quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Despedida

S/cem palavras

A família nunca a tinha visto chorar. Não que não tivesse sentimentos, mas tinha sempre coisas a tratar, a fazer…

Uma neta ia estudar para fora do país. Não era por muito tempo, mas as ausências não se medem só pela conta dos dias.

A família, numerosa, reuniu-se para uma pequena festa de despedida. Porém, aquela neta, antes de partir, quis rever a avó. Para se despedir dela de uma maneira mais próxima e com mais tempo. O amor entre netos e avó era recíproco. Comovida e saudosa, chorou como nunca.

Como se adivinhasse que era o último adeus.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Mude-se o título: DIZ A AVÓ

Para a D. F, que também gostava de Poesia
DIZ O AVÔ

Tens cabelos brancos
Mas porquê, avô?
Caiu muita neve
Na estrada onde vou.

Tens rugas na face.
Mas porquê, avô?
Bateu muito sol
Na estrada onde vou.

Tens os olhos baços.
Mas porquê, avô?
Pousou nevoeiro
Na estrada onde vou.

Tens calos nas mãos.
Mas porquê, avô?
Parti muita pedra
Na estrada onde vou.

Tens coração grande.
Mas porquê, avô?
Nele mora a gente
Que por mim passou.

Luísa Ducla Soares, A cavalo no tempo.

domingo, 13 de novembro de 2011

Domingo fechado de chuva

Um filme sábado à noite


Ontem à noite, em casa, vi o filme Gran Torino de Clint Eastwood. Confesso que sou uma fã deste ator e realizador (e julgo que também produtor).

Na minha opinião, é um homem que consegue transmitir grande verdade e profundidade humanas.

Depois de ver um filme dele, julgo que o espetador não fica igual. Há quem defenda que se isso acontece, estamos em presença de uma obra de arte.

O protagonista, um velho solitário, durão, cioso das suas coisas, azedo perante a mudança, acaba por dar a sua vida em defesa de um bom rapaz com quem travou uma forte e recíproca amizade.

Quando o filme acabou, fiquei a pensar no valor da amizade: desinteressada, autêntica, boa, necessária. E disse para comigo: felizmente também tenho assim amigos.

E, ao ver o velho labrador, neste caso, uma labradora, tive saudades do meu velho Dunas. Não teve a sorte de viajar num Gran Torino, mas vi-o muitas vezes, feliz, a abanar a cauda quando entrava no pequeno carro azul da sua dona principal que, mesmo longe, queria sempre saber dele.

Os filmes também ajudam a saber um pouco mais dos seres que amamos.

O título poderia também ser: mãe

Para a Gábi (blogue dona-redonda.blogspot.com)

“Hoje há uma nuvem triste no meu olhar. Uma catarata de raiva intrometeu-se entre o meu olhar e o mundo. Eu podia falar-te de coisas bonitas neste dia: por exemplo do nosso terceiro lugar no ranking da mortalidade infantil. Tu merecias um dia cheio de boas estatísticas, uma primavera de números redondos e palavras sem disfarce; mas eu vi a notícia no telejornal e uma nuvem ácida amanheceu comigo. Sabes, mãe, acho que é uma nuvem da descrença, uma nuvem que se formou para nos desacreditar do homem. Não te ofendas, mãe, mas estou prestes a desacreditar…”

Nuno Higino

Dia da mãe, 2007

sábado, 12 de novembro de 2011

Acasos felizes?




Ontem, procurei um poema de Nuno Higino. Hoje, quase por acaso, ofereceram-me um livro escrito por ele. Num instante, muitos poemas e textos em prosa vieram ter comigo.

Realço a bela frase de capa, na continuação do título: mãe

"E leva os filhos nos olhos como se os levasse pela mão".


Apetece agradecer: ao escritor e às sábias mães que seguravam o livro " como se (também) o levassem pela mão".

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Um poema - com votos de bom fim de semana.

UM POEMA

Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço..
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...

Miguel Torga, Diário XIII



Diário de Mariana

11 de novembro

Querido diário,

Hoje, o que te vou contar vai ser diferente. Vou transcrever o conto de Natal que escrevi com o Gi. Quero só explicar-te isto: para participarmos no concurso “Vamos escrever um conto de Natal”, tínhamos que pôr, obrigatoriamente, duas personagens: um sem-abrigo e um ou uma adolescente e o espaço tinha de ser a cidade.

Um dia, vi uma notícia no jornal sobre um homem que tentou roubar chocolates no Lidl e teve bué de problemas por isso. Achei que este caso ficava altamente num conto de Natal. O Gi ainda disse: oh, vamos falar de grandes superfícies? Era melhor, então, falarmos do comércio tradicional! Tive de lhe explicar que se puséssemos a história numa mercearia não era a mesma coisa, porque é tudo mais pequeno e as pessoas veem-se melhor. Ele acabou por dizer: ‘ta bem, vamos lá. Depois eu disse-lhe que tínhamos de escrever está e não ‘ta. Ele acendeu-me os faróis e começámos a trabalhar, porque não me quis chatear e queria era escrever.

O resultado foi este (mas já sei que a setora vai sugerir algumas mudanças, dar outras sugestões… Depois conto-te).

Muitos beijinhos

Mariana

Quase noite de Natal

O dia tinha estado ameno, mas, com o cair da noite, as nuvens carregadas começaram a ameaçar tempestade. António, um sem-abrigo, afastou o cartão em que todas as noites dormia, assim como o cobertor escuro com que se cobria. Se procurasse um supermercado, sempre podia entrar e proteger-se da forte chuvada que não parecia demorar muito. Viu, então, ao fundo da rua, o anúncio bem luminoso. Assim fez. Quando entrou, sentiu o quentinho de um espaço abrigado, de gente lavadinha e com companhia para falar. O dia não lhe tinha corrido muito bem. Compraria um sumo de laranja, porque o desenho do pacote fazia-lhe lembrar as laranjeiras da aldeia onde tinha vivido a infância.

Ao aproximar-se da prateleira dos sumos, passou pelos chocolates e teve uma ideia, ou melhor, uma tentação: meter seis chocolates ao bolso para oferecer na noite de Natal a seis pessoas que olhassem para ele com carinho. De repente, vê um funcionário e um adolescente junto dele. Um rapaz tinha assistido à tentativa de roubo, chamou o funcionário que disse apenas ao sem-abrigo: tira os chocolates do bolso e volta a pô-los no lugar.

António limitou-se a obedecer à ordem, porque já era velho e não podia correr ou fugir. E o que mais lhe custou foi ser tratado por tu. Enquanto estava a pôr os chocolates na prateleira, olhou para o rapaz que o tinha acusado. Tinha ar de quem tinha tudo e não gostava de nada nem de ninguém.

O funcionário, com ar de falso Pai Natal, disse assim: não chamo a polícia só por causa do espírito natalício. António voltou para o seu sítio habitual, também sem o sumo que queria comprar. Felizmente, a chuva já não caía.

Umas horas depois, já deitado, reparou que a rua estava deserta. De repente, começou a ouvir alguém a correr. Levantou a cabeça para ver o que se passava. Era uma rapariga. Vendo o sem-abrigo, parou e perguntou-lhe se tinha visto um rapaz de cabelo claro, alto, magro, de blusão de couro… Mostrava muita aflição e disse que o irmão tinha fugido de casa porque estava farto de tudo e de todos, até dos pais que chegavam no dia seguinte para o Natal.

Pela descrição, o sem-abrigo reconheceu o jovem que o tinha denunciado no supermercado. Em poucas palavras, apontou-lhe o final da rua.

A jovem retomou a corrida em busca do irmão. Encontrou-o sentado num dos bancos do jardim. Os dois irmãos abraçaram-se e ela convenceu-o a voltar para casa e passar o Natal em família.

Na volta, passaram pelo local onde a rapariga tinha visto o sem-abrigo. Estava lá o cartão, o cobertor, o saco de plástico, mas António já lá não estava.