Flores de abril junto a um museu de Los Angeles
sexta-feira, 25 de abril de 2014
PORQUE na voz de Poeta(s)
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andresen
quinta-feira, 24 de abril de 2014
"Onde estava no 25 de Abril"
Maria Helena Vieira da Silva
Como me recordo! O dia começou de forma habitual.
Fui para a Faculdade de Letras do Porto. Nessa altura, a Faculdade estava
instalada no edifício em frente ao Hospital Sto António, onde hoje funcionam as
Biomédicas.
Subindo os Clérigos, ouvia-se um estranho silêncio.
Havia pouco movimento nas ruas. Nem parecia um dia de semana. Aqui e ali,
viam-se pessoas a procurar as notícias que iam sendo transmitidas pela rádio.
Eu não sabia o que se passava, nem tinha sequer um
pressentimento. Tinha nascido e vivido com a ditadura. Achava estranho quando o
meu pai contava - também lhe tinham contado - que um pequeno grupo de pessoas
estava a falar na rua e logo apareceu a PIDE para os questionar.
Na Faculdade, por entre os estudantes, entranhavam-se
os “Bufos” que ouviam as conversas para depois denunciarem quem criticava o
regime ou se pronunciava contra os professores ou contra a Direção. Muitas
vezes, vi alunos a entrarem de rompante na Biblioteca, sentarem-se a fingir que
liam ou estudavam, porque eram perseguidos pela polícia que aparecia à paisana e
os prendia, sem contraditório.
Nas aulas, só excecionalmente eram permitidas
questões sobre a matéria ou outras. Um dia, um jovem professor de História de
Portugal travou diálogo com os alunos sobre a matéria. Receoso, como se
estivesse a cometer um grande pecado, olhava para a porta. Se entrasse o
Diretor, seria chamado à atenção. E assim aconteceu: de repente, a porta
abriu-se e uma figura impôs-se, num silêncio pesado, mostrando viva discordância
pela atitude a que de imediato pôs fim.
O medo era avassalador, calando muitas vozes e
limitando muitos gestos.
A guerra colonial ia ceifando as vidas de muitos
jovens que matavam e morriam sem saber porquê
E eram tão longas as trevas impostas pelo regime
autoritário que a grande maioria das pessoas se habituara a conformar-se. Os
mais conscientes da situação política revoltavam-se e a sua coragem
custava-lhes muitas vezes a prisão e até a tortura.
Nessa manhã do dia 25 de Abril de 1974, quase a chegar à Faculdade,
perguntei a alguém que segurava o transístor junto ao ouvido, o que se passava.
“É uma Revolução de militares em Lisboa” foi a resposta. Na Faculdade,
anunciava-se que não havia aulas. Regressei a casa. À hora do almoço, ouvimos
as notícias e tudo soava a estranhamente novo. Um sistema demasiado enraizado
parecia estar a tremer.
Tu telefonaste-me. “Vamos sair. Está a haver uma
revolução. Já chegou ao Porto. Está a espalhar-se por todo o país”.
E fomos. Atravessámos o rio pela ponte D. Luís e
fomos para a Serra do Pilar, onde julgo que um militar discursava num comício,
onde as pessoas iam chegando incrédulas.
Nos nossos olhos havia espanto. Tudo era novo,
porque a Censura tinha riscado os factos que não agradavam aos governantes
seguidores da política de Salazar.
No ano seguinte, casámos em tempo já de Liberdade.
terça-feira, 22 de abril de 2014
domingo, 20 de abril de 2014
Páscoa - Impossível não me lembrar
- da
espera do Compasso em domingo de Páscoa
Com o
soar pressentido da campainha que anunciava a chegada do grupo de homens que
repetia a palavra Aleluia. E que todos repetiam também. A devoção rimava
sobretudo com tradição.
- das
flores no chão, junto da porta de entrada, para que a casa não fosse esquecida.
E eram
goivos e páscoas e margaridas porque o tempo era de ressurreição também das
flores. Depois ficava o cheiro pisado que o vento noturno secaria.
- da
impaciência refilada dos rapazes que queriam sair porque tinham as namoradas à
espera e a Visita Pascal demorava.
E
ficavam, ficavam à porta e juntavam-se com os vizinhos que também esperavam à
sua porta, falando todos uns com os outros porque era Páscoa e cumpria-se a
tradição: receber o compasso em casa. Ou beijar a Cruz, como também se dizia.
- das
crianças que corriam à volta do compasso e recebiam amêndoas.
Era o
tempo em que as crianças brincavam na rua. E corriam o arco. E jogavam às
caçadinhas. Ou ao pião. E chutavam uma bola de pano. E as meninas jogavam à
patela. E fugiam com medo dos rapazes que se escondiam entre o milho e atiravam
pedras para as assustar.
- das
orações que o Padre repetia na sala melhor (com as cortinas e os tapetes
lavados) com a família reunida em semi-círculo.
E se
estava calor, o Padre e os outros homens transpiravam e davam os pés de Cristo
a beijar na Cruz, e o afago passava pelo respirar quente de todas as bocas.
- do
cheiro a assado no forno e das idas da mãe à cozinha para vigiar a assadeira
para que nada se queimasse, enquanto o pai ia calculando o tempo que faltava
para o compasso chegar.
E eram
certas as casas onde o Compasso parava para almoçar. Quase sempre de grandes
mesas e de fortes alegrias sacramentais.
- das
melhores colchas à janela para receber Cristo ressuscitado.
Muitas
de renda branca, outras de tecido adamascado, outras fininhas mas lavadas e
alisadas para o efeito.
- das
brincadeiras, dos sorrisos, dos medos, dos sonhos…
- do
feliz esquecimento de que nada seria para sempre. E de que nem todos estariam
presentes em futuros domingos de Páscoa.
sábado, 19 de abril de 2014
sexta-feira, 18 de abril de 2014
Em "tempos de um abril diferente"
Li e gostei muito do poema de Vítor Oliveira no seu blogue Carruagem 23.
Senti vontade de alargar a partilha,
porque retrata bem algum do nevoeiro que se foi instalando
ao longo destes 40 anos pós 25 de Abril de 1974.
Como também vivi o Portugal de então, é inegável que o país está melhor
- as pessoas, é claro, e não uma entidade oligárquica ou abstrata -,
mas, infelizmente, ainda há muitas áreas em que é roubado
"ao futuro o tom da alegria".
Vítor Oliveira
ESCREVER contra a morte
Há
muitos muitos anos, li os Cem Anos de
Solidão de Gabriel García Márquez. O romance impressionou-me pelos enredos
ao longo de várias gerações. Era difícil não conhecer alguém semelhante a uma
qualquer personagem.
Este
ano, no 10º ano de escolaridade, abordámos o conto "Surpresas de
agosto", incluído na coletânea Doze Contos Peregrinos do mesmo
autor.
A
história começa assim:
"Chegámos
a Arezzo pouco antes do meio-dia, e perdemos mais de duas horas à procura do
castelo renascentista que o escritor venezuelano Miguel Otero Silva comprara
naquele recanto idílico da campina toscana. Era um domingo de princípios de
agosto, ardente e buliçoso, e não era fácil dar com alguém que soubesse fosse o
que fosse no meio das ruas a abarrotar de turistas".
O
final - não o transcrevo no intuito de aguçar a curiosidade de quem o não
conhece - é inesperado e confirma o "realismo mágico", sabiamente
manejado pelo escritor.
Recordo-me
da reação de alguns alunos (muitas vezes dizemos que nada lhes agrada e nada os
surpreende) de aberto espanto perante o final inesperado e nada convencional.
Os
meios de comunicação social estão a divulgar a morte deste grande escritor que
nasceu na Colômbia em 1927.
Morreu o homem
mas a sua obra reitera a ideia que ESCREVER é também uma luta contra a morte.
quinta-feira, 17 de abril de 2014
Rosinha
Todos os dias,
enquanto o marido dormia mais repousado, vinha fazer uma visita ao quarto 25.
Chegava, saudava com palavras simples e sorridentes. “Então, Rosinha, está
melhor?”
Rosinha
olhava-a e tentava sorrir também, balbuciando, a custo, algumas palavras para retribuir
a simpatia.
E ela dizia
para a acompanhante de Rosinha: “Vou ficar cá até à próxima semana. O meu
marido sente-se melhor assim. Chego-lhe mais vezes água e chamo a enfermeira
quando é preciso”.
E virava-se
para Rosinha e dizia: “Quando estiver boa, vem a minha casa tomar um chá.
Afinal moramos perto”.
Ontem não veio.
Nem no dia anterior tinha vindo. Perguntei.
Para esse
quarto já tinha vindo outra pessoa.
Subscrever:
Mensagens (Atom)