Durante duas semanas, quase não vi a luz do
dia, apenas a espreitava quando Helena
abria a carteira.
Ela anda sempre com um livro e, desta vez,
coube-me a mim acompanhá-la. Só que entrei na vida dela em má altura. Quero
dizer: quando entrei na sua carteira. Como passo a vida às escuras, fechado,
sem quase nada para dar nem receber, oiço conversas de Helena.
- Ando a ler um livro de José Rodrigues
Miguéis. Tem um conto fabuloso.
E, precisamente no momento em que ia
mostrar o livro, a campainha tocou e Helena foi para a aula, porque é
professora e não gosta de se atrasar. Nem que seja por uma boa causa, como é
falar de um livro. E, neste caso, um bom livro. Pareço vaidoso, mas estou só
a elogiar quem me pensou, quem me escreveu, quem me deu vida, podendo, assim,
embelezar a vida dos outros.
O tempo em que tenho mais luz é quando
Helena está a dar as aulas. Ela chega à sala, pousa a carteira e deixa-a
ficar aberta. Como a mesa é junto à janela, eu olho para cima e vejo as
nuvens, a palmeira do jardim, as árvores com as folhas pintadas do vermelho
de outono… Uma vez até vi um arco-íris, numa aula em que os alunos estavam a
fazer teste e mal se ouviam.
Uns dias depois, ouvi Helena dizer:
- Com tantos testes para corrigir nem há
tempo para ler.
E eu logo pensei: pronto, já sei, mais uns
dias nesta escuridão. É como se viajasse no porão de um avião, no meio de
malas e outras mercadorias, sem ver os passageiros. O que vejo à minha volta
é uma agenda, uma fatura da água, um chocolate que já vai a meio, um
porta-moedas…
|
Um
dia, Helena entrou na Escola à pressa, porque já tinha tocado para dentro, e
pôs o guarda-chuva molhado dentro da carteira, indo encostar-se mesmo ao meu
rosto, isto é, à minha capa. Enregelei, senti alguma raiva e apetecia-me
gritar:
-
Helena, atiras o guarda-chuva para dentro da carteira e esqueces-te de quem
está aqui! Eu podia dizer “do que” está aqui, mas acho que posso dizer
“quem”, porque sinto-me humano, falo da vida mais profunda das pessoas,
ajudo-as a pensar, a sentirem-se valorizadas… Mas a minha voz não se ouve do
mesmo modo.. Eu falo em silêncio e só para quem me lê ou escuta através da
voz de alguém.
Nesse
dia de inverno, mas de muito calor na sala de aula, Helena pousou a carteira,
sem a abrir. O guarda-chuva humedecia o meu corpo, isto é, as minhas páginas
e o chocolate, que já estava a meio, começou a derreter e sujou-me todo.
A
aula parecia interminável. Eu queria que Helena me tirasse daquele mundo de
cheiros húmidos e viscosos. Ouvia perguntas, respostas, Helena a recordar que
se diz “folhear” e não “desfolhar” um livro. E eu a pensar: estou feito, vou
ser desfolhado sem haver tempo para ser folheado!
Nisto,
tocou para fora. Que alívio, pensei, Helena iria libertar-me? Porém,
permaneci fechado até à noite. Quando me viu naquele estado, parecia,
docemente, pedir-me desculpa. Se eu pudesse falar, diria:
-
Não te preocupes, Helena, eu sei que, apesar de tudo, como livro que sou,
para ti sou melhor do que chocolate.
|
quarta-feira, 2 de março de 2016
O livro, o guarda-chuva e e o chocolate
sábado, 27 de fevereiro de 2016
Impossível não falar de Saudade
Sem saudosismos!
Those were the days
Once upon a time there was a tavern
Where we used to raise a glass or two
Remember how we laughed away the hours
And think of all the great things we would do
Where we used to raise a glass or two
Remember how we laughed away the hours
And think of all the great things we would do
Those were the days my friend
We thought they'd never end
We'd sing and dance forever and a day
We'd live the life we choose
We'd fight and never lose
For we were young and sure to have our way.
La la la la...
We thought they'd never end
We'd sing and dance forever and a day
We'd live the life we choose
We'd fight and never lose
For we were young and sure to have our way.
La la la la...
Then the busy years went rushing by us
We lost our starry notions on the way
If by chance I'd see you in the tavern
We'd smile at one another and we'd say
We lost our starry notions on the way
If by chance I'd see you in the tavern
We'd smile at one another and we'd say
Those were the days my friend
We thought they'd never end
We'd sing and dance forever and a day
We'd live the life we choose
We'd fight and never lose
Those were the days, oh yes those were the days
La la la la...
We thought they'd never end
We'd sing and dance forever and a day
We'd live the life we choose
We'd fight and never lose
Those were the days, oh yes those were the days
La la la la...
Just tonight I stood before the tavern
Nothing seemed the way it used to be
In the glass I saw a strange reflection
Was that lonely woman really me
Nothing seemed the way it used to be
In the glass I saw a strange reflection
Was that lonely woman really me
Those were the days my friend
We thought they'd never end
We'd sing and dance forever and a day
We'd live the life we choose
We'd fight and never lose
Those were the days, oh yes those were the days
La la la la...
We thought they'd never end
We'd sing and dance forever and a day
We'd live the life we choose
We'd fight and never lose
Those were the days, oh yes those were the days
La la la la...
Through the door there came familiar laughter
I saw your face and heard you call my name
Oh my friend we're older but no wiser
For in our hearts the dreams are still the same
I saw your face and heard you call my name
Oh my friend we're older but no wiser
For in our hearts the dreams are still the same
Those were the days my friend
We thought they'd never end
We'd sing and dance forever and a day
We'd live the life we choose
We'd fight and never lose
Those were the days, oh yes those were the days.
La la la la...
We thought they'd never end
We'd sing and dance forever and a day
We'd live the life we choose
We'd fight and never lose
Those were the days, oh yes those were the days.
La la la la...
Songwriters
GENE RASKIN
GENE RASKIN
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
Falaram-me do Uruguai e fiquei com curiosidade
Joaquín Torres Garcia - pintor uruguaio (1874-1949) |
Preciso tiempo necesito ese tiempo
que otros dejan abandonado
porque les sobra o ya no saben
que hacer con él
tiempo
en blanco
en rojo
en verde
hasta en castaño oscuro
no me importa el color
cándido tiempo
que yo no puedo abrir
y cerrar
como una puerta
tiempo para mirar un árbol un farol
para andar por el filo del descanso
para pensar qué bien hoy es invierno
para morir un poco
y nacer enseguida
y para darme cuenta
y para darme cuerda
preciso tiempo el necesario para
chapotear unas horas en la vida
y para investigar por qué estoy triste
y acostumbrarme a mi esqueleto antiguo
tiempo para esconderme
en el canto de un gallo
y para reaparecer
en un relincho
y para estar al día
para estar a la noche
tiempo sin recato y sin reloj
vale decir preciso
o sea necesito
digamos me hace falta
tiempo sin tiempo.
Mario Benedetti
Poeta, escritor e ensaísta uruguaio (1920-2009)
domingo, 21 de fevereiro de 2016
HUMANOS - QUERO É VIVER
As meninas que morreram em Oeiras.
A menina que ficou sozinha num prédio de luxo, caiu sozinha, morreu sozinha.
A violência entre casais.
As agressões a velhos.
Os roubos.
As mentiras.
As corrupções.
A poluição.
As mortes indevidas.
Os sonhos cortados pela base.
(...)
"Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?"
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?"
Os Lusíadas, Canto I
36 Hours in Porto, Portugal
From its stunning Beaux-Arts
station to its cool bars serving Porto’s signature drink, this charming
city combines the best of old and new.
Stunning 18th- and 19th-century buildings, new indie bars and restaurants and a laid-back vibe,
facilitated by the excellent wine — it’s hard to find anything to
dislike about Porto. Its walkable center is crammed with cobbled streets
and balconies adorned with flowerpots, and the
city’s love of food and design is apparent in concept stores and trendy
restaurants offering innovative small plates. An ideal day in Porto
combines both the grandeur of its history and its very up-to-the-minute
cool.
(...)
By NELL McSHANE WULFHART
sábado, 20 de fevereiro de 2016
A cadeira
Kandinsky |
Ontem
num Museu
Visitante
(voltada para as três amigas também visitantes):
- Esta
cadeira é uma réplica de uma cadeira de Kandinsky.
As três amigas não conheciam e falaram do assunto e também de Kandinsky como
pintor.
Foi
quando uma das visitantes se aproximou de uma vigilante:
- Boa
tarde! O nome Kandinsky diz-lhe alguma coisa? Sabe se foi ele o criador do
modelo daquela cadeira?
A
vigilante fez sinal negativo com a cabeça. Não, esse nome não lhe dizia nada.
Logo de
seguida, por iniciativa própria, pegou no intercomunicador e perguntou para a
receção:
-
Colegas, sabem-me dizer o nome do autor da cadeira do corredor das esculturas?
Resposta,
bem audível, do outro lado:
- Não
sei, mas há dessas cadeiras na Área do Norte Shopping,
As
visitantes continuaram a visita depois de agradecerem e de darem uma boa
gargalhada.
Kandinsky |
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
Até às lágrimas
GOTA DE ÁGUA
Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.
António Gedeão
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016
Um bom momento
Fernando Pessoa, numa rua da Bulgária |
A turma fazia a correção do último teste de Português. Num dos textos para análise, era referido o poema "Tabacaria" de Fernando Pessoa.
A professora, com ar de enlevo e motivação, disse que gostava muito do início deste poema. E citou de cor:
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo".
A turma, habitualmente sossegada, aproveitava, no entanto, qualquer paragem ou abrandamento para conversas paralelas.
E assim aconteceu, mais uma vez.
A professora, então, disse: Acho que me vou sentar. Parece que não existo porque ninguém me ouve.
Foi quando uma voz do fundo da sala se elevou:
- Mas, professora, ... para além disso, tem em si todos os sonhos do mundo!
A professora sorriu, continuou a aula, enquanto pensava para si que fora, de facto, um bom momento.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2016
Dobradinha em quatro
Catalina Alwin |
Na escola, continuava uma campanha de solidariedade para ajudar uma aluna que ficara com graves sequelas após uma operação que, aparentemente, não traria quaisquer complicações. Sem ajudas exteriores, dificilmente os pais poderiam fazer frente a todas as despesas.
A comunidade escolar mobilizou-se, graças a um grupo de professores.
Houve recolha de donativos, lanches, saraus, etc. e o objetivo era comum: angariar fundos para ajudar Maria, que deixara de ser autónoma.
E os olhos de muitos sorriam perante alguns jovens que tomavam iniciativas para ajudarem a colega de escola, de muitos até desconhecida.
O tempo foi passando, muitos professores e alunos chegavam à escola pela primeira vez, outros tantos iam saindo. Algumas atividades, porém, persistiam porque muitos continuavam a acreditar no valor da solidariedade.
Assim, uma vez por mês, um rapaz, pré-universitário, excelente aluno, no final da aula, aproximava-se discretamente da diretora de turma e dizia: É para a Maria, abrindo a mão, sem alarde. A professora agradecia, reconhecendo a generosidade e acrescentando que, no intervalo seguinte, entregaria o donativo ao grupo dinamizador. O grupo iria também apreciar muito este gesto. E ele dizia: eu apenas gosto de ajudar, entregando a pequena nota. Dobradinha em quatro.
Felizmente (ainda) há jovens assim.
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