domingo, 12 de janeiro de 2014

"Um palavrão muito comprido"



No corredor do hospital, com os quartos de portas abertas, porque o tempo é pouco e a urgência é muita, ouvem-se muitas vozes: há quem passeie no corredor falando, alto, ao telefone; os técnicos trocam informações sobre os serviços necessários no quarto A ou B; passam com carrinhos dos cuidados de enfermagem… 
Dentro dos quartos, ouve-se tossir, chamar, conversar, o som da televisão…
Um dia destes, ouvia-se uma doente que, de forma estridente, dizia palavrões.
Uma auxiliar, enquanto fazia o seu trabalho, disse: 
Aqui, vemos e ouvimos de tudo: chorar, rir, não ouviu agora um palavrão?
Perguntei-lhe:
Qual?
Daqueles muito compridos, respondeu ela.
E, à conta do palavrão, por um bocadinho, houve sorrisos.

sábado, 11 de janeiro de 2014



 


Da minha janela, veem-se camélias cor-de-rosa, raiadas de branco.
Como seria bom se de todas as janelas se vissem camélias!
Ou outras flores. Ou árvores.




 
A propósito, lembrei-me de um pequeníssimo conto que partilho de novo:


Dois velhinhos

Dois pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.

Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.

Junto à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede húmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz.

Com inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro: 

— Um cachorro ergue a perninha no poste.

Mais tarde: 

— Uma menina de vestido branco pulando corda.

Ou ainda: 

— Agora é um enterro de luxo.

Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.

Não dormiu, antegozando a manhã.

Bem desconfiava que o outro não revelava tudo.

Cochilou um instante — era dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço:

entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo.


 Extraído do livro de Dalton Trevisan - Mistérios de Curitiba, Ed. Record - 
Rio de Janeiro,1979.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

GENGIS KHAN


Aí está ele, passando revista às tropas
Com a sua armadura reluzente.
Os seus pés levantam ondas de poeira
E ninguém ousa fitá-lo de frente.


Na sua couraça quebram-se as lanças inimigas
E um gesto seu põe em fuga um exército inteiro
… Mas não pode dobrar-se para apanhar uma flor
Nem coçar as costas, o poderoso cavaleiro.


                                                                                                   Álvaro Magalhães
                                                                                                    O reino perdido, 2000