quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Os sonhos serão ainda cor-de-rosa?



terça-feira, 18 de outubro de 2011

Testemunho escrito (Vilarinho de Samardã)


Nas casas onde vivemos, ficam sempre palavras
que dissemos ou que ficaram por dizer.

As aparências iludem

Diário de Mariana

18 de outubro

Querido diário,

A escola é mesmo grande. Hoje até fiquei para trás a olhar. Fogo. Corredores tão compridos, tantas escadas. Alguns professores até vão devagarinho. Outros não. Se calhar, aproveitam para fazerem exercício físico.

Lembro-me da minha escola do ano passado. Era mais pequena e nós estávamos sempre mais perto uns dos outros. Agora, não. Uns vão para o edifício central, outros vão para os monoblocos (o pombal, como uma prof divertida já lhes chamou). Não tínhamos era tantas salas para a gente se sentar. A minha mãe já me disse: Mariana, havia menos cadeiras, mas vocês giravam mais. Estão sentados nas aulas e sentados nos intervalos, como se fossem velhotes cansados. Eu até me ri.

Não tenho falado do Gi, porque até me custa. Outro dia, ele estava a fumar à porta da escola e não gostei nada de o ver naquela cena. Que mau aspeto. Fogo. No mesmo dia, vi-o a jogar as cartas numa das mesas do polivalente. O grupo parecia os reformados furiosos a bater com a mão na mesa com força. Até deve doer.

Por que é que as pessoas de quem gostamos fazem coisas de que não gostamos? Eu também tenho muitos defeitos. A minha mãe diz que sou um bocado teimosa, deixo as coisas para a última… Mas fumar à porta da escola é que nunca ninguém me viu. Parecem pássaros que saem da gaiola. Eu até acho que alguns é para se armarem um bocado em grandes.

Quando eu entrei na escola e vi o Gi a fumar, comecei a tossir. Forcei um bocado, mas às vezes até intoxica. E ainda mais horroroso é ver o funcionário também a fumar. Só de pensar até me dá tosse.

Fiquei triste com o Gi, porque não gosto de dependências. A minha mãe diz que eu estou a tornar-me também diariódependente , mas que eu saiba não tira o ar a ninguém. Jogar as cartas como eu vi o Gi faz lembrar as pessoas que ficam tolinhas e deixam de pensar como deve ser.

A minha mãe diz muitas vezes que é preciso dar tempo ao tempo. É o que eu vou fazer. Fogo, agora começo a perceber que nem tudo é altamente.

Tento tantas dúvidas, querido diário.

Muitos xis apertadinhos.

Mariana

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Outono agora


As folhas das videiras ainda não estão vermelhas. Querem continuar a viver. Ainda que menos belas.


Há cachos de uvas que escapam aos cortes.

Diário de Mariana

17 de outubro

Querido diário,

Já disse que é muito difícil ser adolescente. Ainda não mudei de ideias e acho que nunca vou mudar. É duro mesmo. Eu chego a esta conclusão muitas vezes. Às vezes fico calada e as pessoas pensam que eu pareço na lua, mas estou mais atenta do que se julga.

Os adultos pensam que para nós é tudo altamente, mas não sabem o resto. Ser adolescente dá muito trabalho. Eu acho que é mais do que isso: eles já se esqueceram dessa trabalheira. Pensam que estamos no quarto só a jogar computadoe ou no mensager, mas às vezes estamos tristes, sentimo-nos sós e temos medo de que não gostem de nós. Se nos veem chorar, ficam aflitos mas só pensam que podemos estar doentes. Se estamos tristes, pensam assim: isso passa. Isso é mimo.

Os adultos dizem que os jovens só querem sair, mas esquecem-se de todos aqueles que nunca saem e quase que não têm amigos. Conheço um rapaz que passa os fins de semana sempre sozinho e a mãe a dar-lhe cabo da cabeça: por que não tens amigos ou uma namorada? Coitado, ainda pior fica. Uma vez contou que até fechou a porta do quarto à chave.

Ano passado, tive uma colega que tinha a mesa cheiinha na festa dos anos dela. Convidou a turma toda e só foram quatro colegas ao aniversário porque os outros preferiram ir ao Cais de Gaia nessa noite. O pai dela até leitão tinha comprado. E que cena, uma das raparigas que foi à festa era vegetariana e outra não comia doces porque estava a fazer dieta. Destes casos ninguém fala.

E quando não acreditam em nós, ou então acreditam em tudo para não perderem tempo nem se chatearem?! Isto custa, embora, às vezes até dê jeito. Há uns dois anos tive um colega que chateava todos os dias os setores. Uma vez, no recreio, debaixo da palmeira, ele contou que só lhe apetecia chorar porque em casa estavam sempre a ralhar com ele e na escola ouvia as mesmas coisas.

Para não falar do Ricardo que ou anda eufórico ou de cabeça baixa sem falar com ninguém, porque o pai bate na mãe e ele acha que não a pode ajudar como ele gostava.

Lembrei-me agora da Marta. Parece que tudo lhe corre mal. O namorado zangou-se com ela e os pais ficaram desempregados. Fogo, que lhe irá ainda acontecer?

Eu acho que muita gente olha, mas não vê. Ou então faz de conta porque assim não há mais chatices. E depois somos nós, os adolescentes, que somos os maus da fita. E ainda dizem que a gente não sabe o que é a vida. Não, não, o que não andamos é sempre a pensar na morte.

Um xi muito apertadinho

Aqui vai, meu amigão

Não te esqueças que um miminho

Evita muita solidão.

Mariana

PS – Hoje estou poeta. Ou diz-se poetiza? Oh, sei lá.

Altamente (se a minha mãe me ouvisse, dizia logo: Mariana, utiliza outras palavras – sugestivo, apelativo, telúrico…) é este poema de Miguel Torga:

BUCÓLICA

A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.