sexta-feira, 9 de maio de 2014

Malícia

            “O BALOUÇO”, de FRAGONARD

Como balouça pelos ares no espaço
entre arvoredo que tremula e saias
que lânguidas esvoaçam indiscretas!
Que pernas se entreveem, e que mais
não vê o que indiscreto se reclina
no gozo de escondido se mostrar!
Que olhar e que sapato pelos ares,
na luz difusa como névoa ardente
do palpitar de entranhas na folhagem!
Como um jardim se emprenha de volúpia,
torcendo-se nos ramos e nos gestos,
nos dedos que se afilam, e nas sombras!
Que roupas se demoram e constrangem
o sexo e os seios que avolumam presos,
e adivinhados na malícia tensa!
Que estátuas e que muros se balouçam
nessa vertigem de que as cordas são
tão córnea a graça de um feliz marido!
Como balouça, como adeja, como
é galanteio o gesto com que, obsceno,
o amante se deleita olhando apenas!
Como ele a despe e como ela resiste
no olhar que pousa enviesado e arguto
sabendo quantas rendas a rasgar!
Como do mundo nada importa mais!
Assis, 8/4/1961
JORGE DE SENA, 2013: Obras Completas - Poesia 1 [Metamorfoses, 1963]. Lisboa: Guimarães, pp. 337-338.

Obrigada, IAzinha, pelo envio destes belos documentos, 
num postal de fim de semana e de celebração da primavera. 
Agradeço-te também a música de Rodrigo Leão, que juntavas no "postal".



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