sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

O Natal e o Ano Novo também podem ser novos rumos!


O saco de serapilheira


Este conto foi publicado este ano na coletânea 
Lugares e Palavras de Natal da Editora Lugar da Palavra.
A ideia surgiu-me quando ouvi contar que uma mãe, pelo Natal,
dava uma saco cheio de prendas ao filho, quando este era pequeno.



Como todos os anos acontecia, chegou o jantar de Natal da pequena mas empreendedora empresa, onde Ivo trabalhava. Vivia-se a descompressão de uns dias de folga, se bem que o trabalho fosse estimulante, reconhecendo a direção que havia sucesso graças à boa produção de todos os colaboradores. A mesa de pingue-pongue, onde saltavam as pequenas bolas nos intervalos da manhã e da tarde, também afastava o acumular de tensões e contribuía para gerar um ambiente de bem-estar e felicidade, sem descurar nunca o empenho e responsabilidade de todas as pessoas que trabalhavam na empresa.
Graças aos lucros, o diretor, com idade semelhante à dos colaboradores e de cabelos compridos, como alguns deles, ofereceu um I-phone a cada um no jantar de Natal como prova de reconhecimento pelo trabalho conjunto.
Felizes e motivados, à volta da mesa do jantar natalício, todos iam contando histórias que lhes vinham para a frente da memória. Uns faziam-no de forma mais contida, outros não poupavam as palavras. Um deles, segurando, orgulhoso, o novo equipamento recebido, começou a falar de alguns presentes, bem menos eletrónicos, que recebera em Natais da sua infância e os outros comensais logo lhe seguiram as pisadas. Uns confessavam que tinham acreditado no Pai Natal até tarde, outros diziam que bem cedo  consideravam o velhinho de barbas brancas apenas personagem de belas histórias inventadas que os ajudavam a adormecer e a sonhar.
Ao administrador, o Natal trazia-lhe a lembrança das velhas tias que, durante a semana do Natal, mantinham, na velha casa e em cima da velha mesa da cozinha, uma bandeja de vidro com uma garrafa de vinho do Porto antigo e finos cálices verdes só utilizados nessa época, ao lado de loiras rabanadas, polvilhadas de  açúcar e canela, para oferecer às visitas que chegassem. Para outro colaborador, o Natal da sua infância representava muita neve e poucas prendas, porque era passado com os pais na Suíça e os gastos tinham de ser reduzidos perante o desemprego iminente.
Ivo sentiu, então, vontade de contar a história que tinha vivido em vários Natais da sua infância em que  o mesmo saco de serapilheira havia estado presente:
Quando começava o mês de setembro, a mãe retomava o trabalho e ele regressava à escola. Por essa altura, a mãe dizia que, férias grandes terminadas, vinha o outono que logo chamava o inverno e com este cavalgava o Natal. Em segredo e longe dos olhares do seu menino, ela começava a reunir presentes para lhe oferecer na noite que para si era  a mais mágica do ano.
Às escondidas, para nunca quebrar a surpresa da noite de Natal, a mãe  punha o  saco grande de serapilheira no armário e nele ia depositando, paulatinamente, inúmeras prendas para o filho: carros, comboios, jogos... que via nas montras das lojas por onde passava, ainda sem quaisquer luzes ou sinais que anunciassem a época natalícia. Quase todas as semanas, consoante as suas possibilidades económicas, comprava um presente que, antes de chegar a casa, misturava com outras coisas para que Ivo nada descobrisse nem adivinhasse. Vendo-o distraído ou a dormir, abria o armário e colocava o novo brinquedo no saco de serapilheira de todos os anos, enquanto o seu coração abarrotava de esperança de ver o filho cheio de alegria a brincar  com todos aqueles presentes no Natal.
Assim, durante vários anos, chegada a noite da consoada, depois da ceia, ela afastava-se discretamente, vestia o fato de flanela encarnada, punha o velho saco de serapilheira com os presentes às costas, batia à porta para cumprir bem a função de Pai ou Mãe Natal e entrava com um oh! oh! oh! oh! magnânimo e folgazão, fazendo oscilar os óculos fininhos na pontinha do nariz, quase invadido pelas enormes barbas de branco algodão.
Logo a seguir, depositava suavemente o saco de serapilheira repleto de presentes no chão e Ivo abria-o perante os olhares atentos dos pais e dos avós. Estes chegaram a dizer uma vez que no seu tempo nem ao oito se chegava e que agora era mais do que oitenta, mas não voltaram a repetir estas ou palavras afins porque não gostavam de incomodar e os olhares que se seguiram não foram os mais amistosos.
Por isso, encher o mesmo saco de prendas foi-se repetindo ao longo de vários anos e Ivo, apesar de estar à espera do monte de presentes na noite de Natal, às vezes desatava a chorar porque, no meio de tantos brinquedos, não encontrava o carro que tinha visto num anúncio da televisão. A mãe ficava dececionada, achava que era ingratidão, mas em breve tudo esquecia e, no ano seguinte, repetia o ritual.
Porém, num outono, faltando ainda bastante tempo para o Natal, a mãe, por descuido, deixou ficar a chave na porta do armário, Ivo abriu-a e o saco de serapilheira logo desabou a seus pés, de tanto peso. De repente, muitos brinquedos ficaram espalhados pelo chão, porque o saco, nessa altura, já estava quase cheio. Curioso, Ivo  sentou-se no chão, sem saber o que escolher. A mãe, que logo surgiu muito aflita, só se lembrou de dizer que o Pai Natal lhe tinha pedido para guardar aqueles presentes. Nesse momento, Ivo olhou a mãe, dizendo, com indiferença, que não gostava de nenhum deles e que, quando  o Pai Natal viesse, os podia levar todos.
Agora, no jantar da empresa, passados mais de vinte anos, Ivo recordava-se que fora a primeira vez que tinha visto o rosto da mãe tão desalentado e a última que aquele saco de serapilheira se enchera de brinquedos  que não chegaram a ser-lhe entregues nesse Natal. Só muito mais tarde veio a saber que a mãe os tinha oferecido a uma instituição, trazendo, no entanto, o saco de serapilheira de volta.
Contada a história, Ivo acrescentou que precisava de telefonar à mãe depois do jantar da empresa. Sabia que ela ainda guardava o velhinho saco de serapilheira. Como este ano ia ser o Pai Natal no infantário do filho,  daria jeito para pôr os presentes que seriam oferecidos às crianças.
O gestor da empresa, com um sorriso descontraído no meio da barba abundante, e Ivo, com um olhar que ainda não tinha descolado dessas memórias do passado, encerraram assim a história do saco de serapilheira:
- A tua mãe merece um bom presente.
- Claro que sim. De certeza que se privava de muitas coisas e eu nem dava valor!
- Não é só por isso.
- Então? É pela quantidade de brinquedos que a minha mãe juntava para me dar no Natal?
-Também não é só por essa razão. Não a conheço, mas de certeza que se fosse agora não acumulava tanta coisa  para te dar de uma só vez porque as mentalidades mudaram.
 - Queres explicar melhor?
- Apesar do excesso de presentes, acho fantástico a tua mãe ter usado sempre o mesmo saco de serapilheira.
- Sim, já tinha pensado nisso.
- E, melhor ainda, sem nunca o trocar pelo plástico!



Vou ler para depois contar


A Clarinha, como todas as crianças, gosta de ouvir e também de contar histórias.
Neste período do Natal, quero ler-lhe algumas. E talvez inventar outras. Eu digo inventar, mas há palavras e situações que dão logo uma história bonita.
Feliz Natal com boas histórias!

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Estrelas natalícias vindas de Maputo!


Obrigada, Irmã Alice, e parabéns pela Missão de ajudar tantas crianças a serem mais felizes! 
Feliz Natal e Bom Ano Novo!

Massa com arte. Vi numa mercearia perto de mim.


domingo, 15 de dezembro de 2019

Palavras improváveis num dia de chuva como o de hoje!


Presente

A música do jardim
vem das magnólias
e dos teus olhos.

Os nossos passos
afligem a terra
poeirenta.

Gaivotas saltam do rio
procurando lugares
onde nos sentamos
e que também ao céu
pertencem.

Ervas vivem deitadas
de tão percorridas
pelo amor que nelas pousa
ou que delas foge.

Abraça-me ao sol
da nossa alegria
sem passado.

Apenas o presente
do teu rosto
ao sol
ouvindo os sons do jardim
e do rio
que  não perturbam o já silêncio
das magnólias
nem o ainda calor das nossas mãos.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

'EXPRESSO curto' mas certeiro!

“Os homens preferem geralmente o engano, que os tranquiliza, à incerteza, que os incomoda”
Marquês de Maricá 

Esta citação vem a propósito das eleições de hoje no Reino Unido. Quem sairá vencedor? Dizem as sondagens que o atual primeiro ministro é pouco confiável porque, 'apesar de culto, é um farsante'.
No entanto, prevê-se que nele votem sobretudo os maiores de 65 anos e as pessoas que habitam longe das grandes cidades, o que pode ser o bastante para uma vitória.

O que se passa no mundo para que governantes pouco fiáveis saiam vencedores em eleições democráticas?
A máxima que inicia o  Expresso Curto de hoje dá  uma das possíveis respostas.

sábado, 7 de dezembro de 2019

Conversa sobre um banco improvável ou talvez não!

- Que achas pôr aqui um banco?
- Acho bem e o sítio é bom.
- Dás crédito, então, à minha ideia?
- Claro! E será um banco com valor bem parado.
- Bem descansado, diria eu.
- Vou ver se arranjo, então, um banquinho engraçado para o Pai Natal.
- Como não acendemos a lareira, pode ficar lá dentro.
- Um banquinho para o Pai Natal descansar um pouco.
- A Clarinha vai adorar.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Não roubemos as cores à Natureza!

Obrigada, amigos, por partilharem estas e outras fotos 
em que a Natureza chama! 
Precisa bem de ser acarinhada!


terça-feira, 3 de dezembro de 2019

'Eu queria ser Pai Natal'

Eu queria ser Pai Natal
e ter um carro com renas
para pousar nos telhados
mesmo ao pé das antenas.

Descia com o meu saco
ao longo da chaminé,
carregado de brinquedos
e roupas, pé ante pé.

Em cada casa trocava
um sonho por um presente.
Que profissão mais bonita
Fazer a gente contente.
Luísa Ducla Soares
Poemas da Mentira e da Verdade
Lisboa, Livros Horizonte, 1999



domingo, 1 de dezembro de 2019

Conversa sem fantasias

- Mãe, sabes que a Clarinha acredita no Pai Natal.
- Que bom. Quando eu tinha quatro anos também acreditava que as prendas eram trazidas pelo Menino Jesus.
- No Natal, a Clarinha vai pôr um sapatinho na chaminé e, quando acordar, vai ver o presente do Pai Natal.
- Que bonito. Vai ficar tão feliz. Quero ver a reação dela.
- Mas não lhe podes dizer a verdade nem te podes rir.
- Achas?
- Acho.
- Também acho que não tenho uma doença rara nas avós que é serem desmancha-fantasias!



Como seria bom haver 'universal consoada'!

 

Natal, e não Dezembro

 Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.

David Mourão-Ferreira, in 'Cancioneiro de Natal'

sábado, 30 de novembro de 2019

Joan Baez - No nos moveran

Conversa em rede

- Fico angustiada ao ver casas já decoradas com a árvore de Natal.
- Não fiques. Dezembro só começa amanhã.
- O pior são as dezenas e dezenas de testes para corrigir.
- Pensa no momento da entrega e na libertação.
- Logo a seguir vêm mais trabalhos e parece que nunca há libertação.
- Existe, sim, ainda que breve, e enquanto dura...



Natal com corações e flores de papel!


segunda-feira, 25 de novembro de 2019

"Fala do Homem Nascido" (1972) "Calçada de Carriche" (versão original) ...

Ainda há tantas 'Luísas'!

Calçada de Carriche
Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

António Gedeão - Poesias Completas (1956-1967)

domingo, 24 de novembro de 2019

Apesar de todas as inquietações, tenham(os) um domingo sereno!


Obrigada, IA, por este post e por tantos e tão bons do teu blogue
 'Bem-Vindos ao Paraíso'!