quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Viagem

  É o vento que me leva.
O vento lusitano.
É este sopro humano
Universal
Que enfuna a inquietação de Portugal.
É esta fúria de loucura mansa
Que tudo alcança
Sem alcançar.
Que vai de céu em céu,
De mar em mar,
Até nunca chegar.
E esta tentação de me encontrar
Mais rico de amargura
Nas pausas da ventura
De me procurar...

Miguel Torga, in 'Diário XII'

"Eu não sou eu nem sou o outro"


"Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro."


Mário de Sá-Carneiro

Outono

Trabalho de Catarina Rocha (aluna da ESG)

Distância


Aproximação


Beleza azeda


Feições da natureza


domingo, 4 de dezembro de 2011

Bom domingo!

Hoje, logo pela manhã, abri a janela e vi o cinzento das nuvens e o molhado do chão. Nada mau para quem está a pensar ficar em casa (que me desculpe quem tem de sair e preferia um sol radioso).

E resolvi pôr música para ir ouvindo na casa. Numa manhã assim, Chopin, tocado ao piano por Maria João Pires, vinha mesmo a calhar.

E assim foi. Apetece-me dizer: coisas simples e boas.

Bom domingo!


sábado, 3 de dezembro de 2011

Quase círculo


quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

5 ideias/ 5 gostos/ 5 textos?

Coisas a partir das quais podemos escrever:

A - Ações simples do quotidiano

B - Elementos da nossa casa a que damos algum realce

Algumas das minhas escolhas:

A – Ações simples do quotidiano:

- Ler um jornal, com tempo, ao sábado.
- Escrever textos para o meu blog.
- Ler, se possível, à luz do sol.
- Ter a casa arrumada.
- Guardar os trabalhos corrigidos na pasta, sentindo a mesa e a mente mais
organizadas.


B - Elementos da nossa casa a que damos algum realce:

- Ter flores na janela e zelar para que não morram.
- Sentir (ainda) a presença do nosso velho cão labrador – o Dunas.
- Ter livros à espera de serem lidos.
- Chegar a casa, ter sopa feita e a mesa posta.
- Não ter muitas flores frescas nas jarras.

É simples, é barato e pode dar... felicidade

É simples, é barato e pode dar… felicidade
pensar em
- coisas simples de que gostamos
- coisas simples de que não gostamos

Depois, escrever um pequeno texto/uma pequena história com alguns desses elementos.

Escolhi:

Gosto de…
- oferecer uma pequena história a uma criança e ver que gostou
- caminhar ao fim da tarde à beira-mar

Não gosto de…
- palavras destrutivas
- recordações de dias maus

(Este texto tem a ver com uma situação que conheci, o que pode ser um ponto de partida para a escrita)

UMA HISTÓRIA SEM NATAL

Numa aula de adultos, depois de algum diálogo, o professor pediu para os alunos escreverem uma história de Natal. Poderia ser ilustrada e um bonito presente de Natal em tempo de crise.
Olhando aqueles homens e mulheres, o professor viu que um deles revelava tristeza num olhar carregado em rosto fechado. Aproximou-se dele e apercebeu-se que o aluno estava assim porque não gostava do Natal. Ainda assim, reconhecia a vantagem de trabalhar a escrita e poder oferecer uma história bonita à filha mais pequenina, pressentindo já alegria nos seus olhos.
Com algum esforço, abriu o caderno, pegou na caneta que a companheira lhe dera e começou a pensar no que podia escrever. Sentia os nervos à flor da pela. Queria que saíssem palavras e tinha de conter as lágrimas. Lembrou-se do que ouvira já muitas vezes: um homem não chora. Sabia que não era assim. Melhor tivesse ido caminhar ao fim da tarde à beira-mar. Só lhe vinham à cabeça perdas de familiares e de amigos. Ouvia também palavras destrutivas da infância que o tinham marcado, deixando recordações de dias maus e de muitas dificuldades. Em dias gélidos de repetidos natais.
Depois de ter riscado várias vezes o que tinha escrito, pousou a caneta e fechou o caderno. O professor abeirou-se dele de novo e viram outras hipóteses de escrita. Surgiram várias: situações: umas vividas, outras imaginadas.
Na despedida, o aluno pediu desculpa ao professor e disse que até à próxima sessão escreveria a história, mas uma palavra não seria escrita: NATAL.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Afinal...

Afinal, não tive tempo para escrever o texto.
Entretanto, hoje, em Serralves, com Richard Zimler, registaram-se outros elementos que podem ser desenvolvidos pela escrita:
- 5 elementos/ações do nosso quotidiano;
- 5 aspetos ligados à nossa casa.

Amanhã, digo também o que escrevi.
Porei umas imagens que combinem e deem cor ao post - na minha opinião, é claro.

Boas palavras!

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Gosto...não gosto... sei...

Para um exercício de escrita, foi proposto pensar em:
a) cinco coisas de que gostamos
b) cinco coisas de que não gostamos
c) algo que se sabe fazer

Passei à prática e escolhi:
a. 1- Oferecer uma pequena história a uma criança e ver que gostou;
2 - Pôr os testes corrigidos na pasta, ficando a mesa e a mente mais arrumadas;
3 - Analisar trabalhos de alunos, realizados com empenhamento e criatividade;
4 – Caminhar ao fim da tarde à beira-mar;
5 – Ouvir a chuva cair nas tardes de domingo em que estou em casa.

b. Não gosto de
1 - palavras destrutivas;
2 – sentir os nervos à flor da pele;
3 – noites de trovoada;
4 – recordações de dias maus;
5 - andar longas horas de avião.

c) plantar flores


Logo, se puder, passarei à escrita.

domingo, 27 de novembro de 2011

Fado português

O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha,
meu chão , meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro velero
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.


José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'

sábado, 26 de novembro de 2011

A perda de telemóvel pode tocar (n)o coração?

J. Borsky

Será isto literatura?

Poema metonímico a um mote alheio


Martha

perdi o teu telemóvel


Martha

perdi o teu telemóvel

vasculhei bem fundo a minha alma

virei-a do avesso

descosi costuras

abri bainhas

cotão e pó

camadas da tua ausência

foi tudo o que eu encontrei

nem sombra do teu 9 qualquer coisa

tanta coisa...

Martha

perdi-me na busca do teu telemóvel

arranquei botões

desalojei-os

desalojei-me

num grito rasgado

na minha procura de mim

Martha

perdi

me

na perda do teu telemóvel.

Martha

If you please call me

agora

não

não te guardes para um qualquer postal

de Natal

Martha!

IA, ESG, novembro de 2011

(N)a Língua que Somos

Para escrever é preciso ser/estar triste?

Picasso
S/cem palavras

Um escritor, Manuel António Araújo, foi a uma escola, ESG, falar sobre Literatura numa ação de formação para professores. A páginas tantas, afirmou que os escritores têm um traço comum: são tristes. Muitos discordaram, mas o autor manteve a sua convicção.

Passados alguns dias, na mesma sala, uma aluna dizia à professora que não conseguia escrever um conto de Natal, como havia sido pedido:

- Ó professora, ainda não fiz o trabalho. Só consigo escrever quando estou triste.

A professora, surpreendida, contou-lhe o que ouvira dias antes. A adolescente rematou: ele tem razão, professora.



sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Bom fim de semana!

A arte de ser feliz

Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre
as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto
crianças que vão para a escola. Pardais
que pulam pelo muro. Gatos que abrem
e fecham os olhos, sonhando com
pardais. Borboletas brancas, duas a
duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega. Às
vezes um galo canta. Às vezes um
avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me
sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Natal sem história

Van Gogh

Este Natal seria diferente.. A prenda que Dora tinha sugerido era ir passar a noite de Natal com alguns sem-abrigo do Porto. A família concordou. Juntar-se-iam no dia de Natal para o almoço.

Para levar, fez um prato de rabanadas, pondo, por cima, o molho que lhe tinham ensinado e que levava bastante mel. Colocou as rabanadas num prato grande e fundo, despediu-se da família e caminhou até á instituição.. Alguns ela já conhecia, porque os via quando passava para o trabalho. Vinham tomar um banho, beber uma bebida quente, desabafar as mágoas…

Quando chegou à Instituição, a mesa já estava posta. No fogão, ferviam as batatas, o bacalhau e as couves. Os convidados foram chegando. Alguns já tinham estado na instituição, mas por pouco tempo. Sentiam o apelo da liberdade da rua. Tinham-se habituado a não seguir regras, a beber, a passar noites em claro, a insultar sem ter de pedir desculpa…

Um casal chegou com uma criança pequena. Estavam felizes por serem pais daquela menina e de, finalmente, viverem numa casa. Chegou depois um homem com restos de antiga beleza. Outro tinha um gorro cinzento na cabeça e olhar cavalgante e rápido. Quase ao mesmo tempo, chegou o George, de um país de leste, com um instrumento de sopro para tocar depois da ceia…

Daí a nada, estavam todos à mesa e com o prato fumegante. Eram muitos e não pareciam à vontade. Havia desconfiança, apesar de fingirem estar bem. Uns riam com a boca desdentada e escancarada, outros sorriam sem levantar os olhos do prato. E comiam pouco.

Depois da sobremesa, onde não faltava a aletria, o bolo-rei e as rabanadas com mel, os diretores leram postais de boas-festas. Depois anunciaram mais um momento de partilha. A Liza, uma adolescente amiga da instituição, de rosto aveludado e longos cabelos castanhos, iria tocar flauta e, em seguida, George tocaria uma música de Natal do seu país. O terceiro número seria depois anunciado.

Liza, com os seus gestos calmos e refletidos, ajeitou a flauta e começou a tocar. Alguns dos presentes agitavam-se no banco corrido. Ou porque aquela música suave mexia com eles, ou por ser a primeira vez que a ouviam…

Um dos sem-abrigo, Aristides, disse de forma desajeitada: Oh, vamos mas é cantar o apita o comboio… Liza continuava a tocar. George olhava-a com delicadeza.

No fim, todos aplaudiram e alguns aproveitaram para exteriorizar o que sentiam. Muitos deles tinham cantado na escola, na catequese e até em casa. A alguns apetecia dizer que tinham adorado aquela música, que lhes tinha tocado a alma; outros sentiam raiva por não terem tido carinho, apoio, palavras, sorrisos, olhares, elogios… tanta coisa que deles fugiu ou nunca se aproximou. Ou que deixaram voar.

E.. finalmente, iriam ouvir o Silva, outro sem-abrigo de muitos conhecido, ler uma história que ele próprio tinha escrito. Silva levantou-se de um canto onde quase se tinha escondido. As mãos tremiam-lhe, a voz tinha quebras e os olhos pareciam húmidos.

Disse então:

- Não sei por que se lembraram de mim. Eu até nem tenho jeito para estas coisas. De escrever ainda gosto, porque estou calado, embora esteja sempre a ouvir coisas que se passaram comigo há muito tempo e com outras pessoas. Pois, vou, então, contar a história do sem-abrigo que fazia casinhas com caixas de fósforos…

Houve risos e Aristides disse em voz alta: as tuas casas têm teto?

O Silva conhecia o Aristides porque haviam disputado a mesma entrada coberta de um prédio no Porto. O Silva, inseguro e tímido, disse em voz baixa:

- Desculpem, mas não consigo ler. E preparei-me bem como me pediram. Tenho de me sentar.

Aristides ainda cantarolou: Ai és tão boa…

Liza, embora não estivesse previsto, recomeçou a tocar. George improvisou a seguir. Enquanto Lisa tocava, o Silva sorriu-lhe e, no final, indicou-lhe a sua morada e pediu-lhe que passasse por lá no dia seguinte, dia de Natal, ao fim da tarde. Queria oferecer-lhe uma casinha de fósforos que iria fazer para ela.

Dora a tudo assistia. No dia seguinte, passou pelo local onde Silva costumava instalar-se. Viu-o a trabalhar com os fósforos, aproximou-se dele e disse-lhe que gostava de ouvir a sua história de Natal.