segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Durão é excêntrico

Não parece muito, pois não?  Foi sempre obediente e fiel. Aos mais poderosos do mundo, é claro. Aceitou todos os cortes impostos a milhões de europeus. E aceitou outros não cortes a muitos, por vontade de poucos.
Nunca deve ter jogado no Euromilhões porque, mesmo sem jogar, teria um prémio que faria dele um dos excêntricos da Europa.
Claro que o homem teve de governar uma Europa zangada e em crise económica. Nem duvido que tenha tentado fazer o seu melhor, porque fazia parte do grupo de políticos bons alunos que sorriem muito quando estão entre os que mandam fazer os trabalhos de casa, embora nem sempre os façam.
O facto de ter desertado do país, deixando-o em maus lençóis, ou melhor, de tanga deve-lhe ter tirado o sono, acredito, apesar de quase todos os políticos dizerem sempre que estão de consciência tranquila e que dormem bem.
Pois, o dr Durão Barroso, segundo os jornais de hoje, vai ter na sua conta, mensalmente, muitos milhares de euros. Mesmo que coma cherne todos os dias, a conta continuará a aumentar chorudamente. E de certeza que não haverá BES nenhum que lho tire. E havemos de vê-lo, com ar sério e sentido de estado, como alguns, de peito feito, gostam de dizer, em congressos, em conferências, em programas de televisão… a ensinar como se deve fazer para se viver sem ser excêntrico.
Felizmente não se vai candidatar a presidente da República. Para excêntrico já basta assim.

domingo, 26 de outubro de 2014

Há gostos que não mudam


Há muitos anos que gosto de ouvir Pedro Barroso. Embora não o oiça com muita regularidade, o meu prazer em ouvi-lo mantém-se.
Hoje – que bom o dia durar mais uma hora – pus-me a arrumar CDs que há muito esperavam por vizinhanças menos poeirentas e menos apertadas.
E dei de caras, ou melhor, de mãos com um CD muito velhinho de Pedro Barroso, intitulado longe d’aqui. 
Quis partilhá-lo aqui, mas não consegui.
Vejo que o comprei ainda o euro não nos tinha tocado as mãos dos portugueses. Custou 2300$, a confiar na etiqueta com o preço que o CD ainda conserva.
Quis ouvir as músicas que o disco comunica. Comecei pela primeira: “Prefácio”.
Na minha opinião, também a que partilho agora é uma boa música para começar um domingo com mais uma hora dentro.


sábado, 25 de outubro de 2014

Instantâneos de hoje



A mão-cheia de anos
O menino chegou, pela mão, com a mãe. Os dois vinham risonhos. Pelo caminho, teriam falado da festinha de anos já preparada em casa.
A mãe vinha arranjar o cabelo para ficar mais bonita.
O menino, pelo caminho, se alguém conhecido parava para falar com eles, logo dizia: “Eu hoje faço anos”.
E como o menino sorria ao falar do seu aniversário, os adultos também. Ou vice-versa, não sei.
Quando chegaram ao cabeleireiro, logo o menino ouviu a pergunta, depois de ter imediatamente dito que fazia anos:
- Parabéns. Quantos anos fazes?
O menino, levantando uma das mãos, disse:
- Cinco.
E logo acrescentou:
- Quando tiver outra mão-cheia, faço dez!


Vida ou morte
Duas amigas encontraram-se. Nenhuma delas era nova, mas uma era bem mais nova do que a outra. Há muito que não se encontravam. Haviam ficado amigas na Faculdade. Ambas gostavam de livros.
A amiga mais velha, de saúde bastante debilitada, seguia o caminho apoiada pela mais nova. Esta perguntou-lhe a uma determinada altura:
- Mas continuas a escrever?
E logo a amiga mais velha respondeu:
- Claro, se eu não lesse nem escrevesse, já tinha morrido.


Entusiasmo? Sim, conheço!
Num almoço, duas professoras, perto da idade da reforma, iam conversando sobre a vida na escola.
- Pois, eu podia pedir a reforma, mas o tombo da penalização é muito grande – disse a mais nova.
- Essa hipótese é-me completamente vedada. Terei de trabalhar até aos sessenta e seis anos, porque, aos cinquenta e cinco, faltavam-me dois meses para completar trinta anos de serviço.
- Por apenas dois meses?
- Sim, é o que manda a legislação.
- Apesar de tudo, ainda bem que continuo a ter ideias e a concretizá-las com entusiasmo com os meus alunos – continuou a mais nova.
- Que bom ouvir isso. É que, felizmente, ainda sinto o mesmo, apesar de ser mais velha do que tu.
E falaram da alegria que sentem com os textos que os alunos escrevem para o jornal da escola, para o concurso de contos…
Concluíram, porém, que o mesmo não se passará com os professores que têm turmas difíceis – pelo comportamento dos alunos e dos pais – ou que, no mesmo dia ou na mesma semana, são colocados numa escola e logo retirados  por uma cratinice ou casanovice sem aparente nem clara solução.







sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Junto às castanhas



quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Presente



Abro a janela alta. Entra a luz da tarde. Não forte, porque é outono. Entram os ruídos: dos cães a ladrar, dos carros que passam depressa, das motas que parecem riscar o pavimento, das pessoas que contam o que lhes vai na alma enquanto caminham…
Nas janelas que avisto bate a luz do sol. Algumas estão fechadas. Já não vejo as mulheres que, domésticas, faziam da luz do dia um frenesim de lavagem de roupas, de limpezas gerais das casas, de confeção de comidas donde sobressaía o estrugido bem puxado…
Já não as vejo, porque passam mais tempo sentadas, embora ainda lavem, cozinhem, costurem… A diferença é que falam menos e também falam menos com elas.
Talvez espreitem a vida cá fora pelas janelas semi-fechadas para que não entre demasiado calor. A idade rejeita os excessos, o muito, o demasiado…
Conservo a janela aberta. Vejo os telhados. E nenhum é já de vidro.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Um mar de números



Um sem número de pedras (ai, filha, que areia tão grossa!) debaixo dos pés. Logo a seguir a imensidade de grãos miúdos de areia fina e mais dura, embora macia. Que bom caminhar sobre ela, vendo as ondas por perto e sentindo também tão perto a maresia.
Imensas pedras de todos os tamanhos, cores e feitios (lembro-me de há muitos anos, a minha mãe apanhar algumas para pôr no jardim. Não era politicamente ecológico, mas que era bonito era).
Pedras dispersas pela areia (um ano, de cada longo passeio que dava, trazia uma pedra que ia alinhando no muro do pátio. Depois, comecei a ouvir: mãe, as pedras são da praia, é lá que devem ficar!!).
E como era fim de tarde – deste outubro que tem sido quente – as gaivotas iam pousando, mais descansadas, na areia (e não só para descarnar, com os ávidos bicos, um peixe comprido que deu à praia). E eram muitas as aves e as marcas das patitas no areal seco ou molhado.
Depois, mesmo à nossa frente e rente ao estender das ondas, um bando de pequenos pássaros (mãe, consegues ver? São imensos. Olha, estão a levantar voo!). Sim, conseguia ver, mas não logo logo. Os pássaros eram muitos, mas muito pequenos e o entardecer já ia apagando as luzes naturais e acendendo as elétricas, um pouco mais ao longe.
Fomos caminhando. Os pássaros pareciam pressentir os nossos passos. De repente, em bando, partiram em debandada e em sentido contrário.
Rochedos também muitos – uns mais visíveis do que outros. Diferentes pela maré alta ou pela maré baixa (mãe, por que é que gostamos tanto de Mindelo? Filha, é a nossa praia há tantos anos).
Muitas recordações. Muitos desejos de vir cá mais vezes (mãe, todos os anos, dizes a mesma coisa e depois não cumpres!).
Hoje não vejo a D. Lurdes, sentada num banquinho ou num degrau, de máquina firme e pronta no tripé, a fotografar, em muitos fins de tarde, as cores do sol a esconder-se na linha do horizonte em serenas chamas de mil vermelhos; a captar os voos das gaivotas que quase sempre lhe fogem do zoom, mas que ela, persistente, vai perseguindo com amorosa atenção.
Vejo fechada a esplanada do Fernando que, no verão, se torna mais clara com os copos altos de loira cerveja…
Também o bar da praia está fechado. Felizmente o de Vila Chã estava aberto e a esplanada sentava as pessoas que, mesmo conversando, se viravam de frente para o mar.
E os passadiços de mil tábuas e de léguas de corda verde a ladeá-los e a proteger quem as percorre.
E as dunas – agora mais verdes por toda a chuva caída nos últimos tempos.
É outubro e o fim de tarde é de incontáveis maravilhas. A começar pela maravilha (filha, que bom estar aqui contigo!) de (as) poder contigo contar.

Fim de tarde de outubro junto ao mar