segunda-feira, 9 de maio de 2016

No metro de Londres

Olhar 1
O varão e o telemóvel
Uma adolescente entra no metro com a mãe. A mesma cor de cabelo e de pele. Na carruagem, há poucos passageiros. Ambas são altas. A mãe entra a escrever no telemóvel. As portas fecham-se. É anunciada a próxima estação e a mãe continua a escrever, sem levantar os olhos do pequeno ecrã.
A miúda, já mais alta do que a mãe, rodopia em torno  do varão de segurança. O metro rasga ruidosamente a escuridão dos túneis. A adolescente, de braço comprido e esticado, continua a rodopiar. A mãe mantém-se fixada no telemóvel. 
Passadas duas estações, a adolescente sai com a mãe. É quando o olhar das duas salta do varão e do telemóvel para, durante escassos segundos, em silêncio se encontrar.

Olhar 2
Um sorriso na carruagem
 O domingo em Londres estava quente. Quentíssimo. As peles mais claras entravam no metro já manchadas pelo sol. Pernas e braços despiam-se ao ar livre de um claro e quente domingo. Uma jovem mãe entrou com o seu bebé de pezinhos rechonchudos e descalços. Um rapaz subiu com a bicicleta e o rosto suadamente corado. Um par de namorados, junto à porta, colava os corpos e as bocas quentes. Dois jovens negros riam-se e gesticulavam segurando um telemóvel ligado.
Foi quando entrou uma mulher pequenina e magra, com ar oriental. Tinha o cabelo negro e escorrido, uns morenos olhos pequeninos e um sorriso desenhado nos lábios sempre que alguém a olhava. Não era nada nova, mas a presença parecia tão serena que dava frescura à carruagem. E ocupava apenas um pequenino espaço!
 


sábado, 7 de maio de 2016

"Mil beijos para a minha mãe"

Através de uma amiga, chegou-me este poema. 
Logo perguntei: posso publicá-lo no meu blogue?
Ela disse que sim. Obrigada.

Parabéns, Ana, continua a escrever, a desenhar, a pintar...
e a celebrar todas as felizes "Nascentes".
Um beijinho



 Dentro de mim o Tempo

Vulto abstracto, no absurdo do puro acaso, numa alegoria de aventureiro, carrega em si composições de luz e sombra, encerra as vozes do começo e do fim.

Como num contratempo, corado, debruça-se sobre o desalinho e discreto funde memórias, garantias da alma gravadas num horizonte de idealista.

Ilustra e ilumina com imperturbável serenidade o inabitado sentimento do instante e interpreta a interminável longa-metragem em que a lucidez o mergulhou.

Metáfora de um mestre-de-cerimónias que meticulosamente e num só movimento, mudo de mudança, com naturalidade e nervosismo nomeia a nuvem que passa como obra-prima da opressão.

Paralisado, abre os parênteses do particular e parte.

Parto, passagem para o outro lado… pássaro passional no pedestal de pedinte pelado e pedreiro. Peixe-vermelho, peregrino.

Personagem que pertence e perturba, planeta plural, polpa de porco-espinho porventura Português.

Pouco povo no prato. Precioso predador da presa que prevalece na previsível Primavera. No princípio, como principiante, priva-se de pressões. Procissões ou projecções de prolíferos progressos.

Os pronomes - propósitos de prosperidade – purificam a verdade. Quarentena de quebra-mar e solidão, queda quente no quotidiano.

Rapsódia rápida, rasga o real, receosa da recepção. Reciclável e recomendado reencontro, refinado reflexo do refugiado, que no seu reinado, reivindica o relâmpago e a relíquia.

Num repertório resfriado e repetido, retalha o reumatismo revoltado e roda…

Roda, romântico e rosé, saber e sabão. Sofre secreto e segredo de sentido – sentidos de sequência.

Silhueta simpática e singular, desenvolve sintomas sinónimos de dor.

Na soleira a solução, soltar o solúvel, a soma do sonhador que na sua soneca sopra suavidades do subconsciente.

Supérfluos superlativos de supermercado surgem em súplicas suspeitas de teimosia. Temporadas de tendas que no tempo tenso tenta. Teoria ou terapia de termas que no seu termo terno, abraçam o terreno típico e a tiracolo tocam no absoluto. Tradição ou tragédia, no trampolim, transtornos trocados, trombones e trompetes de trovoada, túnica de ultramar.

Numa ultrapassagem, a unidade, universalidade útil da vaidade. Num vaivém, valente, na vanguarda da vela e do verbo.

Verdadeiro verde, verosímil… verso com cem mil versões, vértebra do vira-lata, vistoso vocalista da vontade e do voo.

Vulto vulnerável e vulgar, a zumbir, lembra – dentro do possível – e num desfecho desesperado, as suas memórias descuidadas e a descolar.

Completo o quadro complexo, chora e exalta - como cigarra – a origem da sua ousadia. Atlântico como o Oceano, celebra a sua nascente.

Mil beijos para a minha mãe… Ana Loureiro

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Recebi um mail, em dia de chuva, que também falava de Poesia!

Há minutos, recebi um mail com dois assuntos: 
um teste do 12º ano e Poesia.
Quem o escreveu sugeria dois versos de José Gomes Ferreira:
 "Chove...
Mas isso que importa!"
Bela sugestão! Obrigada, Dulce!

CHOVE!
Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

José Gomes Ferreira

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Belas sugestões do Expresso Curto de hoje

Buika "El último trago"
"

domingo, 1 de maio de 2016

Por ser Dia da Mãe

Pablo Picasso - mother and child


Hoje, felizmente, já dei os parabéns à minha mãe e recebi os parabéns das minhas filhas. São momentos bons e de meigas aproximações, apesar de, também felizmente, não ocorrerem apenas na comemoração dos Dias.
As celebrações são, porém, como a necessária água que se põe nas plantas e que, ao colocá-la, se olham melhor as folhas e as cores.
Nos nossos dias, o contacto nem sempre é em presença, porque a mobilidade é um facto e o trabalho tem de ser realizado, apesar das festividades do calendário.
 O recurso ao skype é magnífico e, de facto, ajuda a encurtar as distâncias geográficas. Por isso, e logo pela manhã, fui presenteada pela mensagem de uma das minhas filhas, via skype. Vieram os parabéns, os soninhos e as comidinhas e os dentinhos e os alegres sorrisos da bebé, as notícias familiares, o tempo que faz cá e lá...
... e não dei os parabéns à minha filha. E tão carinhosa ela é com a bebé! Claro que também a olhei nos olhos daquele rosto tão bonito ainda de menina, mas, se calhar, a maior parte do tempo do nosso diálogo foi dedicado à minha neta!
Quantas vezes existem destes esquecimentos, embora o amor seja imenso!
E lembrei-me de todas as jovens que emigram e que são mães nos países de acolhimento. Longe das famílias, de amigos, de mimos da casa materna....
São como plantas que saem de um vaso aconchegado e que conseguem continuar a florir, apesar de a terra ser diferente.
Hoje estão de parabéns, porque, para além da sua profissão, essas mães seguram carinhosamente as crianças ao colo, preocupam-se com elas, brincam com elas, riem com elas. Tudo fazem todos os dias. E hoje também nada fica por fazer, apesar de ser Dia da Mãe!
Como planta que cresce naturalmente, sem cobrar qualquer lembrança!!

Poema à Mãe

Van Gogh

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
          Era uma vez uma princesa
          no meio de um laranjal...


Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"

sábado, 30 de abril de 2016

Que sorte haver músicas e letras amigas assim!


Obrigada, IAzinha, por teres partilhado este vídeo no teu assíduo Postal de fim de semana.
Já tinha ouvido esta música na rádio e logo me cativou porque, para além da voz e da música, plantam-se palavras como casa, horta, flores, livros, discos...

E deixo uma sugestão: vejam o blogue Bem-Vindo ao Paraíso https://isauraafonseca.wordpress.com/ Para além deste belo lugar campestre, outros luminosos espaços encontrarão.
 E, felizmente, também haverá Sol!

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Um texto a partir de uma imagem





Renoir


 Este texto resultou de um workshop de Escrita Criativa
que a Oficina de Língua da ESG, Clube de que faço parte,
dinamizou ontem para professores do Agrupamento AEG1 de Gondomar.
Nós, as dinamizadoras, também apresentámos uma proposta de texto para diferentes imagens.
Este foi o meu olhar sobre a situação sugerida num quadro de Renoir.
E gostei particularmente destas três horas, ao fim da tarde, em que as palavras 
iam sorrindo quando ditas ou escritas em folhas A4,
cuja brancura deu lugar ao início de uma narrativa, 
a uma página de diário, a um texto de reflexão...
Uma professora disse no final da sessão:
"Oh, gostava de ficar mais tempo a escrever para continuar o meu conto!.
Felizmente há fins de tarde que se escrevem assim!
 
Um barquinho de papel
É fácil recordar-me. Existem objetos e momentos que nos plantam na memória situações vividas.
A manhã estava calma, clara e azul. O mundo parecia limpo e organizado. As pessoas passeavam devagar numa repousada manhã de domingo. Horrores ruidosos do terrorismo, gananciosos crimes de corrupção, gigantescos desastres ambientais, inúmeros migrantes em desespero, multidões de desempregados, caladas e doridas solidões... pareciam injustiças já ultrapassadas.
Na esplanada do pequeno museu, eu escutava vozes de crianças acompanhadas e felizes; via as árvores do parque que espargiam incontáveis perfumes, abria o folheto da exposição de pintura impressionista e saboreava todas as cores e sensações a que tinha acesso.
Tudo decorria como numa bela pintura. As altas árvores eram pessoas serenas que protegiam a harmonia do lugar. Os ramos, como cabelos esvoaçantes na brisa tranquila, semeavam na relva múltiplos verdes. Os montes à volta abraçavam o lugar,  emoldurando-o.
 Ao fundo, havia baloiços onde as crianças se divertiam e se alegravam pelos sorrisos dos pais.
Bem mais perto, estendia-se um lago onde um pequeno barco à vela deslizava com tempo e com espaço. Num plano ainda mais próximo, duas jovens remavam descontraidamente, mas eu mal lhes via os rostos; apenas os laços dos chapéus e os claros vestidos, cuja imagem dançava na limpidez da água.
Não, não era sonho, nem ilusão de ótica. Tudo era verdadeiro, apresentando-se nitidamente perante todos os meus sentidos.
Tão real como a explosão medonha que, ao fim da manhã e de repente, se fez ouvir a pouca distância.
Enquanto todos os visitantes do museu fugiam, ainda pude ver os barcos virados no lago que não perdera, estrondosamente, a cor azul.  
Infelizmente, hoje, passado algum tempo, o lago está poluído e nele não flutua sequer um barquinho de papel.