segunda-feira, 19 de maio de 2014

Eu apenas passei para o outro lado do Caminho…







Eu deixo a terra,
levando no coração aqueles que nela mais amei,
e vou esperar no seio bendito e misericordioso de Deus
o feliz momento da nossa reunião eterna.
A morte não é nada.
Eu apenas passei para o outro lado do Caminho.
Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês continuarei a sê-lo. Deem-me o nome que sempre me deram, falem comigo como sempre fizeram. Vocês continuam a viver no mundo das criaturas,
eu vivo agora no mundo do Criador.
Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.
Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim. Que o meu nome seja pronunciado como sempre foi,
sem ênfase de nenhum tipo,
sem nenhum traço de sombra ou tristeza.
A vida significa tudo o que ela sempre significou,
o fio não foi cortado.
Porque estaria eu fora dos vossos pensamentos,
agora que estou apenas fora dos vossos olhos?
Eu não estou longe, estou do outro lado do Caminho.
Vocês que aí ficam, sigam em frente. A vida continua, linda e bela. Como sempre foi.


Santo Agostinho










Obrigada, Professora Rosário, pela mensagem
que me enviou.
As palavras que escreve e/ou que escolhe são sempre 
 inspiradoras pela suavidade e beleza.
Realço também a delicadeza  
das imagens que ilustram os textos.

domingo, 18 de maio de 2014

Rui Castro: Um ilustrador na ESG



Rui Castro esteve, na passada semana, na ESG, a falar do seu trabalho de ilustração.

Trouxe alguns livros por si ilustrados, como este de Amélia Pinto Pais.

Os autógrafos - dados com tempo - foram acompanhados de um desenho:


No final da sessão, o ilustrador pegou em canetas e, perante os alunos e professores presentes, em alguns minutos, fez este desenho. Apenas pediu silêncio. Realço os pormenores do trabalho:

sexta-feira, 16 de maio de 2014

E, no teu silêncio, vou dizendo…

Quando éramos pequenas, perguntavam-nos se éramos gémeas. Lembras-te? Gostávamos de dizer que a diferença de idades era só de um ano, um mês e um dia. A nossa mãe costurava-nos os vestidos e as batas que tinham folhos e bolsinhos, onde guardávamos bocadinhos de pão ou pedrinhas… Como a nossa mãe sempre gostou de flores, nós víamo-la a semeá-las, regá-las, colhê-las… E dizíamos: “Mãezinha, posso ir buscar o meu regadorzinho?”
Lembras-te da fotografia em que estamos ambas descalças no pequeno jardim da pequena casa em que nascemos? Tínhamos tranças, presas no alto da cabeça com um laçarote branco. Os teus caracóis eram férteis e a minha trança depressa se desfazia de tão pesada que era.
Depois, quando mudámos para uma casa maior, continuámos a ter por perto os campos, os regatos, os caminhos onde apanhávamos flores pequeninas, sem a preocupação de lhes saber o nome. A não ser dos pampilhos com que fazíamos macios colares amarelos.
E havia a casa alta de azulejo verde, que tinha um mirante, onde gostávamos de brincar com as outras meninas vizinhas. E por cima das nossas cabeças caíam, altas, flores de que já não lembro a cor. Havia também a de azulejo azul com um portão que fechava o interior da casa, cujos donos tinham passo apressado e lábios que nunca abriam a janela de um sorriso.
Fomos crescendo, ouvindo palavras que a época obscuramente cinzenta propagava: obediência, submissão, resignação, acentuadas na condição de mulher que não precisava de estudar, porque o futuro de esposa e de mãe não o exigiria. Desde cedo, troikas semelhantes já nos faziam franzir o sobrolho, mas éramos seres comuns e, comummente, não se cantava claro contraditório.
Começámos a bordar, a fazer renda, a cozinhar, a tratar da casa. Líamos os livros que o nosso pai nos comprava na Feira do Livro do Porto, os que havia na estante da sala, mas também procurávamos, às escondidas, O crime do Padre Amaro e outros.
Ao longo da vida, fomos gostando dos mesmos livros, dos mesmos filmes, dos mesmos lugares. Como Paris, onde fomos um par de vezes. Com os nossos maridos, brindámos lá com um Bordeaux, fomos à Torre Eiffel, ao Arco do Triunfo, mas o que te encantava – e a mim também – era passear pelas margens do Sena, os pequenos teatrinhos do Quartier Latin, as ruas estreitas com os cafés envidraçados, as mercearias com vistosa fruta bem disposta. E também as descontraídas livrarias simples e inspiradoras. E ver a gente que teria histórias para contar. E visitar os pequenos museus onde a quantidade não distrai mas convoca o olhar.
Dizia-te, quando a felicidade era, para ti, pássaro que não pousava: “Temos de nos alegrar com as pequenas coisas; de outro modo, somos infelizes”. 
Gostavas tanto de viver, mas tinhas medo de que a vida pudesse entristecer-te ou ao teu núcleo familiar.
Eras culta, tinhas ideias próprias, detestavas a hipocrisia, gostavas de ajudar os mais frágeis, mas pouco sorrias de tanto receio dos reversos da medalha.
Em ti, tinhas “todos os sonhos do mundo”, porém, com a pessoana e triste convicção de que “Nunca serei nada”.  As incertezas faziam apagar as luzes da ousada celebração da vida.
Estiveste doente durante vários anos. Partiste há dois dias e quis o acaso, ou destino, ou Deus, ou a tua vontade que eu estivesse junto de ti. Nesse momento, um frio silêncio calou, então, qualquer murmúrio que, tantas vezes, o sofrimento agudizou.
 No (teu) silêncio, continuarei a dizer-te: Então, minha irmã,…

domingo, 11 de maio de 2014

"SEM OUTRO INTUITO"

                                                                                 Monet

Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.


Luís Miguel Nava
(1957/1995)
Poema enviado pela Poetria, 
integrado no projeto 
TODOS OS DIAS NASCE E MORRE UM POETA,
E, ÀS VEZES, É PRECISO QUE O POETA MORRA
PARA QUE A OBRA NASÇA.

sábado, 10 de maio de 2014

Ninho



Obrigada, AC, pelas fotos 

Eu sei de um Ninho... 

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar.


 Miguel Torga


sexta-feira, 9 de maio de 2014

Malícia

            “O BALOUÇO”, de FRAGONARD

Como balouça pelos ares no espaço
entre arvoredo que tremula e saias
que lânguidas esvoaçam indiscretas!
Que pernas se entreveem, e que mais
não vê o que indiscreto se reclina
no gozo de escondido se mostrar!
Que olhar e que sapato pelos ares,
na luz difusa como névoa ardente
do palpitar de entranhas na folhagem!
Como um jardim se emprenha de volúpia,
torcendo-se nos ramos e nos gestos,
nos dedos que se afilam, e nas sombras!
Que roupas se demoram e constrangem
o sexo e os seios que avolumam presos,
e adivinhados na malícia tensa!
Que estátuas e que muros se balouçam
nessa vertigem de que as cordas são
tão córnea a graça de um feliz marido!
Como balouça, como adeja, como
é galanteio o gesto com que, obsceno,
o amante se deleita olhando apenas!
Como ele a despe e como ela resiste
no olhar que pousa enviesado e arguto
sabendo quantas rendas a rasgar!
Como do mundo nada importa mais!
Assis, 8/4/1961
JORGE DE SENA, 2013: Obras Completas - Poesia 1 [Metamorfoses, 1963]. Lisboa: Guimarães, pp. 337-338.

Obrigada, IAzinha, pelo envio destes belos documentos, 
num postal de fim de semana e de celebração da primavera. 
Agradeço-te também a música de Rodrigo Leão, que juntavas no "postal".



Rodrigo Leão - (Outra forma de) Baloiço