segunda-feira, 30 de março de 2020

Há vento e vento em março a acabar

Logo de manhãzinha, comecei a ouvir o vento. Forte e invernoso. Março marçagão de manhã inverno à tarde verão.
É que ainda é março, final de março. Quem dera que já fosse abril. Para não dizer maio.
Mas voltemos ao vento.
Quando eu era miúda, apesar de viver numa aldeia com árvores, havia uma muito alta que nos indicava o sentido do vento e, logo, o tempo que iria fazer.
Quando havia muito vento, soprasse ele do Norte ou do Sul, o pátio da casa enchia-se de folhas das árvores que ajudávamos a minha mãe a varrer, logo que a fúria do vento amainava.
Julgo que acontecia muitas vezes em março, em que o vento soprava tal como hoje.
Só que naquela altura ninguém queria que já fosse maio.

domingo, 29 de março de 2020

Desculpa, querido computador

Querido computador,
Estou necessariamente em casa porque o tempo é de coronavírus que impede aproximações físicas. Mas de ti podia aproximar-me à vontade. Para além de muitas coisas que diariamente via através da tua janela, guardavas as pequenas histórias que gosto de escrever, reescrever, modificar, acrescentar... Assim, a quarentena era bem mais leve.
Mas, sabes, com tantos apelos à desinfeção das superficies que utilizamos, ontem deixei cair sobre ti demasiadas gotas de produto de limpeza. E não gostaste mesmo nada do excesso, ficaste amuado e bloqueaste. Como que a dizer-me que devia ser mais gentil e cuidadosa. E que lá por se ter de desinfetar as superfícies, maçanetas, mãos, etc., os olhos têm de ser preservados.
E as teclas são os teus olhos, eu sei, e devia ter-lhes prestado mais atenção. Se calhar, esqueci o que sempre ouvi: com os olhos não se brinca. Acredita que não quis brincar, mas apenas manter-te limpo para podermos comunicar ainda melhor.
Vou deixar-te em paz por uns dias a ver se os teus olhos secam e se me olhas de novo, com alegria e saúde, para guardares as minhas palavras e eu poder ver muitas imagens através da tua janela.
Se, mesmo com o descanso, não recuperares, tenho mesmo que tratar de ti, mas terá de ficar para mais tarde, porque, neste momento, qualquer urgência é problemática. 
Agora, não é para te substituir, mas estou a utilizar o tablet. Sabes perfeitamente o que significas para mim e que 'isto' não é a mesma coisa.
Aceita o meu pedido de desculpas e compreende que os tempos vão difíceis, por isso de ti, querido computador, espero e desejo amiga compreensão. E que em breve possamos comunicar. Se possível, durante a quarentena, para que o bom calendário apareça em todas as janelas.

sábado, 28 de março de 2020

Sem sombra de dúvida!


Ontem, neste mesmo espaço, voltei a pôr um texto que já tinha partilhado há muito tempo.
Lembrei-me dele, talvez à espera de um pouco de imaginação para o continuar, embora as minhas 'habilidades' de escrita se estendam mais para textos de conteúdo mais simples. 
Hoje, porém, uma amiga ligou-me a estranhar logo o título do texto.
- 'Casa assombrada'? Perguntava ela, nesta altura do campeonato? Estava à espera de coisas mais leves!!
Sim, realmente, pôr um post com o título de 'Casa assombrada', em tempo de Covid 19, não foi a melhor ideia.
Por isso, já o eliminei. Pra pior já basta assim!!! 
Talvez um dia o continue. À minha maneira.

Notas felizes de pessoas (e não só) que querem também ser felizes: 

1 - Um dos jornais de hoje dá conta de uma professora de Educação Física que, durante a tarde, vai para o jardim do seu bairro fazer exercícios para os vizinhos. O marido põe música e as pessoas, de todas as idades, vêm para as suas varandas e seguem os exercícios da professora.

2 - Há uma rua, onde as pessoas pouco se encontravam, apesar de serem vizinhas. Agora, de vez em quando, vêm à janela, acenam, atiram beijinhos, sorriem e desejam saúde.

3 - A Castanha, a minha cadela, continua a sentar-se junto do portão. Se está frio, procura o sol; se está calor, senta-se à sombra. Parece-me que anda um bocadinho mais triste porque há muito pouca gente na rua. 
Hoje pareceu-me ver nos olhos dela um sinalzito de esperança que melhores dias virão.

quinta-feira, 26 de março de 2020

Era uma vez uma menina e algumas perguntas que fazia

Era uma vez uma menina que todos os dias saía. 
Durante a semana, logo de manhã, ia para a escolinha, gostava das aulas, porque estava com a professora, com os coleguinhas e podia aprender e partilhar muitas coisas. E também gostava, se calhar ainda mais, dos intervalos porque brincava, corria, saltava... com os outros meninos que também brincavam, corriam, saltavam...
Ao fim da tarde, ainda ia muitas vezes com o pai ou com a mãe, ao parque infantil perto de casa. E andava no escorrega e no baloiço e jogava à macaca, à bola...
E, quando a tarde já estava quase a dizer adeus, ainda queria ficar mais um bocadinho, sobretudo se chegavam ao parque outros meninos ou meninas que ela conhecia.
Ao fim de semana, saía quase sempre com os pais para irem a um parque muito bonito e muito grande, onde podia correr, brincar, comer um gelado, ver as flores e os pássaros e as árvores e muita gente feliz com piqueniques sobre a relva...
E ia muitas vezes em grupo: amigos dos pais que tinham filhos que também eram seus  amigos.
E, sem haver soldados na rua, começou a ouvir falar de uma guerra com armas que ninguém via mas que obrigavan as pessoas a ficarem em casa.
Sem compreender muito bem o que se passava, embora os pais tentassem explicar-lhe, a menina deixou de sair todos os dias e passou a ficar em casa.
E os dias ficaram estranhos e muito fechados. Para os pais, mas sobretudo para a menina.
E a menina perguntava muitas vezes por que não podiam ir ao parque, por que não podiam convidar as amigas para brincarem com ela em casa e, como lhe custava compreender as respostas, começava a chorar. E a fazer birras.
E dizia que não queria fazer mais desenhos, nem escrever mais vogais e consoantes, nem fazer mais números, nem construir mais legos, nem ouvir mais histórias.
E que queria mirtilos mas já não havia em casa. E yogurtes que tinham acabado. E cookies diferentes dos do pacote...
E a menina, através da janela, via os pássaros a voar. E a mãe ou o pai aproveitavam para cantar uma canção, ou para inventar uma história, mas a menina pouco ouvia.
De repente, a menina pegou numa folha, nos lápis de cor e desenhou uma gaiola. 
Sem ninguém nem pássaro dentro. 
Ficou a olhar a gaiola e perguntou à mãe:
- Quantos dias faltam para irmos ao parque?


quarta-feira, 25 de março de 2020

Em abril, esperanças mil!

Gostei sempre de poder estar mais tempo em casa. Ter tempo para estender roupa ao sol, tirar ervas dos vasos ou dos canteiros, ir ao quintal, ver as camélias floridas...

Fazer isto, sem pensar no passar das horas e nas saídas urgentes para coisas às vezes urgentes mas nem sempre, embora nos parecessem sempre urgentes.

E poder ler mais páginas seguidas de um livro. E escrever algumas histórias que ponho em pastas à espera que alguma luz as ilumine. E arrumar livros e papeladas que se vão amontoando à espera de dias de mais organização.

Agora, estou o mais possível em casa e, felizmente, posso fazer algumas destas coisas, mas não é a mesma coisa, apesar de achar cada vez mais que temos de nos adaptar sempre a novas situações.

Muitos de nós podem e devem fazê-lo. Por nós e pelos outros.
Ainda que os dias, que habitualmente chegam ao fim tão depressa, agora demorem a passar.

Quantos dias faltam até meados de abril, o mês das águas mil? É a questão recorrente.
Pode continuar o provérbio, mas, como tanta coisa mudou nas últimas semanas, quero pensar noutra possibilidade:
Em abril, esperanças mil!



terça-feira, 24 de março de 2020

Li no Expresso Curto e gostei muito. Quem não gosta(ria)?

Hoje o Expresso Curto é escrito por Germano Oliveira - editor online.

Do que li, destaco o seguinte que quero partilhar. 
Assim, podemos proteger-nos ainda mais deste pesadelo, 
pensando  na maravilha que será o pós-pesadelo.

'...pedi ao meus amigos que me dissessem o que mais querem fazer no pós-quarentena, reivindiquei-lhes uma frase, “uma coisa curta mas forte”, e o que eu ando a ler e aqui exponho são os meus amigos, a melhor literatura da minha vida, e isto é o que eles vão cumprir imediatamente depois de vencermos seja lá o que for que está em curso:

Quero abraçar pais e irmãos, quero uma cerveja gelada na praia, quero voltar a respirar maresia e perder o medo do abismo;

Abraçar a minha mãe, o meu pai e a minha irmã. Com a força com que nunca os abracei;

Abraçar pessoas. Família, amigos, colegas, talvez até pessoas random;

Abraçar alguém;

Quero que a minha casa seja assaltada pelos meus, beijá-los e abraçá-los infinitamente;

Demorar-me lá fora. Viver como se todo os dias fossem uma manhã de sábado;

Quero ir para a praia e ficar a olhar para o mar;

Voltar a abraçar a minha neta;

Ir de Lisboa ao Porto a pé;

O que eu mais quero fazer no pós-apocalipse é chegar à conclusão de que não aprendemos nada com isto;

Abraçar e beijar o Miguel;

Abraçar e beijar, rir-me sem pôr a mão à frente da boca num jantar cheio dos meus;

Quero voltar a olhar para o mundo sem ter medo. Que é o que sinto neste momento quando me cruzo seja lá com quem for. E é um sentimento horrível, descontrolado, estúpido;

quero voltar a beijar as lágrimas da miúda e dizer-lhe que está tudo bem: já não caem por medo, é alegria. quero abraçar os meus pais e fingir que não perdemos tempo. quero ser inconsciente com os amigos de sempre e com os amigos que chegaram há dois dias. quero beber e cantar na rua. seguir sem retrovisor, ser sem me apertarem o pescoço;

Beber. O meu vinho acabou de acabar;

Abraçar e olhar todos nos olhos. Tê-los comigo por inteiro;

Levar a minha filha ao parque, ao maior de Lisboa. O do Alvito;

Abraçar-te, minha joia, meu amor, meu calor de quarentena;

A primeira coisa que faria seria um jantar com as minhas pessoas, mesmo que num sítio barulhento, com vinho de pressão servido num jarro mal amanhado e um prato de comida sensaborona e provavelmente oleosa. Lá no fundo, e porque a insatisfação com o presente está na natureza do ser humano, sei que iria reclamar com a falta de cuidado do serviço, irritar-me-ia com os tiques daquele amigo mais maniento e juraria que não mais tornaria àquele lugar. Mas não ia estar a pensar em tudo o que se passou, comigo e com o país, entre o momento em que escrevo e esse jantar. Creio que é isso que quero ter: um pretexto para ter a certeza de que tudo já passou;

Sentir um beijo na cara da minha mãe e apertá-la num abraço;

Dar abraços;

Ir a um concerto com amigos, abraçá-los, sentir-me pequeno no meio da multidão e encontrar conforto na minha pequenez, porque ninguém é sozinho;

Render-me (ao contacto e não à distância);

Depois de o caos acabar, e pensando que provavelmente já vamos estar no verão, quero sentar-me a beber vinho branco gelado com os meus melhores amigos numa noite em que até a brisa seja quente;

Abraçar a minha mãe com muita força, cheirar o ar do verão à noite, ir a Fátima, beber às gargalhadas com os meus amigos à volta da mesma mesa.


Este país vai acabar todo abraçado, alcoolizado e aos beijos depois disto, é uma emergência ficarmos nesse estado triunfante: tenho uma amiga, na verdade não é uma amiga mas um planeta, que está a escrever um diário do seu isolamento, eu li partes e um dos dias acaba assim: “Estamos a ganhar em amor”.

Tenha um bom dia'.



Mais palavras para quê?
 Felizmente, também tenho bons grupos de Whatsapp. 
 Depois do pesadelo, quero dar-vos a todos abraços. 
Celebrar ainda mais a família, a amizade 
e tantas coisas boas que nos rodeiam e que pareciam invisíveis!
 

segunda-feira, 23 de março de 2020

Li hoje no Expresso Curto

"Que a quarentena não seja só um violento recurso forçado, do qual vemos apenas os aspetos negativos. Este pode ser o momento para irmos ao encontro daquilo que perdemos; daquilo que deixamos sistematicamente por dizer; daquele amor para o qual nunca encontramos nem voz nem vez; daquela gratuidade reprimida que podemos agora saborear e exercer",

José Tolentino Mendonça, no ensaio "Redescobrir o poder da esperança", publicado no passado sábado na revista do Expresso.


domingo, 22 de março de 2020

No tempo em que se saía ao domingo...

... o mar ficava mais próximo, havia mais sol nas esplanadas, os jornais traziam notícias mais diversas, as crianças brincavam à vontade com os mesmos objetos, os livros eram lidos e partilhados, os telemóveis utilizados por diferentes mãos, as pessoas abraçavam-se quando se encontravam, os restaurantes estavam abertos e cá fora cheirava a comida quente, as famílias visitavam-se e às vezes até se esqueciam de lavar as mãos, ofereciam-se presentes sem receio do vírus que lhes podia vir agarrado e logo transmitido...

No tempo em que se saía ao domingo, o domingo era diferente dos outros dias e não como outro dia qualquer.
No tempo em que se saía ao domingo, apetecia vestir uma roupa diferente, mas nunca um roupão.
No tempo em que se saía ao domingo, havia cinemas abertos. E centros comerciais de casais tristes ou de jovens ruidosos que ainda não sabiam o que era um domingo sem poder sair nem o que era a vida dos casais tristes à mesa triste de um centro comercial.
No tempo em que se saía ao domingo, havia a marginal de todas as cidades com a maravilha do mar ou do rio cheia de gente a caminhar ou a correr para vencer todas as torrentes diárias.

E como será o tempo em que se vai poder sair de novo ao domingo?
Não sei e julgo que ninguém sabe. Apesar de hoje ser domingo.

O tremeluzir do Vê?


Madredeus - a andorinha da primavera . não muito distante . alma (letra)

Conversa em viagem para rever Bombaim

- Estou contente por poder rever Bombaim.
- Eu também, mas custou-me ver sobretudo os grandes contrastes sociais.
- E as imensas crianças a viver em extrema pobreza.
- Não é de estranhar a constante perseguição que fazem aos turistas.
- Nem as raparigas com crianças ao colo e a tocar nos braços dos estrangeiros, pedindo-lhes esmola.
- E eram incrivelmente bonitas nos seus saris coloridos e com os cabelos negros.
- Assim como os seus olhos e os das crianças.
- Que brincavam nas ruas, apesar das péssimas condições.
- Tudo o que víamos era fascinante e arrepiante ao mesmo tempo.
- E, bem perto, os hotéis de luxo onde só a casta privilegiada entrava.
- E os milhões de turistas vindos de todo o mundo.
- Tal como nós já fizemos.
- Vamos então recomeçar a viagem?
- Sim, já abri o computador e pus o filme.
- 'Quem quer ser bilionário'?
- Neste momento, quero é manter a saúde.
- Falo do filme que vamos ver, de Danny Boyle.
- Desculpa, bora lá, então.



Conversa à beira do cinema

- Mãe, estás ocupada?
- Vou ao cinema, mas diz, filha, diz.
- Vais ao cinema?!!!
- Sim, filha, já me organizei. e vou ao cinema.
- Estás a brincar.
- Vou ver o Casablanca. Quero ver o filme na totalidade.
- E onde é o cinema, mãe?
- Aqui na cozinha, filha. O telemóvel está sem som, está tudo limpo e já fiz café.
- Mãe, então faltam as pipocas!!!
- Não, filha, nunca gostei de ouvir roer e no filme que vou ver não falta nada!

sexta-feira, 20 de março de 2020

Afinal, há coisas no quintal


Muitas vezes, nesta altura do ano,  parece que não há quase nada no meu quintal. E ainda menos este ano.
 As favas e as ervilhas ainda não deram fruto, as couves estão espigadas e cheias de flor, o alho francês não está maduro, os espinafres só aparecem aqui e ali, a salsa está miudinha...
Pois bem, com esta pandemia e para não ir supermercado, tenho colhido o que vejo no quintal. E, curiosamente, tenho encontrado o suficiente para cada refeição. 
De facto, quando há escassez, aprendemos a aproveitar as coisas, bem melhor do que quando se pode sair de casa à vontade e o tempo é de mais abundância. 
Hoje apanhei pequenos espigos de couve, suficientes para uma ou duas refeições.
Amanhã volto lá, porque, afinal, há coisas no quintal.



quinta-feira, 19 de março de 2020

'Pronto. Três dias de escola sem alunos...'


Hoje tive acesso a este texto, de que gostei muito, que Ana Catarino publicou no facebook.
Mostra bem a ligação que existe entre professores e alunos, tantas vezes desconhecida ou não reconhecida.
Reitero, por isso, o que afirmei no post 'Eles merecem o nosso aplauso'.
Quando 'tudoficarbem', todos que trabalham para o bem comum, como os professores, vão, naturalmente, ser mais valorizados.
E é bem necessário, porque a Educação é, cada vez mais, um bem essencial para a Humanidade.
Mas, para já, 'fiquememcasa'!


'Pronto. Três dias de escola sem alunos foi o suficiente para confirmar que EU, para ser professora (e me sentir professora), preciso dos alunos à minha frente, vê-los, ouvi-los, sorrir-lhes, ralhar-lhes...
Não gosto (arrisco dizer que ninguém gosta) desta escola, frenética, absorvente, burocrática, que não nos deixa tempo nem disponibilidade emocional nem paciência para os alunos.
MAS são eles quem mais importa.
Passamos a vida a ralhar que não fazem os trabalhos, que não estudam...
Mas, afinal,  importam-se! Estão a enviar as tarefas resolvidas, apesar dos apesares! Os que podem enviam em word (ou em formatos que eu nem sabia que existiam!). Os outros resolvem no caderno, fazem fotografia e enviam! Afinal, importam-se! Afinal, querem saber!
E eu estou com saudades!
Talvez eles também estejam com saudades!

Ana Catarino

#vaitudoficarbem
#fiquememcasa'

Dia do Pai - 19 de março


Postal enviado pelo Clube das Histórias


'Era uma vez uma menina que pediu ao pai que fosse apanhar a lua para ela.
O pai meteu-se num barco e remou para longe. Quando chegou à dobra do horizonte pôs-se em bicos de sonhos para alcançar as alturas. Segurou o astro com as duas mãos, com mil cuidados. O planeta era leve como uma baloa.
Quando ele puxou para arrancar aquele fruto do céu se escutou um rebentamento. A lua se cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se encrespou, o barco se afundou, engolido num abismo. A praia se cobriu de prata, flocos de luar cobriram o areal. A menina se pôs a andar ao contrário de todas as direções, para lá e para além, recolhendo os pedaços lunares. Olhou o horizonte e chamou:
– Pai!
Então, se abriu uma fenda funda, a ferida de nascença da própria terra. Dos lábios dessa cicatriz se derramava sangue.
A água sangrava? O sangue se aguava? E foi assim.
Essa foi uma vez.'

Mia Couto, Contos do Nascer da Terra


Eles merecem o nosso aplauso


Embora já não esteja no ativo, acompanho de perto o trabalho dos professores, através de amigos e familiares. 
Depois do recente fecho das escolas, pelos perigos de contágio do coronavírus em aglomerados, os professores continuam a desempenhar, em casa, múltiplas tarefas com e para os seus alunos, de acordo com as instruções do Ministério e da direção da escola onde exercem funções.
Através de plataformas e de meios eletrónicos, enviam tarefas sobre as matérias do programa, para os alunos realizarem em casa, podendo, assim, continuar a desenvolver e a aferir conhecimentos.
Esses trabalhos são depois corrigidos e reenviados aos alunos, com propostas para os melhorarem.
Para além disso, os professores corrigem testes, transmitem os dados através de plataformas, etc.
Trata-se de um trabalho quase invisível para muitos que não têm filhos em idade escolar, mas que é essencial. Sem ele, os jovens ficavam a saber menos. E, a nível mais imediato, sem essas tarefas, os jovens dificilmente aguentariam ficar em quarentena. E as famílias teriam muito mais dificuldade em retê-los em casa.
O trabalho dos professores cabe, portanto, no teletrabalho, mas com dezenas e dezenas de destinatários - que nem sempre dispõem dos meios informáticos necessários.
Ao longo desta pandemia, os profissionais de saúde têm tido o merecido e justo reconhecimento geral.
E muitos outros profissionais merecem também o nosso aplauso, porque permitem o acesso a bens essenciais, sem os quais esta crise seria insuportável.
Os professores, a trabalharem nas suas casas, com e para os alunos à distância, estão também a prestar um serviço essencial ao país, a nível imediato e também a longo prazo.
Por isso, os profissionais da Educação, nomeadamente os professores, merecem o nosso justo aplauso.

quarta-feira, 18 de março de 2020

Pedro Barroso - 1950/2020

Ficam as canções. Felizmente!

Haja saúde e a quarentena não desilude!

O tempo de pandemia que estamos a viver é difícil - talvez o mais difícil que muitos de nós tiveram ao longo das suas vidas.
Todos os gestos que fazemos, cada atitude que tomamos pode influenciar quem está à nossa volta. Para o bem e para o mal. E a cadeia pode ser interminável.
Esta crise imensa e global reafirma, sem qualquer contestação, que o papel de cada um é fundamental por onde passa, seja onde for. Seja quem for. Tenha a idade ou estatuto social que tiver.
Felizmente, os seres humanos, de uma maneira geral, têm uma grande capacidade de adaptação. 
No espaço de horas, ouvindo todos os alertas, deixámos de dar beijinhos, apertos de mão, abracinhos... 
Sem abrandar, felizmente também, os afetos tão necessários à vida de todos. O whatsapp e outras redes (que não tenho) facilitam a interação e partilha de muitas preocupações, mas também de motivos de esperança. E de bom humor, que também é fundamental. E de reafirmar que estamos juntos, apesar de cada um estar em sua casa.
E, apesar de haver sempre tantas coisas para fazer lá fora, a grande maioria das pessoas pode e deve ficar em casa. E o que parecia muito importante e urgente, em muitos casos, deixou de ser prioritário. 
E, num momento de mudança de ritmo das nossas vidas, também muita coisa em casa pode ser reorganizada.
Tenho uma amiga que diz que vai pôr muitas coisas em ordem, o que não conseguia fazer há muito tempo.
Por mim, vou tentar ler mais e também arrumar gavetas e prateleiras. E ouvir música. E ver uns filmes. E ver ou ouvir notícias. E passar a ferro. E cozinhar um pouco a mais para congelar e ter para a família. E regar os vasos. E lavar cada vez mais e melhor as mãos...
Mas também quero olhar pela janela e ver as árvores. E o meu quintal. E as pessoas nas varandas. E os amigos a dizerem-me adeus. E olhar as cores incontáveis do céu. E espreitar as estrelas...
Haja saúde e a quarentena não desilude!



João Gil & Ana Mesquita - Memórias de um beijo


Agora, que muitos de nós podemos/temos de ficar em casa, sabe bem ouvir música, como a de João Gil, um músico que muito aprecio. Os desenhos de Ana Mesquita aumentam ainda mais a beleza partilhada. 

terça-feira, 17 de março de 2020

Conversa em dia de aniversário e em tempo de vírus


- Filha, parabéns!
- Obrigada, mãe. É melhor não nos encontrarmos hoje.
- Tenho flores bonitas para ti. Bem as mereces.
- Mãe, podes guardá-las? Desinfeta o que for possível e depois lava muito bem as mãos.
- Claro. Vou pô-las numa jarra e bem à vista. São lindas.
- Não te esqueças também de lavar as superfícies onde as pousaste.
- Não, filha, não me esqueço. Feliz aniversário.
- Bem diferente do que estava à espera.
- E quem estava à espera de tudo isto?!