Hoje de manhã fui fazer uma pequena caminhada. Desde que tive covid pela primeira vez há dois anos, deixei de sentir os cheiros, a menos que sejam intensos como os desta manhã. Talvez fosse o vento a arrastar os aromas das árvores e das flores, enquanto folhas secas corriam rua fora, tropeçando nalguns obstáculos do passeio mas logo continuando.
Ao pequeno almoço, inventei uma história para a minha neta, porque ela demora muito tempo a comer. Lembrei-me da galinha dos ovos de ouro e disse-lhe que uma galinha da bisavó tinha posto um ovo de oiro. Ela acreditou e logo quis saber o que tinha dentro. Eu fui inventando até terminar num pássaro também doirado, mas que, para se alimentar, comia todo o ouro que encontrava, porque, como era doirado, andava à solta e tinha mais liberdade do que todas as outras aves da capoeira.
A minha neta continuava curiosa sobre o pássaro e se ainda existia.
Eu disse-lhe que um dia ficou azul, voou e deixou de ser visto, mas que, quem sabe, pode aparecer aqui em Londres.
No final, a minha neta disse o que eu não esperava ouvir: Gostei da história, avó, mas hoje não quero os cereais.
Como a mudança para esta casa é relativamente recente, ainda conheço pouco do que existe à volta. Da primeira vez que cá estive, havia mais receio da covid e julgo que nunca fui fazer compras, como gosto. Ontem, com algumas indicações da minha filha, aventurei-me. Era domingo e havia pouca gente na rua. E descobri uma igreja onde no próximo domingo haverá festa e vendas diversas. Fiquei curiosa. A minha neta já me disse que não pode ir porque tem uma festa de anos. Logo lhe disse: Clarinha, mas que agenda tão preenchida e ela sorriu com o seu olhar azul.
Hoje vou de novo à rua onde há lojas e supermercados. De regresso, quase sempre com fruta fresca e pão, venho pelo caminho a olhar os jardins das casas, quase todas da mesma altura, uns cheiinhos de flores, outros quase desertos de cores e perfumes. Também vejo pássaros. Abundam os melros e as pegas. Ainda não vi a senhora idosa do jardim mais colorido e bonito da rua, onde todo o bocadinho de terra é aproveitado para florir. Gostava de a conhecer. Bastava-me vê-la no meio do jardim a tratar das flores. Não deixaria de lhe dizer hello e de lhe sorrir.
Pela rua fora, vejo outra vizinha a arranjar o jardim. Olhou para mim como uma forasteira. Sorri-lhe mas ela não. Deve preferir as suas flores. Conheço casos assim.