sábado, 14 de outubro de 2017
quinta-feira, 12 de outubro de 2017
Como é possível?
Nas últimas horas, a "Operação Marquês" integra a agenda de toda a comunicação social. Pela teia de corrupção, pelas somas envolvidas, pelos esquemas perpetrados...
E tão horrível como estes comportamentos de desprezo pelo bem comum e ganância desmedida é a máscara de alguns muito prováveis protagonistas destes crimes que aparecem com voz afável, rosto tranquilo, pose ético-legal a afirmar, perante os portugueses, que estão de consciência tranquila. Disto é exemplo Ricardo Salgado e não só.
Consciência? Que significado terá esta palavra para as pessoas envolvidas diretamente neste caso e que encheram vergonhosamente os bolsos roubando e enganando?Como é possível? Será um caso psiquiátrico no mínimo. E o que é pena é a corrupção ter atingido o máximo com pessoas que tudo deveriam fazer para dignificar as instituições das quais se aproveitaram. E de que maneira.
terça-feira, 10 de outubro de 2017
Talvez espere alguém
A partir do início da tarde, o homem chega numa lambreta muito velha, tira o capacete, também muito velho, e senta-se na ponta do banco da rua para aproveitar melhor a sombra da árvore, porque o outono vai quente e o sol persiste como visita longa e diária.
Tira do bolso um jornal, cruza as pernas e recomeça as palavras cruzadas que não terminou no dia anterior.
Muitas pessoas passam por ele porque em frente fica a estação do comboio e há sempre gente que entra ou que sai.
Raramente levanta a cabeça, embrenhado que está em descobrir a palavra que falta para completar a linha e o quadradinho.
Não sei por que está sempre ali. Talvez espere alguém com quem se cruzou na vida.
E, enquanto espera, para não desesperar, vai cruzando palavras.
segunda-feira, 9 de outubro de 2017
sexta-feira, 6 de outubro de 2017
A rapariga do comboio
A meio da tarde, o comboio chegou à linha 1 à hora prevista. Esperava-o um numeroso grupo de turistas de meia idade. Iam começar a entrar, apressados, numa carruagem já com muitos passageiros de pé. Uma voz, de fora, fez-se ouvir:
- Este comboio não é o nosso; o nosso parte mais tarde e é só para os passageiros dos barcos.
Foi melhor assim, porque havia muita gente, o calor apertava, apesar de ser outono, e o comboio tinha poucas carruagens.
Um casal de namorados, de pé, espreitava a paisagem pela janela e estreitava os rostos; num dos bancos, uma mulher tossia sempre que falava com o marido, abrindo a boca para recolher o ar que lhe faltava. Ao seu lado, um menino dormia tranquilo com a cabeça apoiada numa mochila. As estações iam-se sucedendo.
No espaço entre duas carruagens, um grupo de homens falava de camiões, de estradas europeias, de aventuras e desventuras que vinham à baila como quem puxa raminhos de cerejas... Iam mudando ruidosamente de lugar sem saírem do mesmo espaço limitado. Dois deles seguravam um cigarro nervoso e apagado na mão, pondo-o na boca como se estivessem a fumar.
E a vozearia era mais que muita estrecortada de alguns palavrões fortes e duros como eles.
Faltando uma meia dúzia de estações para chegar ao Porto, entrou uma jovem de óculos e penteado colegiais, de calças largas pelo meio da perna, muito franzina, com ar lavado no banho dos anjos e puxando uma pequena mala de viagem.
Um dos homens disse-lhe que podia ficar ali porque o comboio ia cheio. Ela olhou-o com naturalidade, sorriu e acocorou-se no chão, junto à porta interior, levando os joelhos até à boca. E daí a nada, participava da conversa, não tão barulhenta, como se fossem todos colegas de viagem.
Os homens saíram quase todos antes de chegar ao Porto. Ficaram dois: um dos mais velhos e outro dos mais novos. O mais novo continuava com o cigarro na mão e manteve uma conversa com a rapariga sobre o preço dos cigarros em Espanha. E também da cerveja. E também dos isqueiros. Ela respondia sempre com conhecimento de causa. O mais velho acenava concordante com a cabeça. O mesmo aconteceu quando o mais novo explicou o percurso que ela devia seguir até às Antas.
Quando o comboio chegou ao Porto, a temperatura estava mais baixa. O homem mais novo acendeu o cigarro. O mais velho seguia em silêncio.
Quase me atrevo a dizer que iam a pensar que a rapariga do comboio tinha sido uma visão.
terça-feira, 3 de outubro de 2017
Quem é o pai? Ou a falta das aspas.
Nos últimos dias, tenho visto e ouvido vários debates acerca das eleições autárquicas: dos partidos que saíram vencedores, perdedores ou de "resultados modestos" e verifiquei com mais nitidez que há argumentos que são apresentados por um determinado comentador ou político e são repetidos vezes sem conta por outros intervenientes, como se fossem eles os autores.
Por exemplo, ouvi o comentador e ex-político José Miguel Júdice a argumentar sobre o descalabro do PSD nestas eleições, cujas razões o tinham também afastado do partido, e, posteriormente, vi algumas dessas ideias apresentadas a papel químico por outros colunistas.
Com certeza que seria difícil inovar e como os argumentos eram bons, havia que aproveitá-los.
Como sempre disse aos meus alunos que se devem citar as fontes, isso faz-me alguma confusão.
Mas como se trata de discurso oral, as aspas também não dariam jeito nenhum e muito menos aquele sinal que muitas vezes se faz com os dedos indicadores. E ainda menos citar comentadores da concorrência.
Mas como se trata de discurso oral, as aspas também não dariam jeito nenhum e muito menos aquele sinal que muitas vezes se faz com os dedos indicadores. E ainda menos citar comentadores da concorrência.
Se assim fosse, o gesto das aspas sairia mais vencedor do que o sinal de vitória de alguns candidatos.
domingo, 1 de outubro de 2017
Festa, eleições e como agarrar melhor os boletins
Ainda não eram nove horas da manhã quando saí de casa para ir votar.
Como são também as festas do concelho, haveria muito mais gente e o estacionamento muito mais reduzido. Era um bom motivo para ir a pé. Menos de trinta minutos para ir e outros tantos para regressar.
Pelo caminho, olhei para os campos com os diferentes tons de verde das hortaliças e da erva, reparei nas banquinhas já prontas com as tigelas e garrafas de vinho doce. Faltava o essencial: os clientes e a sopa de nabos.
Mais à frente, as barracas cheias de doces (de amor, da Teixeira, etc), de nozes, de castanhas, de nabos, de vinho doce, de farturas... E também de brinquedos a darem corda até à infância em que tudo era diferente, mas nem sempre melhor.
E os carrosséis e diversões para todas as idades e ousadias também já se faziam ouvir.
Cheguei à assembleia de voto, depois de consultar o quadro com os números e respetivas mesas. Fui para a mesa 2 e a fila estava bastante comprida.
Enquanto esperava, ia olhando à minha volta. Na mesa ao lado, o presidente pedia um pouco mais de silêncio e dizia que não era o sítio para se conversar tão alto. Um munícipe pedia um novo boletim porque, sem querer, o tinha rasgado. Dizia-o perante o ar incrédulo do responsável pela urna. Outro munícipe à minha frente comentava que tal não aconteceria se fosse uma nota de cinco euros.
Chegou a minha vez. O presidente da mesa recomendou-me para, depois de votar, dobrar os três boletins separadamente, enquanto lambia a ponta do dedo para os agarrar melhor antes de mos entregar.
Dirigi-me ao espaço para o efeito e pus a cruzinha, com a caneta presa por um fio do norte, na quadrícula desejada no desejo de ver a autarquia a evoluir cada vez mais.
Ao dirigir-me à porta de saída, vi que as filas tinham aumentado, o que é um bom sinal de democracia, vontade de participar e crença na importância do gesto de cada um.
Talvez por ser cedo, a grande maioria dos votantes eram pessoas de uma certa idade. Os mais novos ainda estariam a dormir.
Ou a correr, ou a praticar desporto, ou com amigos, etc.
Oxalá não deixem de ir.
E oxalá alguém tenha, por exemplo, um dedal de plástico para os presidentes das mesas não terem de lamber o dedo para agarrar melhor os boletins e entregá-los aos munícipes.
Estes pequenos gestos também podem melhorar a festa dos concelhos.
A cada um o seu quintal ou "quero lá saber disso"
Numa das últimas manhãs, em momentos e espaços diferentes, reencontrei uns amigos de longa data. Como é natural nessas ocasiões, a família veio à baila e algumas ocupações do tempo livre também. Um deles ia para o ginásio vários dias por semana. Tinha necessidade de exercício físico. A filha insistia diariamente para que a ajudasse a tratar do quintal. Para além do exercício físico, teriam mais produtos frescos.
Olhou para mim como se o pedido da filha fosse uma coisa do outro mundo e rematou:
- É que eu nunca gostei de hortas nem de flores. Quero lá saber disso.
Para mim, o que era uma coisa do outro mundo era o que acabava de ouvir.
Um pouco mais tarde, cruzei-me com outra pessoa amiga. De novo, a família e alguns afazeres de tempos livres.
E exprimia-se com todo o fascínio amoroso pelo tratamento do quintal, sempre que podia. Também se dedicava ao cultivo de roseiras. Estudava-as com a minúcia de cientista para que as flores fossem perfeitas.
Sorria com o prazer simples do encantamento.
E acrescentou:
- Passo lá muito do meu tempo, mesmo fins de semana. A vizinhança deve pensar que endoideci. Mas quero lá saber disso.
Chego a casa. Vejo que tenho de regar o meu quintal porque não posso perder as hortaliças que utilizo diariamente. Nem os frutos, ainda que poucos. Nem as flores, ainda que menos que no verão. Vou ficar com os pés sujos.
Mas digo para mim:
- Quero lá saber disso.
- Quero lá saber disso.
sexta-feira, 29 de setembro de 2017
"Com licença poética"
Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
quinta-feira, 28 de setembro de 2017
Conduzir, ou não, no século XXI
Dizem os jornais que, na Arábia Saudita, a lei permitirá que as mulheres conduzam. Mas só no próximo ano, porque é necessário tempo de preparação para que tal aconteça, porque, até agora, só aos homens a lei concedia esse direito.
E estamos em pleno século XXI.
E eles vão ter de olhar para elas e elas para eles. E ainda bem, porque os olhos, tal como o algodão, não costumam enganar. A menos que se faça como cá que, quando não dá jeito, nem se olha só para não dar passagem ou para passar à frente!
E o número de pessoas que vão dizer "Vê-se logo que é uma mulher a conduzir" vai ser incomparavelmente maior. As primeiras vão ter a vida mais dificultada, mas não se devem importar muito, porque serão das mais corajosas.
Não sei é se lá também chamarão nomes, escolhendo o tratamento por tu: "Anda mais devagar, ó palerma". "Vai mas é pra casa". "Tiraste a carta por correspondência" e outros mimos, enquanto se abre a janela para chatear já que se está chateado.
Mas, felizmente, as mulheres, por cá, conduzem carros, motas, autocarros, elétricos... Não sei se o metro, mas em Paris ou Londres já vai sendo comum.
Porém, cá em Portugal e já no século XXI, um casal estava com amigos e ela disse que gostava de conduzir, que trazia a carta de condução sempre consigo, mas que não o fazia porque o marido não deixava. Ele, pondo-lhe o braço sobre os ombros, disse que a condução não era para mulheres. Ela encerrou o assunto com um sorriso seráfico e um encostar de cabeça no ombro dele.
E eram pessoas que viajavam, embora, creio, nunca tivessem ido à Arábia Saudita.Mas lá como cá, muitas coisas mudam e, muitas vezes, para melhor.
Não sei se, no caso do tal casal, ele já precisou que fosse ela a conduzir. Nesse dia, ele não hesitaria em dizer-lhe: Despacha-te, parece que não tens carta de condução!
quarta-feira, 27 de setembro de 2017
segunda-feira, 25 de setembro de 2017
Também o tempo estava outonal
São sempre bonitas e variadas estas festas ao ar livre em Serralves.
Por isso, as pessoas de diferentes gerações aderem em massa.
Ontem, pelo meio da tarde, veio uma chuva constante e miúda. Em pouco mais de uma hora, Serralves ficou quase deserto.
No prado, mantiveram-se umas tendas com crianças que, abrigadas e acompanhadas de monitores, continuavam a aprender a reciclar, a pintar...
Não muito longe, uns fornos continuavam acesos e fumegantes, preparados para o pão para as bifanas, que era suposto servir até às 19 h.
Tal como na história de olhar o copo meio cheio ou meio vazio, felizmente cheguei pelas quatro horas e ainda deu tempo para ouvir um pouco de história infantil, musicada e muito bem contada (1ª e 2ª fotos); olhar o prado bem animado, com muitas barraquinhas, onde havia castanhas assadas e café, ver as hortinhas e as abóboras colhidas e alinhadas; ouvir os animais que vivem na quinta; ver muitas crianças deliciadas a brincar com a palha cortada (ai como a Clarinha também gostaria!); olhar as árvores tingidas de tons avermelhados e amarelos, passar pelos grandes cogumelos, espalhados pela quinta, feitos com materiais reciclados, assistir a uma instalação com uma jovem que se movimentava e exprimia utilizando uma pequenina casa de madeira colocada sob as árvores...
E chegou a chuva - que é mesmo muito necessária, mas que, no momento, não vinha a calhar. Não era muita mas molhava mesmo!
Pois, não se pode ter tudo!
domingo, 24 de setembro de 2017
Os dois irmãos
Pont de Moret, 1893, Alfred Sysley |
Casaram. Tiveram filhos. Tiveram netos. Mantiveram, porém, o aperto, embora diferente. Era a língua. Era a lonjura. Era a solidão. Era a precariedade do trabalho. Era a saúde que já tinha falhado várias vezes.
Foi sobretudo a pós-reforma. Para onde iriam se regressassem a Portugal? Tinham-se mantido ambos nos países de acolhimento, como se o tempo fosse eterno e a vida se mantivesse intacta.
Foi sobretudo a pós-reforma. Para onde iriam se regressassem a Portugal? Tinham-se mantido ambos nos países de acolhimento, como se o tempo fosse eterno e a vida se mantivesse intacta.
Os dias continuavam e os obstáculos não lhes matavam os sonhos.
Um deles, o mais novo, fazia exercício físico que o tirava de casa todos os dias.
E dizia com um sorriso sonoro e prolongado, a pedir elogio e reconhecimento: Estou a trabalhar para a maratona.
O mais velho persistia ligado ao seu amor pela vida, mas entristecia pelos ciúmes da mulher. Que lhe roubavam carinhos e sorrisos.
E desabafava como quando namoravam: eu amo-a tanto!
E isto passava-se em dois países europeus diferentes. Separados por montanhas, cidades e muitas realidades, umas diversas, outras semelhantes.
Separados sempre tinham estado os dois irmãos.
Aproximava-os a idade: um ia fazer oitenta e oito anos, o outro tinha festejado mais um.
sábado, 23 de setembro de 2017
sexta-feira, 22 de setembro de 2017
Vou seguir o conselho
"Já
ouviu falar em virtuosismo na música? Se não sabe o que é, ouça este
disco sem palavras, só sons. Fica-se reconciliado com a vida. Algumas
faixas vai reconhecê-las sem dificuldade, embora vestidas com outras
roupagens – El Dia Que Me Quieras, Adiós Noñino – outras vão
surpreendê-lo tanto que não vai cansar-se de as ouvir."
Nicolau Santos, Expresso Curto de hoje, 22 set.
Nicolau Santos, Expresso Curto de hoje, 22 set.
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