sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Diário de Mariana - Abaixo o pombal?


Querido diário, 
Há tanto tempo que não te escrevo. Tenho tido testes, trabalhos... mas também só uma fã é que me disse há algum tempo: Mariana, não tens escrito o teu diário! Eu sorri, puxei o cabelo para trás e encolhi os ombros. Ontem, a minha irmã mais velha também me disse: ó Mariana, há que tempos não leio nada teu. Eu até lhe disse logo: ó mana, até ‘tou admirada contigo porque criticas algumas páginas. Uma vez até disseste que o diário nem fica muito bem neste blogue adulto. Como é que disseste? Eu acho que tu chamaste pediátrico ao meu diário. Lembras-te? Até achei piada.
A minha irmã mais velha também é muito querida, mas gosta de tudo muito a sério. Ainda bem que eu não sou assim, porque isso dá muito trabalho e nem dá para descansar um bocado no sofá. Livra!
Pus-me a falar da minha irmã mais velha e ainda não falei do assunto que pus no título. Eu então vou contar. Hoje foi o último dia de aulas nos contentores. Também se dizia que eram monoblocos, mas quase toda a gente chamava pombal. As escadas, de chapa aos furinhos, eram muito largas,  tremiam muito e faziam muito barulho. Até me dava pena ver algumas professoras a subir: num braço, a carteira, no outro a pasta e às vezes o computador ao ombro. Eu não gosto de criticar as pessoas mais velhas, mas às vezes imaginava-as a serem içadas até às salas de aulas. Se a minha Dê-Tê sabia disto, deitava-me logo um olhar fulminante e dizia: Mariana, por amor de Deus!
Hoje foi o último dia que estivemos nessas casinhas provisórias. A partir de agora, depois de muitas obras que, pelos vistos custaram bué de milhões (eu que tenho só uns euritos por semana até me custa compreender essas contas) vamos ter salas a sério outra vez. Mas até houve coisas fixes durante este tempo que estivemos no pombal: era mais fácil copiar porque as mesas estavam mais juntas; podíamos trocar bilhetes sem a setora ver; falávamos mais à vontade sem nos chamarem a atenção… Pra não falar do Gi que às vezes dizia que não percebia, eu punha-me a explicar-lhe baixinho  e ele dizia-me que só me queria dizer outra vez que eu era a inspiração dele. Ele é mesmo fofinho!
Para a semana, falo das minhas impressões das aulas “na parte nova”. Ainda não sei muito bem onde vai ser a sala da minha turma mas oxalá que não fique muito longe do bar. Os croissants  são altamente.
Eu como me habituo com facilidade às situações novas, até continuava no pombal, mas, pronto, tem de ser, tem de ser. O pombal vai abaixo. Que vá. Mas não digo “Abaixo o pombal”. Tenho recordações tão fixes!
Até um dia destes, querido diário. Muitos abracinhos.
Mariana

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Balada de outono


Graça Morais

Águas
E pedras do rio
Meu sono vazio
Não vão
Acordar
Águas
Das fontes
calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto
A cantar
Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas
Das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto
A cantar
Águas

Do rio correndo
Poentes morrendo
P'ras bandas do mar
Águas
Das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto
A cantar
Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas
Das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto
A cantar
Zeca Afonso

2 de agosto 1029/23 de fevereiro de 1987

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Marcha De Quarta-Feira De Cinzas

 Toulouse-Lautrec
Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou
Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar
Porque são tantas coisas azuis
E há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe
Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
Seu canto de paz

                                     Vinicius de Moraes

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Dia Internacional da Língua Materna


Hoje, dia 21 de fevereiro,  comemora-se o
 Dia Internacional da Língua Materna
(proclamado pela Unesco em 1999)


Picasso

«As palavras, como os pássaros,
voam por cima das fronteiras políticas».
Rodrigues Castelão

«Da minha língua
vê-se o mar».
Vergílio Ferreira

«Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela
as quantas dimensões da Vida». 
Mia Couto

«A minha pátria
é a língua portuguesa».
Fernando Pessoa

«Porque bonitas são as línguas depois de manejadas e
celebradas pelas pessoas».
Ondjaky

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Provérbios de Carnaval


 K. Somov
 
Não há Entrudo sem lua nova nem Páscoa sem lua cheia.

Quer no começo quer no fundo,  em fevereiro vem o Entrudo.

Namoro de Carnaval não chega ao Natal.

Carnaval na eira, Páscoa à lareira.

É Carnaval, ninguém leva a mal.

Esta vida são dois dias e o Carnaval são três.

No Carnaval nada parece mal.
 
Pelo Natal semeia o teu alhal, e se o quiseres cabeçudo, semeia-o pelo entrudo.
 
Quem quiser o alho cabeçudo, sache-o pelo entrudo.

Há máscaras que não devem cair!

Veneza

Teatro

Antiguidade 

Moçambique
Podence, Trás-os-Montes

"Ai Lurdes, Lurdes Que vou morrer"...

 
Cézanne

Todos Os Homens São Maricas Quando Estão Com Gripe

Pachos na testa
Terço na mão
Uma botija Chá de limão
Zaragatoas
Vinho com mel
Três aspirinas
Creme na pele
Dói-me a garganta
Chamo a mulher
Ai Lurdes, Lurdes
Que vou morrer
Mede-me a febre
Olha-me a goela
Cala os miúdos
Fecha a janela
Não quero canja
Nem a salada
Ai Lurdes, Lurdes
Não vales nada
Se tu sonhasses
Como me sinto
Já vejo a morte
Nunca te minto
Já vejo o inferno
Chamas diabos
Anjos estranhos
Cornos e rabos
Tigres sem listas
Bodes de tranças
Choros de corujas
Risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes
Que foi aquilo
Não é a chuva
No meu postigo
Ai Lurdes, Lurdes
Fica comigo
Não é o vento
A cirandar
Nem são as vozes
Que vêm do mar
Não é o pingo
De uma torneira
Põe-me a santinha
À cabeceira
Compõe-me a colcha
Fala ao prior
Pousa o Jesus
No cobertor
Chama o doutor
Passa a chamada
Ai Lurdes, Lurdes
Nem dás por nada
Faz-me tisanas
E pão de ló
Não te levantes
Que fico só
Aqui sozinho
A apodrecer
Ai Lurdes, Lurdes
Que vou morrer

António Lobo Antunes
                           Cantado por Vitorino

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Tudo em aberto


Sempre com sentido!

Porto Sentido

Quem vem e atravessa o rio
Junto à serra do Pilar
vê um velho casario
que se estende ate ao mar
Quem te vê ao vir da ponte
és cascata, são-joanina
dirigida sobre um monte
no meio da neblina.
Por ruelas e calçadas
da Ribeira até à Foz
por pedras sujas e gastas
e lampiões tristes e sós.
E esse teu ar grave e sério
dum rosto e cantaria
que nos oculta o mistério
dessa luz bela e sombria
[refrão]
Ver-te assim abandonada
nesse timbre pardacento
nesse teu jeito fechado
de quem mói um sentimento
E é sempre a primeira vez
em cada regresso a casa
rever-te nessa altivez
de milhafre ferido na asa
               Rui Veloso

Em manhã de domingo, lembro o dia de sábado


O poeta Fernando Castro Branco
O dia começou cedo. Era sábado, mas quase meia centena de professores viriam à Escola Secundária de Gondomar para concluir umas Conferências do Concelho, ligadas à Língua Portuguesa.
Como há muito muito tempo acontece, estava sol.
Falou-se de gramática, de ortografia, de lendas, de Mia Couto, de António Lobo Antunes…
Ao longo do dia, andámos “À volta das palavras: nomear e recriar”.
 O poeta Fernando Castro Branco, o último comunicador do dia, falou da criação poética e leu alguns dos seus poemas. O sol já se tinha posto e a poesia (que ele diz ser heterodoxa) ainda cativava o silêncio.
Foi bom ver professores a partilhar muitos dos seus conhecimentos, a revelar o seu amor pela Linguística, pela Literatura, pela Educação, pela obra que vão construindo...
Para mim, foi um dia feliz pela boa e profunda comunicação que se estabeleceu.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

No exterior do Museu Romântico, no Porto,...

...em visita de estudo com duas turmas.
Felizmente mais um dia em que gostei muito de ser professora!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Em dia de (e)namorados...

 Szerelmespár
As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,

Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,

é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo

bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,

e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Carlos Drumond de Andrade

Felizmente há música assim!


Há dias, ouvi dois grupos a cantar. Eram formados por professores de duas escolas: Secundária de Ovar e Secundária de S. Pedro da Cova, em Gondomar. Em comum, havia o maestro, também músico e cantor, assim como o amor pela música, pelas palavras cantadas, pela alegria de partilhar a história, histórias, conhecimentos…
O público interagia e também cantava. No final, o professor-maestro-ensaiador disse sentir que estas experiências são boas também para os alunos e que tornam todos pessoas melhores.
Pelo rosto dos presentes, pela boa comunicação que se estabeleceu, via-se que ninguém tinha ouvido palavras vãs e que a deslocação à UPP (Universidade Popular do Porto) tinha sido uma mais-valia.
Felizmente estas práticas inspiradoras estão, muitas vezes, bem perto de nós.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Passando de tarde numa rua antiga

Ela passou de tarde numa rua muito antiga do Porto. As casas eram antigas. E as árvores. E os jardins. E as ruínas. E os portões de terrenos onde ninguém parecia entrar há muito muito tempo. E as casas silenciosas com quase eternas camélias...
Uma das casas tinha, no jardim, uma pequena casinha. Talvez do jardineiro de antigamente que agora não há lugar para essas mordomias. Ao passar, ela espreitava discretamente pelos portões de ferro. Sentia vontade de chegar a casa e recriar histórias.

A luz da rádio


Quando vou a conduzir, gosto de ouvir rádio. Às vezes, música; muitas vezes, entrevistas, crónicas, comentários…
Numa curta viagem de hoje, com o rádio ligado, fiquei a saber que hoje era o Dia Mundial da Rádio. E lembrei-me de uma coisa muito distante no tempo  e muito ingénua. 
Quando eu era pequena, gostava muito de ouvir rádio. As vozes a sair daquele aparelho eram para mim um mistério. Um dia, sem ninguém ver, espreitei para dentro daquela caixa mágica a ver se  era possível ver alguém.
Consegui ver uma luz muito brilhante e logo concluí: não vejo as pessoas por causa da luz!!!

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Bem perto do rio


Como nesta página não havia flores...


sábado, 11 de fevereiro de 2012

«O SEGREDO DE UM CUSCUS»


Sempre que posso, vejo filmes lusófonos e francófonos. Para além do meu gosto pessoal, também os procuro para os sugerir aos alunos. Gostaria de lhes provar que os filmes de língua portuguesa ou francesa não são chatos, como se diz.

Mas, às vezes, acho o filme com uma história bastante triste. Tudo parece acender o lado lunar da vida e apagar o mais solar. Por isso, acabo por esperar pelo próximo.

Não sei se é por isso, às vezes o filme está pouco tempo em exibição. Desaparece da sala de cinema enquanto o diabo esfrega um olho.

Pois bem, vi:
O Segredo de um Cuscus
De AQbdel kechiche
Com: Habib Boufares, Hafsia Herzi, Farida Benkhetache

E gostei muito deste filme francês que recebeu vários prémios, tanto em França como em Veneza.

 O filme revela temas importantes, como: Relações Familiares, (in)Fidelidades, Imigração, Delinquência Juvenil, Momentos de vida dos Sem-Abrigo, Solidariedade, Alegria/Vontade de Viver, Desemprego, Projetos de Vida …
Durante três horas, acompanhamos passos de muitas pessoas «reais» que habitam num bairro suburbano, numa zona do sul de França.
Gostei particularmente das solidariedades espontâneas e ruidosas da família magrebina, protagonista do filme. Todos falam alto e ao mesmo tempo, saúdam-se com beijos estridentes, abraçam-se, ajudam-se, zangam-se, riem… Arranjam sempre lugar para mais um saborear a comida de que tanto gostam; neste caso, couscous!
À mesa, e à volta de uma refeição de couscous, todos celebram a festa dos sentidos. Com os dedos e os lábios besuntados com derramado e visceral prazer!
Parece que sentimos o cheiro dos melhores petiscos feitos por quem tem a mão certa para os temperos, para o tempo de cozedura, para a combinação dos alimentos mais frescos e saborosos. O que acontece quase sempre com a comida das nossas mães. No caso da família magrebina, também era a mãe que reunia a sabedoria da junção e preparação dos melhores sabores. Para que o resultado fosse perfeito.
Como quando a comida vem para a mesa no tacho e, ao destapar-se, liberta um odor que (nos) aquece a alma, embora também o corpo encontre consolação.
Neste filme, encontrei sobretudo imagens solares, embora as haja também lunares, porque a vida não as dispensa nem justifica a sua falta.
A ação mostra que às vezes um projeto pode falhar, mesmo estando-se à beira da sua concretização. Mas também fica na história de cada um todo o processo para o conseguir. Naquele caso, foi toda uma família que se uniu para ajudar o pai – separado da mãe – que, de repente, ficou sem trabalho. Também ele procurava ajudar a família.

Se vier a propósito – e vem sempre quando se quer –, vou sugerir este filme aos meus alunos.
Para além de tudo, há uma música encantatória, sobretudo quase no final.
E há, ao longo do filme, uma jovem, muito solidária e lutadora, que encontra soluções para ajudar a avançar os projetos de pessoas que lhe são próximas.
Para que não digamos que os jovens são sempre egoístas. E sobretudo para que eles vejam que vale a pena não se ser indiferente.

Seja como for, boas imagens! Solares, de preferência.
Nem que sejam pequenas como um grão de cuscus.

Ainda a propósito de "Plágio"

Ouvi um reparo a propósito do nome que cito no texto:
- Mãe, não devias referir o nome de M.P.C. Ela fez tanta coisa boa e ser-lhe apontada  só uma coisa que é suposto ela ter feito de mal. Não, não acho bem.

- Filha, se calhar, tens razão. E compreendo-te porque, como escritora, ela também foi um dos teus ídolos de adolescência (lembro-me até de, uma vez, teres dito que te identificaste tanto com algo que leste num livro que até choraste).


Sim, realmente temos a tendência a insistir no que está errado e a ignorar muita coisa que é bem feita.

Em Trás-os-Montes, sem fotografia


Há alguns invernos que não vou a Trás-os-Montes. Pude fazê-lo, felizmente, com regularidade, durante vários anos. Um dos destinos era a Feira do Fumeiro, em Montalegre. Saíamos cedo de casa e o carro, divertido, lá subia os montes – esforços agora esbatidos pelas autoestradas.
A feira era mais um pretexto para o grupo de amigos visitar aldeias, comer bons e genuínos petiscos, apreciar as paisagens, falar com outras pessoas…
Começo a falar disto e logo me lembro do frio seco que eu adorava sentir nas mãos e no rosto. E dos restaurantes com a lareira acesa. E do presunto acabado de cortar. E das casas baixas com pedras em ruínas e imaginadas histórias. E das batatas muito brancas e do feijão vermelho a fumegar. E dos velhos a caminhar devagar junto à casa que era o centro do universo.
Um dia, numa aldeia de Montalegre (em Paredes do Rio, julgo eu), visitámos um casal já idoso que tínhamos conhecido no ano anterior. Levaram-nos até à cozinha para comermos pão com chouriço. A cozinha tinha as paredes muito negras. Perto da lareira, pendiam, de umas traves pardas, os enchidos. Sentámo-nos a uma mesa pequena e também escura. De repente, ouvimos um suspiro que vinha do lado menos visível do banco junto à lareira. Era uma outra velha que lá estava sentada e em silêncio. Vestia toda de preto, da cor da parede e do banco de costas altas. Disse, timidamente, que vinha sempre ali passar as tardes de domingo, sobretudo quando estava mais frio.
Não me lembro nitidamente do rosto, mas acho que daria uma bela fotografia. Nada fria, apesar das trevas do recanto.