ao encontro de pessoas amigas, embora nunca nos tenhamos sentado à mesma mesa.

Agora que setembro chegou, que as regas e afazeres familiares abrandaram um bocadinho, espero ser mais assídua.

Que o setembro traga para todos algum descanso, que as notícias sejam menos tenebrosas, que as crises climáticas não matem pessoas e natureza, que o calor humano cresça em vez das temperaturas, etc.

Ah, e tenho um propósito: caminhar um pouco todos os dias para conservar a saúde. Vou procurar cumprir.

Assim se cumpram outras e muito mais importantes prioridades do nosso país.

Um abraço.

 

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Agosto, serás assim tão querido?


O  mês de agosto está quase no fim.

Enquanto rego o jardim e o quintal - com água do poço que, felizmente, continua a brotar, apesar do calor, - vêm-me algumas ideias para aqui partilhar ou então para arranjar algumas plantas e tornar o recanto mais bonito, etc. 

Porém, o meu computador - talvez de tão carregadinho e cansado - pifou ou amuou ou desmaiou, não sei,  porque não me obedece e não dá sinal de si. Como são férias para muita gente e está muito calor, ainda não fui à loja própria.

Podia usar o telemóvel para blogar, mas nunca o tinha feito. Procurei ajuda e estou a fazê-lo agora, ainda que com algumas dificuldades. Logo, o azar ficou mais pequenino.

Mas como dizem que um azar - seja ele grande ou pequeno - nunca vem só, esta semana fui ao supermercado e da lista constava couve-flor. Chegada ao local, peguei num exemplar que, tal como os outros exemplares, tinha bastantes folhas velhas à volta da dita flor. Que fiz eu? Toca a tirar algumas que desfeiavam  o exemplar. Mal eu sabia que, pelo meu ato  considerado nada exemplar, iria ouvir um raspanete da funcionária que ajeitava os legumes.

Uns dias depois, fui a uma missa pelo aniversário de nascimento da minha mãe. Na igreja, e na mesma fila, fiquei com alguns familiares. De vez em quando, trocávamos palavras de circunstância, embora em voz baixa.

No final da cerimónia, já fora da igreja, enquanto, juntos, conversávamos, veio uma pessoa chamar-nos a atenção porque tínhamos falado bastante durante a missa e, voltando-se para mim, disse que eu havia sido a pior. 

Como não contava com o raspanete ali e naquele momento, a minha reação ficou-se por uma cara de muito poucos amigos, disseram-me depois.

Confesso que não gostei nada desses momentos, embora reconheça que não se deve falar na missa, nem que seja baixinho, tal como a minha mãe  nos ensinou. Sobre pagar por folhas velhas não me lembro de ter recebido ensinamentos.

Mas, pronto, como já posso escrever sobre estas coisas, ainda que o computador continue avariado, vejo melhor que estes azares são mais que pequeníssimos em relação a outros que já aconteceram no país e no mundo este mês.

E desculpa, agosto, ainda que tragas coisas boas ou engraçadas ou que até dão pra rir; pelo que sinto, vejo, oiço e leio, há palavras que nunca te direi. Sabes quais? ‘Meu querido mês de agosto’!

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Rituais também com melancia e talvez doces

 

Liguei a televisão e, no canal 1, estava a ser transmitida uma missa, porque hoje se celebra a festa católica da Senhora da Saúde. De repente, ocorreram-me alguns hábitos que, menina e moça, muitas vezes vi serem seguidos na família, mas que não cultivei pelos afazeres da vida e, se calhar, por algum desapego a rituais em dias marcados.

Por exemplo, neste dia feriado de 15 de Agosto, os meus pais iam quase sempre à missa aos Carvalhos, Vila Nova de Gaia, onde se festejava a Senhora da Saúde, na capela com o seu nome. O fervor religioso era da minha mãe, o lado de apreciar a festa mais pagã era do meu pai. 

Quando regressavam, traziam sempre uma grande melancia, muito vermelhinha e sumarenta, que saboreávamos deliciados, e talvez doces, mas deles já não me lembro bem. A minha mãe não os dispensaria, aconchegadinhos no habitual cartucho de papel. O plástico ainda não tinha invadido o mundo inteiro. Oxalá este ano  tenha diminuído por lá e em toda a parte. Também pela saúde de todos.

O dia, às vezes, estava muito quente, mas, quando a minha mãe chegava a casa, não falava do calor, mas sobretudo da beleza dos andores e da cerimónia, enquanto o meu pai procurava no jornal - julgo que naquela altura era O Primeiro de Janeiro - o horário de algum jogo de futebol ou da Volta a Portugal em bicicleta.

Embora não seja de seguir muitos rituais, sobretudo com regularidade, acho que estes podem também dar saúde a quem os pratica. Então, por que não?

 

Muita saúde para todos!

 

domingo, 13 de agosto de 2023

Praça da Liberdade

 

Eram duas as tias. No verão, alugavam uma casa na Foz e iam uns dias para a praia. Diziam que o sol e o iodo lhes faziam bem e assim passavam melhor o inverno.

Como não usavam fato de banho, uma delas, a que tinha mais jeito para a costura, fazia, antes das férias, saias mais claras e frescas para si e para a irmã. As blusas eram as que usavam habitualmente, de popeline e de manga curta. As saias eram abaixo do joelho e com umas rachas de lado, que eram cosidas quando o outono começava a dar sinais.

Duas das sobrinhas foram um dia visitá-las. Vão ficar contentes, pensavam. E vão contar coisas engraçadas. É verão e a Foz não é a nossa aldeia. Para além disto, havia o mar que sempre as fascinava e que raramente viam tão perto. 

Saíram de manhã cedo de casa, foram de elétrico até ao Bolhão e apanharam outro elétrico até à Foz. Chegaram, contentes, quando o areal era ainda um pequenino e fresco deserto.

Como sabiam que as tias tinham o seu ritmo e não gostavam de surpresas nem correrias, as sobrinhas esperaram por elas no murinho próximo entre a rua e a praia. Nesses entretantos, viram muitas mulheres a tomar banho em combinação, sob o olhar cuidador do velho banheiro, agarradas a uma longa e grossa corda para aguentarem as ondas contra o corpo que não queriam destapar, mas cujos relevos a água acentuava.

Como as tias diziam que o ar do mar abre o apetite e para não dar despesa, as sobrinhas compraram pão fresco e bananas, que foram saboreando sentadas no murinho enquanto esperavam. O tempo não era de avisos prévios como é atualmente, porque nem toda a gente tinha telefone e do telemóvel nem sequer se falava.

Em breve, as tias apareceram, mas o encontro não foi efusivo como as sobrinhas esperavam, com alguma indiferença até. Como se não lhes agradasse a certa alteração dos seus rituais. Ainda assim, perguntaram se as sobrinhas queriam almoçar. Uma delas subiu de novo à casinha alugada para avisar a senhoria, que também fazia as refeições, para pôr mais dois pratos na mesa.

Sem mais delongas, desceram todas à praia e dirigiram-se à barraca de riscas azuis. As tias sentaram-se nas cadeirinhas pequenas também pintadas de azul e as sobrinhas na manta que ficava de noite num saco, com muitos outros sacos, à guarda do banheiro.

Entre palavras curtas, uma das tias tirou de uma cesta uma toalha de linho que andava a bordar, a outra começou a alinhavar umas peças de roupa e nem olharam quando se ouvia, bem próximo, o pregão: Olha a língua da sogra!

Depois do almoço, as tias foram descansar um pouco e as sobrinhas vieram cá para fora olhar mais longamente o mar. Falavam baixinho para não perturbar a sesta no quarto que era logo ali. 

Mais brando o calor, voltaram todas à praia até uma das tias dizer que estava cansada, dobrando o trabalho que tinha entre mãos. Levantaram-se, penduraram as cadeirinhas nos cabides das barracas, saíram da praia devagar sem grandes mimos nem conversas. E para mais as pernas e as costas já doíam e o jantar já devia estar quase pronto.

A frase mais comprida que as sobrinhas então ouviram foi: quando quiserem, apareçam.

Depois da despedida um tanto apressada, porque as tias sempre gostavam de comer cedo e à hora certa, as sobrinhas regressaram, não sem antes comprarem pão que comeram com as bananas sobrantes, já um pouco moles. 

Já na paragem, sorriram quando, ao longe, viram aparecer o elétrico onde à frente se lia: Praça da Liberdade.

 

sábado, 12 de agosto de 2023

A praia

 

A família chegou e montou a tenda de campismo, que sempre usava nos domingos de verão passados na mata junto à ria. 

Naquele tempo - em que o avô ia de fato, gravata e chapéu - não se ouvia falar de grandes incêndios.

Também não faziam fogueiras porque levavam comida para todo o dia. E nunca faltava a panela de pressão sempre cheia. Nem sei se o feijão era acompanhamento ou o prato principal.

Depois de almoço, dava quebreira que a sombra das árvores altas refrescava, mas não abrandava. E quase ninguém resistia a uma sesta. Aqui e ali um ressonar. Não ficava cadeira vazia, sobretudo as de encosto.

Uma adolescente - a mais jovem da família - ia pela primeira vez acompanhada pelo namorado.

Sentados lado a lado, olhavam à sua volta. Eram os únicos não tomados pelo sono. Podiam ir passear pela estrada fora, mas o calor era muito. Podiam atravessar a rua e estender-se na curta areia da ria, mas estaria muito quente e não poderiam tomar banho.

- E se fôssemos à praia? Há passagem aqui ao lado.

- É difícil. Há muitos arbustos que picam, outros arranham de tão secos.

- Vamos tentar. Somos magros e resistentes.

- A praia é grande, bonita e não há quase ninguém.

- Pode ser perigoso. Não é vigiada.

- Estaremos sós como numa ilha deserta. Valemo-nos um ao outro.

Olharam de novo a família. Toda a gente dormia. Apenas o pai se mexia por causa de uma mosca que lhe passeava no rosto.

Com ternura e força, deram a mão e entraram nos arbustos densos que os separavam da praia de areia larga, clara e limpa.

Aonde entraram maravilhados, sem pressas nem tormentos. E onde se deitaram ouvindo só o som do mar. E os sentidos que a livre maresia atiçava.

Quando regressaram ao 'acampamento' já todos estavam acordados e alguns jogavam à bola. A mãe, preocupada, olhava em todas as direções.

Duas cadeiras, bem juntas, estavam vazias. Sentaram-se e, passados apenas alguns instantes, adormeceram.

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Na esplanada

 

Éramos três. Amigas de longuíssima data. Sentadas numa esplanada em frente a uma estação de comboios, um lugar sempre mágico pelas partidas e chegadas. Pelos sonhos e realidades. Pelo ruído das malas que guardam ou guardaram momentos embelezados pelo prazer e esperança.

Com um café sobre a mesa, e, apesar de não haver cerejas, a conversa foi como elas. Maduras ou não. E longa.

E tomou o caminho dos amores da adolescência. A aproximação aconchegada no lugar na camioneta de e para o Porto. E o tocar tímido da mão rua fora. E o pedido de namoro. E o encontro sem dizer nada à mãe. E as palavras que aqueciam ou arrefeciam o momento. Tanta coisa.

Fomos ficando, recordando, rindo. O sol já esquentava, indiferente ao calor juvenil de histórias antigas.

Quando nos despedimos, desejámos boas férias, não sem antes combinarmos outro encontro noutra esplanada aberta ao sol de verão.

Não sei que temas virão à baila, mas assim tem mais piada, como tiveram hoje recordações juvenis que deram um calor risonho a uma manhã bonita de verão.

 

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Ó dona!

 

A minha irmã chamava-se Leonor e muitas vezes sou confundida com ela, o que será natural, porque tínhamos idades muito aproximadas e muitas semelhanças físicas. O mais estranho é que às vezes me chamam Leonor, mesmo pessoas que não a conheceram.

Há umas semanas, chamaram-me dona Manuela, depois compreendi porquê: há outra pessoa na família com esse nome. Para dona Olga, como também me chamaram há dias, é que não encontrei explicação. Achei graça e passei à frente. 

Já dona Dores, como acontece com frequência, aproxima-se mais e leva-me até a sorrir e a brincar com o nome que os meus pais e talvez padrinhos preferiram pôr-me traduzido e que, quando eu era menina e moça, de cabelo forte e preto e brincos de argolas, levava a que me perguntassem se eu era espanhola.

Ora, a confusão de nomes não me faz confusão. Às vezes é até divertido e não me faz perder a identidade. Do que não gosto mesmo nada é quando me chamam ó dona, como é hábito de algumas pessoas. Uma vez, um ex-vizinho dirigiu-se-me ó dona, a propósito de um assunto qualquer que tinha a ver com o quintal. Eu respondi-lhe, pondo a palavra no masculino e ele levou a mal!!!

Pronto, nesta tarde em que o meu computador marca 26 graus, mas no Sul e noutros países marcaria bem mais, lembrei-me deste fait divers, mas as altas temperaturas não o são, marcando que, afinal, somos donas e donos de muito pouco. E isso é um assunto cada vez mais sério.

 

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Jornada de juventude

 

Na minha infância, a minha mãe pertencia à Lac - Liga agrária católica - e muito cedo nos inscreveu, a mim e à minha irmã, na Pré-Jac e, depois, na Jac - juventude agrária católica (É curioso que ao meu irmão a minha mãe nunca filiou)! 

Tínhamos reuniões mensais no Salão Paroquial, ao domingo antes da missa e às vezes à tarde, dinamizadas pela presidente, que era eleita democraticamente por todas nós. A que mais me ficou na memória foi uma rapariga das poucas que seguiram os estudos e que era muito alegre e empenhada.

Teve a coragem de se opor às ideias de um padre, que considerava retrógrado. Parte do grupo seguiu-a, outra parte não e o 'cisma' motivou algumas desistências, como foi o meu caso. Não me recordo do que a levou a estar contra o padre, mas tenho pena de não ter tido a mesma coragem. A minha desistência, se calhar, foi o caminho mais fácil, mas foi o que aconteceu. É a vida. Faltavam ainda muitos anos para se ouvir o Papa repetir: 'Não tenhas medo! Não tenhas medo!'.

Recordo-me de outra presidente, uma rapariga muito convicta e muito doce e que hoje continua a ser uma mulher que muito admiro. Recordo-me de, numa atividade, ter sugerido que vendássemos os olhos por uns instantes para sentirmos o que é não ver. 

A vida foi-lhe muito dura, roubando-lhe os seres que ela, naturalmente, mais amava, mas continua com o seu sorriso bonito, generoso e brando. E a interessar-se pelos outros. Há tempos, ouvi-a dizer que, pelo menos ao fim de semana ia tomar café onde sabia que encontrava pessoas conhecidas. Um dia, ouviu que o café de casa era bem melhor e ela logo respondeu: é bom o café tomado, mas é melhor quando é falado.

No tempo em que eu pertencia à ação católica, fazíamos reflexões interessantes, como, por exemplo, sobre problemas do mundo, ainda que geograficamente distantes, já numa perspetiva global e solidária. Hoje, nem sei se existem a Jac, a Jec, a Joc, a Juc... Atualmente, tais divisões - de género, de ocupação, etc. - não fazem qualquer sentido. Felizmente.

De outras presidentes não me recordo. Não devem ter feito nada de relevante, no meu entender, ou então, eu não estava devidamente atenta.

Tudo isto me veio à cabeça quando, perto do mar, ia acompanhando, de vez em quando, aquele alegre mar de jovens na JMJ. 

Voltando à filiação na Jac, na minha juventude, não dou por perdido esse tempo e algumas coisas me ficaram. 

Ah, também havia festas anuais com teatro, danças, etc. Dessas não me ficaram as recordações que eu desejaria. Os irmãos - rapazes - tinham liberdade maior. Isso, é claro, também me ficou.

 

quarta-feira, 26 de julho de 2023

A avó que queria parar o tempo

 

Raramente abria os álbuns, em papel de fotografia, que, durante anos, foi organizando. Com datas, legendas e tudo.

Não o fazia porque lhe faz impressão a velocidade da passagem do tempo. E as diferenças a que ninguém escapa. 

Olha, tão jovem. E magra. E bonita até. E o cabelo tão forte e lindo. E todos vivos. E alegres.

Com o digital, as fotos foram ficando no telemóvel. Ia apagando algumas, de outras gostava muito e guardava-as. No momento, olhava-as e voltava a olhá-las. Dos netos sobretudo.

Passados uns meses, já havia diferenças. Hoje eram bebés, no dia seguinte brincavam ou corriam.

Hoje as carinhas eram redondinhas, umas maçãzinhas. Pouco tempo depois, maçãzinhas adelgaçadas porque mais crescidas.

E as fotos guardadas iam-lhe aparecendo com frequência, mesmo sem as procurar.

O tempo, avassalador, não dava tréguas. Era bom ver os netos a crescer, lindos e saudáveis - uma bênção -  mas assustava de tão veloz.

Não queria que o tempo parasse, mas, por magia ou fosse lá pelo que fosse, gostava que abrandasse de vez em quando, que sossegasse.

Sabia que exagerava na sua pretensão de querer parar o tempo por um tempo, o que não reduzia, porém, essa vontade.

Sobretudo quando lhe apareciam fotos com tantas diferenças, apesar de o tempo entre elas ser escasso.

Sabia que quase nada dominava e, em absoluto, o tempo, tal como toda a gente.

Mas, mesmo assim, era uma avó que gostava, de vez em quando, de parar o tempo. O seu, esse, podia continuar assim.

 

sexta-feira, 21 de julho de 2023

O valor da Educação. Deles e de toda a gente.

 

Já tenho dito várias vezes aqui que gosto de ouvir podcasts, sempre que posso. É um modo de conhecer melhor pessoas e temas, contactar com diferentes visões do mundo e formar melhor a opinião.

Recentemente, ouvi dois episódios do podcast 'Geração 70', dinamizado por Bernardo Ferrão, jornalista da SIC, nascido nos anos setenta, tal como os seus convidados.
Nos  dois episódios que ouvi, foram entrevistados Marisa Matias, do BE, e Henrique Raposo, colunista do Expresso.
Apesar de naturais diferenças, como as ideológicas, houve pelo menos um traço de união: ambos nasceram e viveram na pobreza durante a infância e ambos tiveram pais que os estimularam a prosseguir estudos.
Embora cada uma das duas famílias vivesse com muito poucos recursos, ela numa pequena aldeia de Coimbra; ele num bairro operário da grande Lisboa, querer que os filhos tivessem um futuro melhor foi projeto de que os pais nunca desistiram, apesar das dificuldades financeiras.
Embora não tivessem estudado, os pais dos dois entrevistados sabiam do valor primordial da Educação na vida humana e não abriram mão desse direito para os seus filhos.
Assim, não se limitaram a querer que colaborassem na sobrevivência da família, mas  apostaram na capacidade dos filhos para singrar na vida pela  Educação e estudos.
Achei fantásticas as narrativas, com verdade e sem rodeios. 
Os dois entrevistados poderão ter sido atingidos por um golpe de sorte, mas o mérito de serem figuras conhecidas pelo seu trabalho intelectual e  útil à comunidade/humanidade reafirma o poder da Educação. 
Excelente recompensa também para os pais pela obra humana que ajudaram a construir. Tantas vezes com sacrifícios mas sempre com atenção e amor.