Tenho dificuldade em passar dias seguidos sem alguns silêncios. De preferência ficar só nem que seja por pouco tempo.
Tudo parece sossegar e distinguir melhor os sons que me rodeiam.
Há muitos muitos anos, num campo de férias, estava uma rapariga que nunca falava às refeições e parecia desligar de todo o ruído envolvente. Dizia que precisava daquele tempo de silêncio para alimentar o corpo e o espírito. Nós, as outras raparigas, que tínhamos comportamentos mais comuns, achávamos estranho, mas julgo que respeitávamos essa opção por ser genuína.
Outro caso de que me recordo é de uma investigadora que, quando participava em congressos que duravam o dia inteiro, almoçava sempre sozinha, porque precisava de recolhimento e de refletir sobre o que tinha ouvido.
Recordo estes e outros casos porque, apesar de ter necessidade de silêncios, não teria a mesma coragem.
E há lugares de continuada vozearia. Quem lá está ou trabalha, muitas vezes, chega a casa e tudo é alto: o som da televisão, do telemóvel, da gritaria...
Um dia, fiz uma viagem de comboio Lisboa-Porto. Na carruagem, vinha pouca gente e eu pensei com prazer que recostaria a cabeça, olhando a paisagem e ouvindo silêncios prolongados. Poderia pensar na vida e talvez tivesse até algumas ideias úteis. Qual quê. Duas ou três pessoas aproveitaram a viagem para porem as conversas de telemóvel em dia. Enviavam, recebiam mensagens e chamadas... Explicavam onde estavam, o que fariam à noite, a que horas, com quem...
Quando cheguei a Campanhã, estava enjoada, mas não era da viagem.
Quando cheguei ao carro, a primeira coisa que fiz foi desligar o rádio.