quarta-feira, 27 de abril de 2016

Um texto a partir de uma imagem





Renoir


 Este texto resultou de um workshop de Escrita Criativa
que a Oficina de Língua da ESG, Clube de que faço parte,
dinamizou ontem para professores do Agrupamento AEG1 de Gondomar.
Nós, as dinamizadoras, também apresentámos uma proposta de texto para diferentes imagens.
Este foi o meu olhar sobre a situação sugerida num quadro de Renoir.
E gostei particularmente destas três horas, ao fim da tarde, em que as palavras 
iam sorrindo quando ditas ou escritas em folhas A4,
cuja brancura deu lugar ao início de uma narrativa, 
a uma página de diário, a um texto de reflexão...
Uma professora disse no final da sessão:
"Oh, gostava de ficar mais tempo a escrever para continuar o meu conto!.
Felizmente há fins de tarde que se escrevem assim!
 
Um barquinho de papel
É fácil recordar-me. Existem objetos e momentos que nos plantam na memória situações vividas.
A manhã estava calma, clara e azul. O mundo parecia limpo e organizado. As pessoas passeavam devagar numa repousada manhã de domingo. Horrores ruidosos do terrorismo, gananciosos crimes de corrupção, gigantescos desastres ambientais, inúmeros migrantes em desespero, multidões de desempregados, caladas e doridas solidões... pareciam injustiças já ultrapassadas.
Na esplanada do pequeno museu, eu escutava vozes de crianças acompanhadas e felizes; via as árvores do parque que espargiam incontáveis perfumes, abria o folheto da exposição de pintura impressionista e saboreava todas as cores e sensações a que tinha acesso.
Tudo decorria como numa bela pintura. As altas árvores eram pessoas serenas que protegiam a harmonia do lugar. Os ramos, como cabelos esvoaçantes na brisa tranquila, semeavam na relva múltiplos verdes. Os montes à volta abraçavam o lugar,  emoldurando-o.
 Ao fundo, havia baloiços onde as crianças se divertiam e se alegravam pelos sorrisos dos pais.
Bem mais perto, estendia-se um lago onde um pequeno barco à vela deslizava com tempo e com espaço. Num plano ainda mais próximo, duas jovens remavam descontraidamente, mas eu mal lhes via os rostos; apenas os laços dos chapéus e os claros vestidos, cuja imagem dançava na limpidez da água.
Não, não era sonho, nem ilusão de ótica. Tudo era verdadeiro, apresentando-se nitidamente perante todos os meus sentidos.
Tão real como a explosão medonha que, ao fim da manhã e de repente, se fez ouvir a pouca distância.
Enquanto todos os visitantes do museu fugiam, ainda pude ver os barcos virados no lago que não perdera, estrondosamente, a cor azul.  
Infelizmente, hoje, passado algum tempo, o lago está poluído e nele não flutua sequer um barquinho de papel.

Sem comentários:

Enviar um comentário