segunda-feira, 15 de maio de 2017

Diário de Mariana - Voltei

Querido diário,
Agora é que vejo como já não te visitava há tanto tempo. E gosto tanto de escrever nestas páginas, mas parece que o tempo é sempre pouco para tanta coisa que há para fazer. E este ano tenho tanta coisa para estudar. E Os Maias que nunca mais acabam. Para entrar mesmo lá dentro é preciso tempo e se leio aos bocadinhos, perco o fio à meada. Um dia destes, fechei-me no quarto à chave porque pensei cá pra mim: "a setora diz que é uma obra maravilhosa e só a ama quem a conhece" e eu quero ver se ela tem razão ou não. 
Não sabia era que ia dar tanta confusão, porque a minha irmã mais velha veio a casa, não me viu, chamou por mim e, como eu estava fechada no quarto, ela imaginou logo coisas, tipo baleia azul ou assim. 
Ela passou-se quando eu lhe disse que não podia abrir a porta porque queria acabar o capítulo. Como sempre, não me levou a sério e disse que ia arrombar a porta. Eu deixei de responder a pensar que ela me deixava em paz, mas nada disso, começou aos murros e ia pifando o fecho da porta. Fogo, que nervos.
Não tive outra solução e abri a porta, furiosa.
Acabou por me pedir desculpa e lá veio a lição de moral: "se às vezes não andasses na lua, não tinha havido esta cena".
Eu nem disse mais nada para não me chatear e acabei por fechar o livro mais uma vez e fui comer bolachas.
Eu acho que sou um bocadinho como o Salvador. É verdade. Não tremas a rir-te de gozo, querido diário. Eu acho que ele diz coisas mesmo fixes que não são copiadas nem para lhe baterem palmas e deve ser por isso que tanta gente gosta dele. Gostei mesmo quando ele disse que era feliz quando fazia as coisas à vontade. Eu disse logo: "estou contigo, Salvador".
E fico com vontade de ser boa pessoa quando estou a ouvir a canção que ganhou o festival, mas não acho bem que esqueçam a irmã dele, a autora da música e da letra. Parece que é tudo Salvador, Salvador, Salvador. Pareço eu e as minhas irmãs. Elas é que merecem todos os elogios e eu fico na sombra (esta comparação não teve jeito nenhum, mas eu sei que me compreendes, querido diário).

Até breve, querido diário
Um abracinho
Mariana

 

domingo, 14 de maio de 2017

A vitória

Ontem, nem parecia verdade o que se estava a ver: a Europa rendida perante uma canção portuguesa nada (felizmente!) festivaleira.
Ouvi que Salvador Sobral "era uma star anti-star". Talvez. De facto, tudo flui com naturalidade, beleza, simplicidade. 
Os dois irmãos são simpáticos, educados, cultos, criativos, atentos ao mundo - que melhor imagem poderia ser dada de Portugal?
E a canção é linda. É como se se apagassem as luzes de todos os artificialismos para viver a verdade da música, da voz, da letra e dos sentimentos.
A vitória bem merecida alegrou imensos portugueses. Ainda bem.
Salvador conheceu ainda outra vitória: a do Benfica no Campeonato.
Pois, não se pode querer tudo!!!

Com os nossos olhos

Ontem, ouvi uma jornalista (Fátima Campos Ferreira) dizer que o Papa tinha cumprimentado, individualmente, todos os jornalistas na viagem aérea de Itália para Leiria, e com todos trocou algumas palavras, olhando-os nos olhos, como se só essa pessoa estivesse no avião.
Hoje, vi imagens da tomada de posse do presidente francês Emmanuel Macron que cumprimentou os convidados, parando junto de cada um e não apenas os instantes fugazes de um cumprimento.
Estes, aparentemente, pequenos gestos podem, para além de algum ritual de cerimónia, significar que todas as pessoas são importantes. Possam ir modificando modos de relacionamento que, consciente ou inconscientemente, são postos em prática seja onde for.
Um olhar pode, de facto, facilitar a aproximação; desviar o olhar ou nem sequer dirigir os olhos na direção de alguém pode levar a um afastamento. Por exemplo, alguns alunos queixam-se de que há professores que não os "veem" porque não olham para eles.
Há muitos muitos anos, num pequeno hotel de termas onde estava com os meus pais, as pessoas confraternizavam, sobretudo ao final do dia. Havia, então, uma senhora que eu via no átrio muitas vezes e que se sentava, como os demais, para conversar, mas que me causava muita confusão. Quando falava, fechava sempre os olhos, não olhando para a pessoa com quem conversava. Eu interrogava-me por que o fazia, porque achava estranhíssimo que não olhasse o rosto nem os olhos das pessoas, como se neles encontrasse uma luz que não pudesse enfrentar. Foi uma imagem que me ficou e que é recorrente na minha memória. 
Felizmente, há coisas que vão mudando para melhor. Oxalá os nossos olhos também ajudem.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

"A casa dos beijos"

Gustav Klimt

"Iam os dois pela rua, de mãos dadas. Dir-se-ia que não pisavam o chão. Dir-se-ia que deslizavam, que vogavam, que voavam. A felicidade estava-lhes cunhada nos rostos; e também nos gestos, nos sorrisos, no olhar. Iam de mãos dadas pela rua e iam muito felizes.
Ela tinha os cabelos longos e soltos, o tronco alto. Os seios puxados para a frente, as pernas esbeltas e livres, saias curtas. Ele era um pouco mais alto, um pouco apenas, camisa aberta, calças de ganga, uma pequena mala, daquelas malas dos antigos guarda-freios da Carris, a tiracolo. Isso: a mala estava a tiracolo, e eles iam muito felizes, os dois, de mãos dadas.
Nem sequer reparavam que muitas pessoas os observavam. Algumas pessoas com a conivência de um sorriso. Outras pessoas com um ressaibo de inveja, no olhar de esguelha. Pararam um pouco em frente à Pastelaria Suíça, no Rossio, ele disse qualquer coisa a ela, ela encolheu os ombros. Não deixavam de sorrir enquanto conversavam. Depois entraram e beberam café.
A esplanada da Suíça estava cheia de sol e de estrangeiros. Um vendedor de lotaria ofereceu jogo. Um rapaz sujo pediu algum dinheiro. Dois homens encontraram-se e abraçaram-se com efusão. Uma mulher apressada deu um encontrão num cego. Um cigano tentava vender relógios. Um polícia contemplava as coisas com evidente indiferença.
O rapaz e a rapariga decidiram, depois de tomar café, passear pelo Rossio. Estavam muito felizes. E é bom que se repita isto, porque as pessoas, habitualmente, andam para aí cheias de infelicidade, ao menos que haja alguém feliz, mesmo que seja uma ou duas pessoas.
Passeavam pelo Rossio e, de vez em quando, davam beijos, sempre sorrindo um para o outro, como se estivessem a sorrir para todo o mundo, e todo o mundo experimentava uma grande sensação de espanto e de júbilo. Paravam junto às montras do Rossio, olhavam, claro, mas não fixavam nada do que nas montras se expunha, só sabiam um do outro, só estavam ali juntos para apenas estar um com o outro, juntos e assim mesmo: de mãos dadas e aos beijos.
Foi numa dessas ocasiões. Beijavam-se tão felizes, tão um do outro, que essa felicidade molestou uma senhora obesa e flácida. A senhora obesa e flácida estacou, indignada, a fuzilá-los com as balas do ódio. E gritou:
— Não podiam fazer isso em casa?
A rapariga dos longos cabelos e seios puxados para a frente deixou o beijo a meio. O rapaz experimentou uma estranha sensação de pasmo. Olharam-se. E foi então que a rapariga respondeu, indicando tudo em derredor:
— Esta é a nossa casa!
Nesse instante trémulo, o mundo, feliz, começou a aplaudir."

Baptista Bastos, in Lisboa Contada pelos Dedos


Sempre gostei desta crónica pela bela expressão das emoções,
pelos laços amorosos entre duas pessoas, pelo pulsar da cidade, pelo abraçar de um espaço público também amado...
Quando, ontem, soube da morte do escritor, logo me lembrei deste texto.
Triste é a morte, mas quando a obra se abre logo aos olhos, a vida fica sempre a ganhar.

"O mundo precisa de um Papa?"

 

"Verdadeiramente, o que se está a perguntar é se o mundo precisa de um pai. Não há dúvidas que a figura do pai precisa de ser recuperada. A sua autoridade não tem de ser a da severidade e intransigência da lei, mas a do exemplo e da confiança. O pai não tem de ser a personagem punitiva que nos rege pela culpa, mas aquele que nos inspira pela sua coragem e misericórdia. O mundo pode amar o Papa Bergoglio por muitas razões, mas talvez a mais decisiva, a que mais nos comove e transforma, é sentirmos ao escutá-lo que estamos a escutar um pai. E infelizmente o mundo não tem tantos assim

É evidente que a modernidade lança um olhar de desconfiança em relação a títulos do âmbito religioso que lhe soam como arcaísmos, ilegíveis à luz da sua mundividência: vigário de Cristo, sumo pontífice, sucessor do príncipe dos apóstolos, servo dos servos de Deus, etc.
De facto, os títulos transportam consigo uma espessura histórica inalienável e uma semântica que não é só passível de ser criticada do exterior, mas tem sido, deve dizer-se, alvo também de um debate interno persistente. Aí, o Concílio Vaticano II (1962-1965) desempenha um papel absolutamente referencial na atualização simbólica da representação do poder espiritual. O Papa Paulo VI foi o último a usar a tiara papal (uma coroa particular construída por três coroas que indicavam o tríplice poder do pontífice: Pai dos Príncipes e dos Reis, Reitor do Mundo e Vigário de Cristo na terra). Usou-a na coroação papal, em 1963, e aboliu em seguida o seu uso.
Paulo VI foi também o último a vestir o manto papal, já depois de o ter tornado mais breve. O Papa João Paulo I, por sua vez, foi o derradeiro a mostrar-se na chamada sedia gestatoria (uma espécie de trono móvel), mas sem o esplendor que vemos nas estampas de outras eras. Com o Papa João Paulo II entramos na época do papamóvel. Estamos a falar de uma revisão de símbolos? Sim. Mas esta redefinição simbólica não deixa de ter consequências a nível da compreensão do papel do Papa. Esta compreensão tem uma dimensão ad intra, que se prende com o ecumenismo entre as várias igrejas cristãs historicamente independentes do Bispo de Roma, e uma dimensão ad extra, que tem a ver com o papel do papa para o mundo.
Olhemos para a primeira dimensão. O Papa João Paulo II (que teve sempre como teólogo de suporte Ratzinger, o futuro Bento XVI) compreendeu bem que a questão do papado do bispo de Roma continua a não ser completamente pacífica entre as diversas denominações cristãs. E escreveu, em 1995, uma encíclica sobre o diálogo ecuménico, intitulada “Ut unum sint”, onde surpreendeu muitos por ter mostrado abertura para refletir sobre o que significa o próprio papado. Escreve ele: “é significativo e encorajador que a questão do primado do Bispo de Roma se tenha tornado atualmente objeto de estudo, imediato ou em perspetiva, e igualmente significativo e encorajador é que uma tal questão esteja presente como tema essencial não apenas nos diálogos teológicos que a Igreja Católica mantém com as outras Igrejas e Comunidades eclesiais, mas também de um modo mais genérico no conjunto do movimento ecuménico” (nº 89). Quer dizer: o tema da configuração do papado continua sobre a mesa. E é interessante, a esse nível, constatar que, desde a primeira hora, o título que o papa Francisco reserva para si é o mais despojado e o que coloca menos problemas em termos ecuménicos: o de bispo de Roma. Além de estar a revalorizar imensamente a teologia da sinodalidade.
Mundialmente, e já para passarmos à dimensão ad extra, o bispo de Roma é conhecido como Papa, e é um dos títulos espiritualmente mais densos e eficazes. Deriva do termo grego pàppas, uma fórmula familiar para dizer “pai”, e que é atestada desde o século III. Por isso, quando se pergunta “o mundo precisa de um papa?”, verdadeiramente o que se está a perguntar é se o mundo precisa de um pai.
Se há figura que a contemporaneidade tem demolido é a paterna. Jacques Lacan falava da “evaporação do pai” da nossa civilização, com a turbulenta orfandade para que tal nos remete. Não há dúvidas que a figura do pai precisa de ser recuperada. E isso só pode acontecer, não pela reposição dos velhos paradigmas parentais de que saudavelmente nos libertámos, mas pela emergência de novas figuras de paternidade, que a reinventem em chave positiva. A autoridade do pai não tem de ser a da severidade e intransigência da lei.
Deve ser a do exemplo e a da confiança. O pai não tem de ser a personagem punitiva que nos rege pela culpa, mas aquele que nos inspira pela sua coragem e misericórdia.
Concluindo: o mundo pode amar o Papa Bergoglio por muitas razões, é verdade. Mas talvez a mais decisiva, a que mais nos comove e transforma, é sentirmos ao escutá-lo que estamos a escutar um pai. E infelizmente o mundo não tem tantos assim."

José Tolentino Mendonça

in EXPRESSO CURTO, 10 de maio 2017

domingo, 7 de maio de 2017

Dia da Mãe

Almada Negreiros

segunda-feira, 1 de maio de 2017

domingo, 30 de abril de 2017

Em domingo chuvoso

Once upon a summertime, if you recall
We stopped beside a little flower stall
A bunch of bright forget-me-nots
Was all I’d ever let you buy me

 

Once upon a summertime just like today
We laughed the happy afternoon away
And stole a kiss at every street cafe

 

You were sweeter than the blossoms on the tree
I was as proud as any girl could be
As if the mayor had offered me the key
To Paris

 

Now another winter time has come and gone
The pigeons feeding in the square have flown
But I remember when the vespers chimed
You loved me once upon a summertime

 

Now another winter time has come and gone
The pigeons feeding in the square have flown
But I remember when the vespers chimed
You loved me once upon a summertime.

 

Compositores: Eddie Barclay / Eddy Marnay / J. Mercer / Michel Jean Legrand

 

Coisas pequenas com importância


sábado, 29 de abril de 2017

Os 100 dias de Trump ou a caricatura

Vale a pena ver este pequeno vídeo dos Simpsons sobre os 100 dias de governação de Trump.
O humor, muitas vezes, é bem certeiro.




pehttps://www.theguardian.com/tv-and-radio/video/2017/apr/27/watch-the-simpsons-take-on-trumps-first-100-days-in-office-video

Chuck Berry - Depois

Chuck Berry - Antes

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Mário Lúcio

"Nascido em 1964 no Tarrafal, no norte da Ilha de Santiago, Lúcio Matias de Sousa Mendes, ou Mário Lúcio de nome artístico é descrito como “um militante da união na diversidade.”"

http://www.voaportugues.com/a/article-1-14-11-mario-lucio-cverde-voa-113619344/1259340.html

SEMPRE

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'O Nome das Coisas'


Van Gogh

terça-feira, 25 de abril de 2017

"Os dois pássaros"


segunda-feira, 24 de abril de 2017

Rio e mar aqui tão perto - felizmente!



domingo, 23 de abril de 2017

Ontem, na Biblioteca Almeida Garrett!

Comemorando o Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor, a Biblioteca Almeida Garrett, no Porto, realizou, ontem, dia 22 de abril,  uma sessão de leitura de textos curtos e de diferentes autores.
Foi um bom fim de tarde a ouvir textos bem escolhidos e bem lidos. 
Às vezes, estas atividades (aparentemente) simples são as mais conseguidas. 
Gostei muito, tanto pelo conteúdo dos textos - divididos em três temas: Livros, Animais e Porto - como pelo amor pelas palavras com que foram comunicados pelos diferentes leitores.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

terça-feira, 18 de abril de 2017

Uma cidade em que tudo parece estar feito

Há cidades - poucas, acho eu - em que parece já estar tudo feito, como Copenhague, com a sua imensa planura e frescura.
Nas vias, há espaços próprios para os carros, para as bicicletas e para os peões. As bicicletas são em em grande número e obedecem a semáforos específicos. 
São imensas as imagens de grande beleza na passagem rápida das bicicletas transportando pessoas de todas as idades. Esse hábito vê-se também na forma ligeira como as pessoas se deslocam, tanto de bicicleta como a pé.
Como o clima regista baixas temperaturas, logo que o sol aparece, os espaços públicos enchem-se e as esplanadas ou qualquer degrau em que as pessoas se possam sentar ganham mais vida.
Parecem estar todos habituados a pouco desperdiçar, incluindo o sol. Este é que nem sempre brilha, embora pareça brilhar para todos.

Copenhague - no fim de semana da Páscoa