quarta-feira, 12 de maio de 2021

A rapariga do desenho e os outros

Um dia fui a um pequenino restaurante bio da rua de Cedofeita, no Porto. Não me recordo do nome, mas lembro-me que vi lá uma jovem a desenhar num pequeno caderno. Não queria ser indiscreta, mas reparei que tinha uma caixinha aberta sobre a mesa com diferentes lápis e o traço era fino. Achei bonita a atenção que dedicava ao desenho. Talvez olhasse e desenhasse o que via pela janela, ou qualquer ponto da pequena sala.

Fixei a imagem e julgo que, se voltar lá, vou-me lembrar desse momento e não só das iguarias.

Vem isto a propósito  do programa 'Sociedade Civil', que começa às 2 da tarde, no canal 2, hoje dedicado aos tempos livres. Numa das peças mostradas, falava-se de um grupo que promove atividades ao ar livre, para todas as idades. O objetivo é desenhar a partir do que se observa. Têm o blogue

http://urbansketchers-portugal.blogspot.com/

em que mostram os trabalhos que os participantes vão realizando. Eu, que não tenho jeito nenhum para desenhar, achei muito boa a ideia. Julgo que o núcleo é em Lisboa. Não sei se há noutros sítios, mas é caso para dizer que, se não há, devia haver.

Fui ver o blogue e, no primeiro post de hoje, mostram uma proposta de desenho e um dos trabalhos:

'O desafio era inspirarmo-nos no universo da banda desenhada e usarmos apenas 2 cores. E foi desta que desenhei as andorinhas e o caracol :-)'

E lembrei-me de novo da rapariga do desenho no pequeno restaurante bio do Porto. Muito melhor do que ver a imagem repetida, em tudo que é lugar, do telemóvel a ser dedilhado.

 

terça-feira, 11 de maio de 2021

'Não deites fora as cartas de amor'


'Elas não te abandonarão. 
Passará o tempo, apagar-se-á o desejo
 - essa flecha de sombra - 
e os rostos sensuais, inteligentes, belíssimos 
ocultar-se-ão em ti, no fundo do espelho. 
Cairão os anos. Cansar-te-ão os livros. 
Decairás ainda mais 
e perderás até a poesia. 
O ruído frio da cidade nos vidros
 acabará por ser a tua única música, 
e as cartas de amor que tiveres guardado
 serão a tua última literatura'. 



  Joan Margarit (1938/2021) - Espanha
 
 


No sábado passado, no programa 'Fala com ela', pelas 13 h, 

na antena 1, com Inês Maria Menezes,

ouvi este poema de que gostei muito e que quero partilhar. 

O programa é muito bom e é muito bom ouvir pessoas com tantas coisas boas para dizer.

É como se escrevessem uma carta de amor. À vida.



Quase como os da avó!

 

A minha mãe chamava-lhes rolinhos. Eram um pitéu. De sabor e de aspeto bem redondo e douradinho. Há muitos anos, tentei fazê-los, mas escangalharam-se todos a fritar. Em conversas de família sobre os petiscos da minha mãe (que a idade já impede de fazer), lá vêm os rolinhos que eram únicos.

Ontem, tentei fazê-los. Concluí que houve evolução porque saíram ilesos da frigideira ou sertã, como por cá dizemos.

Levei-os para a minha filha. Ela comeu e disse.

- Estão muito bons, mãe, quase como os da avó! 

 

Como fiz:

Cozi batatas e passei-as pelo passevite.

Cozi um pouco de bacalhau. Depois de cozido, esmaguei-o grosseiramente com um garfo.

Fiz um refogado (dizemos estrugido) com cebola picadinha, alho, louro e piripiri (gosto de picante) e juntei o bacalhau.

Amassei um pouco de batata na palma da mão, pus no meio uma colher do refogado com o bacalhau e salsa picadinha. Moldei com a mão os pequenos rolos.

Passei-os por farinha e ovo. Fritei-os rolando com a ajuda de uma colher para não perderem a forma.

Espero voltar a fazê-los em breve. Pode ser que se pareçam um bocadinho mais com os rolinhos da minha mãe. 

 

domingo, 9 de maio de 2021

Resposta a um comentário

 

Caro Luiz Henrique, os postais que por vezes partilho são enviados pelo Clube das Histórias. 

Pode contactar estes endereços:

https://contadoresdestorias.wordpress.com/

 
clubecontadores@gmail.com 

O Clube das Histórias faz um trabalho notável de partilha de histórias em que prevalecem os valores humanos. Essas histórias chegam regularmente a diferentes continentes, por via eletrónica. Pode consultar os endereços e, se o pretender, dar o seu email para lhe enviarem diferentes histórias.

A equipa de trabalho - que não é grande mas de grande generosidade - seleciona histórias do mundo inteiro, procedendo à sua tradução e adaptação. As histórias podem ser em português, francês, inglês, alemão e espanhol.

A principal impulsionadora é Maria do Rosário Pontes, formadora e ex-professora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Partilho um dos últimos postais recebidos:

 


 
Uma abraço e volte sempre

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Vi agora no blogue 'Pensamentos e Devaneios poéticos' que hoje é Dia das Mães também no Brasil. 

Partilho então alguns postais que o Clube das Histórias enviou em finais de abril, porque aqui, em Portugal, o Dia da Mãe é celebrado no primeiro domingo de maio, ou em qualquer momento, claro.



sexta-feira, 7 de maio de 2021

O prazer da escrita solidária

 

 A publicação da coletânea de texto poético e tema livre, Livro aberto, tem fins solidários - apoio ao desporto adaptado. A organização e produção editorial são de Ana Coelho, da Rádio Voz de Alenquer. 

Enviei dois textos para possível publicação. Um deles foi o que agora partilho.

 

Capa de Sara Santos - no prefácio, a autora justifica-a.

 

Carta de amor aos livros do meu pai

Desculpem, livros do meu pai, se sou ridícula, mas Fernando Pessoa, pela voz de Álvaro de Campos, também escreveu cartas de amor ridículas.

Se eu pudesse, queridos livros, plantaria, numa única estante, os autores da vida do meu pai.

Mais visíveis a todos os olhares, ficariam os livros de Camilo Castelo Branco, que o meu pai começou a ler enquanto belo jovem sonhador. Não sei bem o que o atraía: se a ousadia louca do autor, se as incontáveis paixões vividas e contadas, se a luz que dele vinha ainda que a visão lhe fosse sendo escurecida...

Amo-vos, livros do meu pai, porque, percorrendo as vossas páginas, encontrei vida humana e meandros complexos do amor, às vezes às escondidas, porque o tempo era de escassez mas fértil em proibições. Também lá estavam O crime do Padre Amaro e Os Maias, de Eça de Queirós, que li de ouvido à escuta, para que não visse interrompidos os momentos de paixão mais exaltada que eu não queria perder.

Livros do meu pai, vós sois pedras seguras que edificaram o meu amor pelos autores, pelos livros, pelas histórias, pelo conhecimento aberto do mundo.

Amo-vos, livros do meu pai, porque foram os pais do meu amor pelos livros.

A todos abraço, já sem receio de ser ridícula, mas com a alegria de todos poder ver e percorrer. Ainda que com laivos de tristeza de já não ter tempo para todos poder ler.

 


 

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Os ecrãs na minha cozinha

 

Hoje levantei-me cedo mas não tão cedo como me costumo levantar. Ao acordar, pensei no que tinha para fazer e descansei porque os afazeres não eram tantos como nos últimos dias. E assim pude tomar o pequeno almoço devagar, embora o do costume: café com leite (muito mais café do que leite), pão escuro com manteiga e (a minha) compota, desta vez de abóbora, maçã e amêndoa.

Liguei o rádio porque sou fã das crónicas diárias de Francisco Sena Santos, pelas 8.40, na antena 1. Falava das eleições de hoje no Reino Unido e do desejo de independência da Escócia. E senti vontade (deve ser o meu lado mau a manifestar-se) de que esse desejo fosse concretizado: assim o fazes, aqui o tens.

Em cima da mesa, o meu fiel (nem sempre, porque às vezes não me responde nem me fala!) computador para me abrir a um dos prazeres da manhã: ver os blogues amigos, não sem antes parar aqui um bocadinho. 

Ao lume, já pus feijão a cozer para fazer sopa e congelar o resto. Na televisão, que tenho sem som, mostra-se bola: verde, quase a saltar vitória; da azul, a tentar marcar; da vermelha (por estes sítios não se diz encarnado) para tentar voar mais alto.

E tanta coisa tão mais grave a acontecer no mundo. E eu aqui na minha cozinha, no meu pequeno mundo, embora me permita ir conhecendo o que se passa no grande mundo. Quase sempre o que se passa de mal, embora seja preciso sabê-lo também. E, curioso, levanto os olhos do pequenino ecrã e vejo na TVI uma conversa com um homem que, aos 62 anos, resolveu viajar através da Gap Year Portugal, uma ONG. E falava desse gosto com verdadeiro gosto. Quanto aos gastos não sei, porque só ouvi uma parte.

E outro ecrã ainda mais pequenino iluminou-se. Chegava uma mensagem do meu irmão, em semana de trabalho mais reduzida devido à pandemia. Pelo whatsapp, mandava este vídeo que partilho agora. Oxalá gostem, como eu gostei, apesar de a canção ser antiga. A tradução é de português do Brasil. E um bom dia, com ou sem ecrãs. Na cozinha ou em qualquer outro sítio. 

Será que é mesmo verdade que se estivermos bem, quem está próximo de nós também pode estar?

 

 

quarta-feira, 5 de maio de 2021

As composições


Sempre gostei de escrever e de fazer composições. E, talvez devido a algumas inseguranças, ficava muito feliz quando os professores elogiavam os meus textos. Como também não escrevia muitos, para mim, era um estímulo ouvi-los e faziam-me bem ao ego.

Isto acontecia sobretudo em língua materna e em língua francesa. Contudo, um dia tive de fazer uma composição em francês sobre um dia de inverno numa casa de aldeia. Já não me recordo bem do que escrevi, mas lembro-me de que falei sobre uma lareira cujo 'fumo íntimo' saía pela chaminé.

 A professora achou o adjetivo 'íntimo' muito estranho, escreveu na folha a vermelho que o fumo nunca foi íntimo e repetiu-o em voz alta quando ma entregou. E não é que, passados tantos anos, sempre que vejo  fumo a sair de uma chaminé, em dia frio e de recolhimento, me interrogo se é ilegítimo o fumo significar intimidade.

Uma outra vez, neste caso em língua materna, fiz uma composição sobre um sonho. Quando acabei o trabalho, foi prazer o que senti quando o li e reli. Gostei. Tinha-me saído bem. Para aprimorar a composição, passei-a a limpo várias vezes. No final (naquela altura, ainda não tinha o gosto por finais inesperados), quem estava a sonhar podia, finalmente, ser ave. Terminava com reticências para que o voo fosse mais prolongado. E mais alto, se possível. Para mim, era a composição mais conseguida do ano. Sentia-me quase a voar. Como Fernão Capelo Gaivota.

Com um brilhozinho nos olhos, entreguei a composição ao professor, que era um padre de faces muito rosadinhas. Na aula seguinte, quando ma devolveu, disse-me apenas, sem ter nada escrito nem sublinhado: já fizeste bem melhor!

 

segunda-feira, 3 de maio de 2021

A toalha e o ar que (não) se respira


Comprei-a, há uns vinte anos, numa feira ao ar livre em Goa. Foi barata e continuo a gostar dela. Era uma das minhas toalhas preferidas no tempo em que a família almoçava ou jantava mais vezes cá em casa. A feira tinha as vivas cores dos garridos tecidos, das frutas, dos saris e era ao ar livre. Agora milhões de indianos lutam pelo oxigénio para poderem respirar natural ou artificialmente. O mercado negro já entrou no negócio servindo apenas as castas com mais poder económico.

Os contrastes na Índia, embora eu lá tivesse estado como mera turista ocidental, eram gritantes. O luxo era vizinho da extrema pobreza. Nos sítios aonde chegavam os turistas para fotografar os pontos de todos os guias (quando lá estive, ainda eram as máquinas fotográficas que prevaleciam), acumulavam-se sobretudo grupos de mulheres e crianças que pediam esmola, com um olhar de doce negrura profunda. Bem perto do celebérrimo Taj Mahal, havia esgotos a céu aberto, rentes a casebres habitados. Em diferentes cidades, havia barbeiros a cortar o cabelo e a fazer a barba na rua. Também havia homens a lavarem-se com baldes de água, indiferentes a quem passava. Em Nova Deli, vi carnes penduradas para venda enxameadas de moscas. Quem entrava nos belíssimos templos dos diferentes lugares tinha de se descalçar e passar os pés pela água, quase sempre de um pequeno tanque com água parada que era para todos. No centro da cidade de Jaipur, bela cidade de todas as cores, de todos os ruídos e de todas as luzes, as pessoas amontoavam-se, sem se distinguir bem o que era rua do que não era. 

Jaipur -  Índia

Hoje revi o álbum que sempre fazia depois de uma viagem mais longa. Ontem, na Índia, foram vários milhares as vítimas mortais de covid 19.

Acho que só usarei a toalha que comprei na bela Goa quando a situação melhorar na Índia. Pouco importa - dir-se-á. Será apenas o mais ínfimo gesto de uma turista, que por lá andou durante uns dias, como milhões e milhões de tantos outros, que marca o desejo de que todos possam respirar.

 

domingo, 2 de maio de 2021

'História do Senhor Mar'


 
Mindelo - Vila do Conde


Postal enviado pelo Clube das Histórias

'Deixa contar…
Era uma vez
O senhor Mar
Com uma onda…
Com muita onda…
E depois?
E depois…
Ondinha vai…
Ondinha vem…
Ondinha vai…
Ondinha vem…
E depois…
A menina adormeceu
Nos braços da sua Mãe…'

 

Matilde Rosa Araújo 

 

sábado, 1 de maio de 2021

'Fui À Beira Do Mar'


 

José Afonso
 
'Fui à beira do mar
Ver a que lá havia
Ouvi uma voz cantar
Que ao longe me dizia
Ó cantador alegre
Que é da tua alegria
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria
Desde então a lavrar
No meu peito a Alegria
Ouço alguém a bradar
Aproveita que é dia
Sentei-me a descansar
Enquanto

 

Mindelo - ontem

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Conversa com um peso na balança

 

- Doutor, posso pesar-me?

- Claro que sim.

- Quero ver se a balança é mais amiga do que a minha lá de casa.

- Mas é melhor tirar os sapatos. Também ajuda.

- Pois, tem razão. Convém.

- Então, que tal?

- Só encontro balanças inimigas!

 

terça-feira, 27 de abril de 2021

Uma mulher excêntrica que veio do frio e amou terras quentes de África


Karen Blixen

Quem não viu o filme 'África Minha', de Sydney Pollack, com os maravilhosos Meryl Streep e Robert Redford?  A autora do livro é Karen Blixen, nascida na Dinamarca, em 1885, e que se apaixonou por África, tendo vivido no Quénia durante 17 anos. Morreu no seu país natal, em 1962.


 'A festa de Babette' é outro filme, notável e premiado, baseado num conto da mesma autora. Uma cozinheira francesa vem para casa de duas irmãs puritanas e austeras.  Um dia, a cozinheira  prepara um banquete com saborosas iguarias da gastronomia francesa. Perante tais delícias, todos descobrem os prazeres da mesa que não conseguem conter.

A Festa de Babette

Há umas duas semanas, passou um documentário na RTP 2 sobre a vida e obra da escritora. Fica aqui o endereço se quiserem ver ou rever. Vale a pena.

https://media.rtp.pt/extra/pessoas/karen-blixen-mulher-quis-tudo/

Karen Blixen era uma mulher excêntrica, que, regularmente, bebia champanhe, comia ostras e fumava longos cigarros. No documentário, também é referido o seu livro Contos de Inverno, ao longo do qual a escritora se retrata, bem como pedaços do seu país e da sua época.

Lembrei-me de que o tinha, fui à estante e encontrei Novos contos de Inverno. Como o documentário me aguçou a curiosidade, estou a lê-lo, interrompendo a leitura do livro que anda há uns tempos atrás de mim.

Estamos na primavera, mas é uma leitura interessante. São histórias que decorrem em bosques, prados, casas senhoriais, salões culturais de múltiplas atrações, desenhando um retrato da vida sobretudo da alta sociedade no reino da Dinamarca em finais do século XIX/inícios de XX.

Talvez influenciada pelo documentário, parece-me ver a escritora em muitas linhas das três narrativas que compõem este livro de  170 páginas. E compreendi melhor o seu fascínio pelo calor de África e não só pelo seu país frio do Norte.

 

sábado, 24 de abril de 2021

'Chama-se liberdade...'

Postal enviado pelo Clube das Histórias

 

Preservação 

Chama-se liberdade o bem que sentes,
Águia que pairas sobre as serranias;
Chamam-se tiranias
Os acenos que o mundo
Cá de baixo te faz;
Não desças do teu céu de solidão,
Pomba da verdadeira paz,
Imagem de nenhuma servidão! 

Miguel Torga