sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Da sala de aula vê-se o Monte Crasto



De algumas das salas de aula da escola onde trabalho vê-se bem o Monte Crasto. Ontem de manhã, estava envolto em bruma e uma chuva miudinha pintava a paisagem de cinzento, ainda que de permeio houvesse árvores.
A turma não era grande (se houvesse uns trinta alunos na sala, nem tempo haveria para olhar pela janela), os alunos eram calmos e comentei antes do intervalo: gosto deste tempo.
Não estavam de acordo comigo; era bem melhor o sol.
E lembrei-me de que sempre gostei de dias de inverno assim. Tudo parece mais sossegado.
Ou, então, é de mim ao sentir a alegria de poder dialogar com os alunos, vendo entusiasmo e gosto em aprender. 
Não acabe esse brilhozinho nos olhos, haja sol, chuva, nevoeiro...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Music


Liberdade
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen
 


Moonlight

Turner

Entre o Luar e a Folhagem

Entre o luar e a folhagem,
Entre o sossego e o arvoredo,
Entre o ser noite e haver aragem
Passa um segredo.
Segue-o minha alma na passagem.

Tênue lembrança ou saudade,
Princípio ou fim do que não foi,
Não tem lugar, não tem verdade.
Atrai e dói.

Segue-o meu ser em liberdade.

Vazio encanto ébrio de si,
Tristeza ou alegria o traz?
O que sou dele a quem sorri?
Nada é nem faz.
Só de segui-lo me perdi.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Do Porto para o Louvre


quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Ainda

domingo, 10 de janeiro de 2016

Sobre um livro que li

Na capa do livro, publicado pela D. Quixote,  é bem visível o título: Retrato de Rapaz, ladeado por uma breve mensagem explicativa em caracteres mais pequenos: "Um discípulo no estúdio de Leonardo da Vinci"-
O autor é Mário Cláudio - que recebeu com esta obra o prémio de Romance e Novela da APE, 2014.
A leitura não poderá ser rápida, apesar de o livro ter apenas 139 páginas, porque a escrita reflete a expressão, o vocabulário e o espírito tumultuoso dos lugares daquela época - século XVI.
Tece-se, magistralmente, o retrato das pessoas que vivem ou circulam numa Florença desorganizada e suja, na qual vive o génio Leonardo.
O retrato do rapaz é construído na base dos seus múltiplos defeitos e virtudes que fazem dele um ser desejado, ladino, agressivo, hábil, odiado...
Também o retrato do narrador/autor se agiganta: só quem conhece tão bem os lugares e a sua História é capaz de produzir uma narrativa tão densa, sugestiva e subtil.
Também se agiganta o domínio da Língua Portuguesa de Mário Cláudio. Os registos são inúmeros e todos verosímeis.
São, assim, retratos de diferentes homens que vão marcando a cultura europeia, onde cabe também a sedutora imaginação.

A fuga do cato


Este é um dos trabalhos que se podem ver atualmente em Serralves. Não sei o título da obra, mas acho uma ideia fantástica.
Sempre gostei de plantas, embora não me agradem nada catos com picos. Espero, contudo, não contribuir para o desejo de fuga dos poucos que tenho!!!

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Hoje?

Francis McCrory
Francis McCrory

Um excerto do "Expresso curto" e um poema, como ele, bem tirado

"O QUE ANDO A LER
Não é bem o que ando a ler. É o que releio sempre que as palavras estão em perigo. Sempre que quem pronuncia as palavras é silenciado «por maneiras tão sábias, tão subtis e tão peritas, que não podem sequer ser bem descritas», como sentenciou Sophia de Mello Breyner. Nestas ocasiões regresso aos poetas, às palavras dos poetas, aos pensamentos dos poetas. Manuel António Pina é um dos meus poetas preferidos. Não só porque é um enormíssimo poeta. Mas porque, além do mais, fui colega dele no Jornal de Notícias, ele no Porto e eu na filial de Lisboa, numa altura em que não havia colegas nas redações mas camaradas. Depois, porque era uma excelente pessoa, de uma enorme generosidade. E já agora porque também era sportinguista. «Agora que os deuses partiram, / e estamos, se possível, ainda mais sós, / sem forma e vazios, inocentes de nós, / como diremos ainda margens e como diremos rios?». É assim que termina a sua coletânea «Todas as Palavras – poesia reunida», editada pela Assírio & Alvim, uma editora que há muitos anos guarda cuidadosamente todas as palavras e trata cuidadosamente todos os poetas. Ou como, segundo o Germano Silva, uma figura incontornável do Porto, dizia o Pina, quando o Sporting estava a perder: «Que se f… o futebol, Germano, vamos mas é para a poesia». E quando era o contrário, mudava o sentido da frase: «Que se f… a poesia, Germano, o futebol é que é!»."

Nicolau Santos 
Passagem
Com que palavras ou que lábios
é possível estar assim tão perto do fogo
e tão perto de cada dia, das horas tumultuosas e das serenas,
tão sem peso por cima do pensamento?


Pode bem acontecer que exista tudo isto e isto também,
e não só um voz de ninguém.
Onde, porém? Em que lugares reais,
tão perto que as palavras são de mais?


Agora que os deuses partiram,
e estamos, se possível, ainda mais sós,
sem forma e vazios, inocentes de nós,
como diremos ainda margens e como diremos rios?

Manuel António Pina

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Sem legendas

Com legendas

domingo, 3 de janeiro de 2016

He is singing in the rain!

" Barbara " em domingo de muita chuva

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Receita de Ano Novo

René Bértholo
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade, Texto extraído do "Jornal do Brasil", Dezembro/1997.

Nota - Obrigada, IAzinha, por esta tão bela "Receita de Ano Novo". 
Quem me dera confecioná-la. Vou tentar, nem que seja um bocadinho!

Feliz Ano Novo!

Há instantes assim (*)

 
José Moura-George

Cada momento de alegria,
cada instante efémero de beleza,
cada minuto de amor,
são razões suficientes para uma vida inteira.

A beleza de um único momento eterno
vale a pena de todos os sofrimentos.

                                                 Rubem Alves





(*) O título não é do Poeta. Se o fosse, seria mais poético!

Uma música que emocionou um Presidente. Ainda bem!

Aretha Franklin - (You Make Me Feel Like) A Natural Woman

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

A trança de Sabina



Esta pequena estória de Natal nasceu
do nascimento da minha neta, Sofia.
A médica chamava-se Sabina, era indiana, tinha uma longa trança...



Muito sabia Sabina já antes de entrar na escola primária.
E o que sabia Sabina muito se devia aos pais que, ao longo da vida, muito tinham aprendido, tendo muita paciência para lhe explicarem o mundo que via crescer à sua volta, enquanto ela crescia também. Deles nunca Sabina tinha ouvido:
- Está calada, porque não percebes nada do assunto.
Pelo contrário, gostavam de perguntar, de responder e que Sabina também perguntasse e respondesse. Sempre lhe diziam que os adultos sabem muitas coisas, mas acrescentavam que  as crianças vão igualmente acumulando montinhos de ideias e de conhecimentos que, juntos, se agigantam como uma montanha dos Himalaias.
E foi assim que Sabina se habituou a olhar, a questionar, a observar, sendo sempre uma das melhores alunas da escola.. Gostava muito de aprender, de saber mais, mas não pretendia ser a melhor de todos. Numas áreas seria, noutras não - como sempre lhe tinham dito os pais.
Sabina nascera em Jaipur, cidade - à qual muitos associam a cor rosa -  da Índia, que faz fronteira com o Paquistão, Nepal, Bangladesh.... Estas e muitas outras coisas já muito cedo Sabina sabia.
A jovem crescia sábia e serenamente, com a sua trança que juntava, ondeando-o, o farto cabelo escuro. Tal como era hábito de muitas outras meninas e mulheres indianas.
Quando Sabina acabou o ensino secundário, quis inscrever-se numa Universidade inglesa. Pretendia saber mais, ter acesso a outras experiências e conhecimentos. E viajou até Londres com as poupanças dos pais para a formação da filha. Sempre deles ouvira que a Educação é o melhor investimento.
Sabina partiu da sua cidade de Jaipur num dia do mês de outubro em que se festejava o Diwali - festa de todas as luzes e a que muitos Cristãos chamam o Natal indiano.
Rumo ao aeroporto, Sabina, em silêncio, olhava, com os seus olhos aveludados e negros, as ruas ladeadas de barraquinhas com vistosas iguarias, os cestos de malmequeres amarelos, o sari brilhante da mãe e o fato  claro e largo de linho do pai. Escutava o frenético apitar dos carros, o som ronceiro dos motociclos, o pedalar arrastado e contínuo dos magros condutores de riquexó, a vozearia alegre dos transeuntes que ziguezagueavam, com ousada confiança, através do caos colorido dos lugares.
Os familiares e amigos achavam estranho que Sabina abandonasse a cidade em plena celebração da festa de todas as luzes e de todos os cintilantes fogos de artifício. Sabina concluíra que a decisão não era errada porque todos os dias se iluminam de novas luzes e não apenas nas datas indicados no calendário. Para além disso, as aulas iriam começar na UCL Medical School  e Sabina queria a todas assistir desde o início.
Horas depois, chegava a Londres - cidade onde, aos seus olhos, iam chovendo todas as culturas e etnias. Sabina viera só, mas instalou-se, com outros estudantes, numa rua de nome Pandora. A cidade seria, pois, uma enorme caixa que, pouco a pouco, Sabina abriria para conhecer melhor o que ela continha.
Todas as manhãs, Sabina apanhava o metro para a Universidade, saindo na estação de Euston - onde sempre se ouve música clássica. Na travessia até à rua, concentrava-se naquele belo ritual de início de muitas manhãs e de regresso a casa, tantas vezes cansado.
 Sabina ia-se adaptando à nova cidade, embora se lembrasse muitas vezes da família, dos amigos, do sol, da luz, dos cheiros e sabores da casa dos pais, das cores intensas das ruas e mercados de Jaipur... Essas eram razões para não cortar a trança. Ligava-a à sua cidade natal e ao seu país que, devagar, revia em muitos momentos, embora o seu propósito de concluir o  curso nunca esmorecesse.
Se Camões a tivesse conhecido, também lhe teria dedicado, por certo, alguns dos seus versos
"Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha";

De Londres, enorme e húmida caixa de Pandora, foi tirando algumas boas amizades, o amor, a licenciatura... E ia, amorosamente, enviando para a Índia muitas  imagens do seu quotidiano através do Skype. Sobretudo para os pais.
Um dia, Sabina pôde anunciar-lhes que ia entrar na especialidade que escolhera: Ginecologia-obstetrícia.
Assim, muitos hojes passaram, muitas estações de metro calcorreou, muitas bibliotecas e cafés frequentou, muitas experiências viu realizadas, muitas teorias ouviu dentro e fora das salas de aula...
Contudo, a trança continuava, longa e escura, mimando as costas morenas de Sabina. Sempre.
Os Diwalis foram-se comemorando - com todas as luzes a celebrar a vitória do bem sobre o mal, durante sucessivos dias festivos. Os Natais  foram igualmente vividos. Até que chegou o dia em que Sabina assistiu, sozinha como especialista, ao  primeiro parto  no UCL Hospital of London..
Era final de uma madrugada. De outubro, por sinal. Um bebé demorava a nascer. Por mais que a parteira, pacientemente, insistisse (keep going, keep going...) para que os movimentos da jovem mãe o embalassem, chamando-o à luz do dia, mesmo assim, o nascimento tardava.
Para resolver o problema, entrou na sala de partos uma médica: a doutora Sabina. Aproximou-se serenamente da parturiente, sorriu, analisou, com calma, a situação e,  recorrendo aos cuidados certos, foi dizendo:
- Em breve, o bebé verá a luz do dia. Palavras ditas, ouviu-se o desejado chorinho vigoroso.  Para todos, uma nova luz que Sabina ajudara a nascer.

"Presença serena
Que a tormenta amansa";

E, logo a seguir, Sabina colocou a menina recém-nascida no seio da mãe, lembrando-se dos seus pais e de todas as luzes que lhe tinham transmitido até então.
Quando os suspiros sofridos da mãe deram lugar aos sorrisos das sublimadas ou já quase esquecidas dores, saiu do quarto, entrou, silenciosamente, no gabinete e telefonou aos pais. Estavam a celebrar a festa do Diwali. E mais Luz ainda sentiram quando Sabina partilhou a alegria de ter acompanhado, pela primeira vez e como médica de serviço, o nascimento daquele ser tão pequenino e tão completo, que abraçava saudavelmente a luz do dia, procurando alimento e aconchego.
A manhã abria-se, então, à luz de um dia claro desse mês de outubro, coincidindo com a festa das luzes no país natal de Sabina. E com a sua vinda  para Londres havia já alguns anos.
Uma nova vida começava. Sabina tornar-se-ia ainda mais sábia, por isso, ainda mais serena.
Com o tempo, uns fios brancos começaram a clarear a trança que continuava densa e longa. Eram luzes dos seus Diwalis - ou Natais - que celebrava através de cada bebé que ajudava a nascer e, por isso, a encontrar a luz.
 Como se olhasse uma trança de estrelas que, reconhecia, a tinham guiado desde a infância.

 Nota
Este conto foi publicado, neste mês de dezembro, 
na coletânea
Lugares e Palavras de Natal
da Editora Lugar da Palavra

FELIZ NATAL!