sexta-feira, 20 de novembro de 2015

"Daqui a bocado é noite"

Picasso
Quando eu era menina, ouvia a minha mãe dizer com frequência: "Vamos lá que daqui a bocado é noite". Como na infância e juventude o tempo passa a  uma velocidade mais lenta e saboreada, eu não entendia muito bem a mensagem tantas vezes seriamente repetida. Como era possível cair a noite quando a luz do dia se abria ainda tão alta e clara? 
Depois, a idade foi amadurecendo. Vieram as crianças, o trabalho, os afazeres vários, os sonhos, os desejos, alguns projetos. E, na correria dos dias, compreendia melhor a mensagem antiga de minha mãe: "Daqui a bocado é noite".
E as crianças iam viajando na idade que sempre amadurece. Também elas com trabalho (felizmente!), com afazeres vários, com sonhos, com desejos, com projetos...  Só que não oiço dizer "daqui a bocado é noite". 
O ritmo e o aproveitamento dos dias alargou-se. Mau era se assim não fosse. Aqui no norte de Portugal, pelas seis horas, do tempo a que chamamos tarde, já é noite. Em Londres, pelas quatro da tarde, já o céu escurece. E o sol esteja ou não escondido, há muita coisa ainda a fazer. No meu caso, trabalhos para corrigir, aulas para preparar, relatórios a fazer, (tantos) prazos apertados a cumprir, mails para ver... E ainda (felizmente!) alguns sonhos, alguns desejos de caminhar por outros pequenos que também alimentam a alma dos dias.
Enquanto a vida vai passando a uma grande velocidade.
E quando nos damos conta, vemos que "Daqui a bocado é noite".

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

domingo, 15 de novembro de 2015

"Liberté" Paul Eluard

"J'écris ton nom"


Delacroix
Liberté
Sur mes cahiers d’écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable sur la neige
J’écris ton nom

Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J’écris ton nom

Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J’écris ton nom

Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l’écho de mon enfance
J’écris ton nom

Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J’écris ton nom

Sur tous mes chiffons d’azur
Sur l’étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J’écris ton nom

Sur les champs sur l’horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J’écris ton nom

Sur chaque bouffée d’aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J’écris ton nom

Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l’orage
Sur la pluie épaisse et fade
J’écris ton nom

Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J’écris ton nom

Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J’écris ton nom

Sur la lampe qui s’allume
Sur la lampe qui s’éteint
Sur mes maisons réunies
J’écris ton nom

Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J’écris ton nom

Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J’écris ton nom

Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J’écris ton nom

Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J’écris ton nom

Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attentives
Bien au-dessus du silence
J’écris ton nom

Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J’écris ton nom

Sur l’absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J’écris ton nom

Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l’espoir sans souvenir
J’écris ton nom

Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer
Liberté.

Paul Eluard


Sob os céus das cidades

São belas as cidades com muita gente a povoá-las em liberdade.
Por que se transformam em lugares de terror? De medo? 
Sob os céus das cidades há amores, amizades, natural cumprimento de obrigações, busca legítima de prazeres...
Atualmente, são cada vez mais belas as cidades. Como o Porto, Lisboa, Paris, Londres...
E as cidades ficam ainda mais belas com flores. Que se tornam dolorosas quando se reúnem para homenagear os mortos em lugares improváveis, onde, de pleno direito, procuravam vida.
Sob os céus das cidades há muita luz, mas demasiada sombra. Céus limpos, mas com pesadas nuvens iminentes. 
Ecoam belas vozes e gargalhadas que, daí a instantes, se transformam em gritos de fuga arrastada até ao abismo.
E pareciam tão belas as cidades.

Tantos mistérios sob os céus das cidades!



quinta-feira, 12 de novembro de 2015

"Não fala política"???

sábado, 7 de novembro de 2015

Uma visita de estudo "normal"


Desde que vi o filme "Para-me de repente o pensamento" (de 2014) do realizador Jorge Pelicano (nascido em 1977), fiquei com mais curiosidade de visitar o Centro Hospitalar Conde Ferreira (criado em 1883), no Porto. 
Diálogos como o do Sr Abreu, sobre a vida quotidiana, com um colega, passeando sob as árvores do vasto jardim,  são inesquecíveis.
Ontem, felizmente, surgiu uma oportunidade. Acompanhei, numa visita de estudo, duas colegas, professoras de Psicologia, e duas turmas do 12º ano.
E todos pudemos ver que o trabalho que se desenvolve na Instituição revela muita dedicação, muito profissionalismo, muito amor pelos outros, muita vontade de ajudar quem precisa de tratamento mental e que, pelas mais variadas razões, perdeu a maravilha que é viver com autonomia.
 Confirmámos, na prática, que, lá, os doentes  não são vistos como "alienados", como antigamente se escrevia e dizia, mas como pessoas, com direitos e deveres, que necessitam dos cuidados adequados. E tudo feito  com a habitual e tão conhecida escassez de verbas.
Dos 320 doentes lá internados, apenas duas dezenas têm visitas. Os outros, logo a grande maioria, não falam com a família nem amigos há muito tempo. Porque estão longe, porque comunicam de maneira diferente, porque não há tempo, porque não vale a pena, porque a vida é difícil para todos, porque também há muitas solidões a percorrer, porque... porque
 
Para além do internamento, o hospital funciona como Centro de Dia e acolhe pessoas que padecem, por exemplo, da doença de  Parkinson. 
Ao longo da visita guiada, ficámos a saber que na Instituição, ligada à Misericórdia, trabalharam grandes nomes da Medicina, como Egas Moniz, Prémio Nobel, nomeadamente na execução de perícias.
E lá estiveram internadas pessoas como um filho do escritor Camilo Castelo Branco, o poeta Ângelo de Lima (que escreveu na revista modernista Orpheu, coordenada por Fernando Pessoa).
E ouvimos histórias, que, atualmente, achamos improváveis, como a de uma senhora do Porto, casada e muito rica, que se apaixonou pelo motorista. Foi-lhe feita uma perícia, a pedido do marido, sendo-lhe diagnosticada uma estranha "loucura lúcida", pelo que foi internada quase até ao final da sua vida, vendo ser-lhe retirada toda a fortuna. 
E muitas outras pessoas, ditas anónimas, das quais ficaram retratos que são conservados. Como são os instrumentos antigos, os livros da bela Biblioteca, isto é, todas as memórias de uma Instituição que estima o seu Património - humano e material.

Vimos doentes que estavam sentados, sozinhos ou acompanhados; que conversavam ou que pareciam ensimesmados;  que passeavam ou que passavam velozes, pelas alamedas.
Perante um grupo grande de jovens, acompanhados de professoras, alguns aproximavam-se. E sorriam. E piscavam um olho. E diziam que as raparigas eram bonitas. E elas respondiam também com um sorriso, porque todos sabiam que deviam comunicar de forma normal com quem não é considerado assim. Felizmente, todos os alunos eram inteligentes, educados e simpáticos.



E todos buscam a luz de que todos precisamos. Não "nós" e "eles", mas "NÓS", como foi recorrentemente referido ao longo da visita.
Na Oficina de Lavores, perto do campo onde existem hortas,  uma bela e atenta monitora ensinava a fazer trabalhos manuais. Muitos deles serão expostos no início de dezembro,  numa venda de Natal, aberta ao exterior. Porém, um tapete de arraiolos, disse o bordador, era para oferecer à mãe. "O meu trabalho é uma toalha de chá" - dizia uma senhora, mostrando-a com modesto orgulho. Oh, caiu-me uma malha (era uma tira para uma colcha quentinha de lã) - disse outra senhora, com pena da imperfeição que parecia não querer.

Ah! Na entrada principal, vi também o sr Abreu, um dos principais atores do filme que passou recentemente nas salas de cinema e cuja ação decorre no Hospital. Disse-lhe que estava a reconhecê-lo e que tinha gostado muito de ver o seu trabalho. Abriu um sorriso de prazer e falou do seu gosto e capacidade para a representação. Daí a pouco, iria para o ensaio do grupo de Teatro. Seria num espaço onde os visitantes tinham passado, numa sala com retratos de pessoas que ficaram na história da cidade e do país. Havia cadeiras junto ao palco, ainda vazio.
Perto da sala do Teatro, de uma janela, vimos a capela, que -  disse-nos a nossa anfitriã - tem missa ao sábado às 17 h, aberta a todos, acrescentando que são ótimas as condições acústicas e que os pacientes gostam muito de ver pessoas de "fora".
 E, à saída, depois dos agradecimentos e despedidas, víamos melhor que até as camélias do jardim são todas  diferentes, não deixando nenhuma de ser flor!

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Os 90.000 (e não só) no Expresso Curto

"Recuso-me a alinhar no coro de indignação. Mas não deixa de ser surpreendente a notícia, divulgada pela TVI, de que Ricardo Salgado verá a sua pensão aumentada para o triplo. Passa de 29 mil euros mensais para 90 mil. A decisão da sociedade gestora do fundo de pensões do BES, dirigida por José Almaça, implica retroativos no valor de cerca de um milhão de euros. A medida beneficia ainda outros gestores do BES como José Manuel Espírito Santo e José Maria Ricciardi. A SIC Notícias acrescentou que a caução de Ricardo Salgado, outrora de três milhões de euros, terá sido reduzida para metade. Os pedidos da defesa, em parte aceites pelo juiz Carlos Alexandre, permitem ao antigo líder do BES pagar (só) 1,5 milhões de euros para ficar em liberdade. Rir é o melhor remédio."
 Miguel Cadete 
  

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

90 mil euros por mês?



Acabo der ouvir num telejornal - uma notícia TVI, disse o jornalista - que Ricardo Salgado vai passar a ganhar 90 mil euros por mês.
E agora digo eu: e vai rir-se cada vez mais dos portugueses, achando-os, por certo, uns parolos e uns imbecis porque a grande maioria nem uma parte do que ele vai ganhar num mês é capaz de amealhar durante toda uma vida.
Nem tem amigos como ele, desde presidentes da República, candidatos a Presidentes da República, ministros da República, Conselheiros da República, empresários, jornalistas, dentro e fora da sua família... Tudo gente bem comportada que se cala porque quem se manifesta é arruaceiro e eles são defensores dos bons e brandos costumes.
O nosso país é fraco em relação aos corruptos. Quanto mais refinados são, como Ricardo Salgado, de mais benesses usufruem.
E logo penso: e os jovens, que lição tiram disto tudo?
Pode haver discursos sobre as novas gerações, podem usar-se as mais belas citações, mas o que fica são estes maus exemplos e um país que fala, fala, fala, mas permite estes gritantes desaforos. No dia em que, mais uma vez, os "Lesados do BES" vieram para a rua porque continuam a não ver o seu dinheiro, torna-se público um salário escandaloso, uma vez que premeia um dos homens que muito mal fez ao país.
E o pior é o triste desamparo de milhões de portugueses pela escassez de bons exemplos a nível social e político.
Se eu fosse bem mais nova, emigrava - para não ter de levar com tantos sorrisos cínicos que tanto prejudicam o país e se arvoram em modelos patrióticos, pondo máscara em cima de máscara.
E os jovens? Volto a perguntar. Talvez pelo estado a que chegou o país, nem querem ouvir falar destas coisas, preferindo os jogos de computador.
Eles, tantas vezes desmotivados, continuarão a jogar sozinhos nos seus quartos ou à noite entre colegas; os velhos corruptos, esses continuarão a desenvolver outros jogos de forma cada vez mais hábil, porque aprenderam e ensinaram que assim se podem ganhar facilmente 90 mil euros por mês.