Desde que vi o filme "Para-me de repente o
pensamento" (de 2014) do realizador Jorge Pelicano (nascido em 1977), fiquei com mais curiosidade de visitar o
Centro Hospitalar Conde Ferreira (criado em 1883), no Porto.
Diálogos como o do Sr Abreu, sobre a vida quotidiana, com um colega, passeando sob
as árvores do vasto jardim, são inesquecíveis.
Ontem, felizmente, surgiu uma oportunidade. Acompanhei, numa visita de estudo,
duas colegas, professoras de Psicologia, e duas turmas do 12º ano.
E todos pudemos ver que o trabalho que se desenvolve na Instituição revela muita dedicação, muito profissionalismo, muito amor pelos outros, muita vontade de ajudar quem precisa de tratamento mental e que, pelas mais variadas razões, perdeu a maravilha que é viver com autonomia.
Confirmámos, na prática, que, lá, os doentes não são vistos como "alienados", como antigamente se escrevia e dizia, mas como pessoas, com direitos e deveres, que necessitam dos cuidados adequados. E tudo feito com a habitual e tão conhecida escassez de verbas.
Dos 320 doentes lá internados, apenas duas dezenas têm visitas. Os outros, logo a grande maioria, não falam com a família nem amigos há muito tempo. Porque estão longe, porque comunicam de maneira diferente, porque não há tempo, porque não vale a pena, porque a vida é difícil para todos, porque também há muitas solidões a percorrer, porque... porque
Para além do internamento, o hospital funciona como Centro de Dia e acolhe pessoas que padecem, por exemplo, da doença de Parkinson.
Ao longo da visita guiada, ficámos a saber que na Instituição, ligada à Misericórdia, trabalharam grandes nomes da Medicina, como Egas Moniz, Prémio Nobel, nomeadamente na execução de perícias.
E lá estiveram internadas pessoas como um filho do escritor Camilo Castelo Branco, o poeta Ângelo de Lima (que escreveu na revista modernista Orpheu, coordenada por Fernando Pessoa).
E ouvimos histórias, que, atualmente, achamos improváveis, como a de uma senhora do Porto, casada e muito rica, que se apaixonou pelo motorista. Foi-lhe feita uma perícia, a pedido do marido, sendo-lhe diagnosticada uma estranha "loucura lúcida", pelo que foi internada quase até ao final da sua vida, vendo ser-lhe retirada toda a fortuna.
E muitas outras pessoas, ditas anónimas, das quais ficaram retratos que são conservados. Como são os instrumentos antigos, os livros da bela Biblioteca, isto é, todas as memórias de uma Instituição que estima o seu Património - humano e material.
Vimos doentes que estavam sentados, sozinhos ou acompanhados; que conversavam ou que pareciam ensimesmados; que passeavam ou que passavam velozes, pelas alamedas.
Perante um grupo grande de jovens, acompanhados de professoras, alguns aproximavam-se. E sorriam. E piscavam um olho. E diziam que as raparigas eram bonitas. E elas respondiam também com um sorriso, porque todos sabiam que deviam comunicar de forma normal com quem não é considerado assim. Felizmente, todos os alunos eram inteligentes, educados e simpáticos.
E todos buscam a luz de que todos precisamos. Não "nós" e "eles", mas "NÓS", como foi recorrentemente referido ao longo da visita.
Na Oficina de Lavores, perto do campo onde existem hortas, uma bela e atenta monitora ensinava a
fazer trabalhos manuais. Muitos deles serão expostos no início de dezembro, numa
venda de Natal, aberta ao exterior. Porém, um tapete de arraiolos,
disse o bordador, era para oferecer à mãe. "O meu trabalho é uma
toalha de chá" - dizia uma senhora, mostrando-a com
modesto orgulho. Oh, caiu-me uma malha (era uma tira para uma colcha quentinha de
lã) - disse outra senhora, com pena da imperfeição que parecia não querer.
Ah! Na entrada principal, vi também o sr Abreu, um dos principais atores do filme que passou recentemente nas salas de cinema e cuja ação decorre no Hospital. Disse-lhe que estava a reconhecê-lo e que tinha gostado muito de ver o seu trabalho. Abriu um sorriso de prazer e falou do seu gosto e capacidade para a representação. Daí a pouco, iria para o ensaio do grupo de Teatro. Seria num espaço onde os visitantes tinham passado, numa sala com retratos de pessoas que ficaram na história da cidade e do país. Havia cadeiras junto ao palco, ainda vazio.
Perto da sala do Teatro, de uma janela, vimos a capela, que - disse-nos a nossa anfitriã - tem missa ao sábado às 17 h, aberta a todos, acrescentando que são ótimas as condições acústicas e que os pacientes gostam muito de ver pessoas de "fora".
E, à saída, depois dos agradecimentos e despedidas, víamos melhor que até as camélias do jardim são todas diferentes, não deixando nenhuma de ser flor!