sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Um excerto do "Expresso curto" e um poema, como ele, bem tirado

"O QUE ANDO A LER
Não é bem o que ando a ler. É o que releio sempre que as palavras estão em perigo. Sempre que quem pronuncia as palavras é silenciado «por maneiras tão sábias, tão subtis e tão peritas, que não podem sequer ser bem descritas», como sentenciou Sophia de Mello Breyner. Nestas ocasiões regresso aos poetas, às palavras dos poetas, aos pensamentos dos poetas. Manuel António Pina é um dos meus poetas preferidos. Não só porque é um enormíssimo poeta. Mas porque, além do mais, fui colega dele no Jornal de Notícias, ele no Porto e eu na filial de Lisboa, numa altura em que não havia colegas nas redações mas camaradas. Depois, porque era uma excelente pessoa, de uma enorme generosidade. E já agora porque também era sportinguista. «Agora que os deuses partiram, / e estamos, se possível, ainda mais sós, / sem forma e vazios, inocentes de nós, / como diremos ainda margens e como diremos rios?». É assim que termina a sua coletânea «Todas as Palavras – poesia reunida», editada pela Assírio & Alvim, uma editora que há muitos anos guarda cuidadosamente todas as palavras e trata cuidadosamente todos os poetas. Ou como, segundo o Germano Silva, uma figura incontornável do Porto, dizia o Pina, quando o Sporting estava a perder: «Que se f… o futebol, Germano, vamos mas é para a poesia». E quando era o contrário, mudava o sentido da frase: «Que se f… a poesia, Germano, o futebol é que é!»."

Nicolau Santos 
Passagem
Com que palavras ou que lábios
é possível estar assim tão perto do fogo
e tão perto de cada dia, das horas tumultuosas e das serenas,
tão sem peso por cima do pensamento?


Pode bem acontecer que exista tudo isto e isto também,
e não só um voz de ninguém.
Onde, porém? Em que lugares reais,
tão perto que as palavras são de mais?


Agora que os deuses partiram,
e estamos, se possível, ainda mais sós,
sem forma e vazios, inocentes de nós,
como diremos ainda margens e como diremos rios?

Manuel António Pina

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