quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Para prendas de Natal?



Há uns dois anos, uma amiga ofereceu-me um tabuleiro semelhante, para levar à mesa e servir de base a travessas ou tachos quentes.

Gostei muito e segui a ideia. Fui recolhendo rolhas - muitas foram-me oferecidas - e aqui está o produto da sua reutilização.

E já disse para os meus botões: que bom, já tenho as primeiras prendas de Natal! Úteis e bonitas!

O campo de pampilhos


Maria, sempre que podia, gostava de ir para casa da avó. Perto da casa, havia um campo. Por aquilo que ouvia contar, era menos cultivado do que antigamente. E sobretudo as crianças já não iam para lá correr nem apanhavam raminhos de flores para oferecer à mãe, à avó, às amigas ou para pôr nas mãos das bonecas.

Hoje, Maria teve autorização para ir a casa da avó e ao campo que ela ainda mantinha.

Quando chegou, deu um beijo à avó, pousou a malinha cor-de-rosa com o pijama, roupa para o dia seguinte e um livro colorido que recebera nos anos, porque gostava de ler um bocadinho antes de adormecer. E logo, logo perguntou:
- Avó, deixas-me ir para o campo?
- Maria, olha que só lá há pampilhos  e pouco mais– respondeu a avó. E acrescentou: não tenho podido ir lá por causa das dores nos joelhos.
- Ó avó, disse Maria, não te preocupes, eu vou sozinha. Podes ir à janela de vez em quando para eu te dizer adeus.

E assim foi. Quando Maria chegou ao campo, olhou para os pampilhos e lembrou-se de uma fotografia antiga da mãe. 

Nunca tinha sentido flores tão macias entre os dedos. As pétalas eram de perfumado e fresco veludo amarelo. Apanhou um grande ramo e veio a correr mostrar à avó, que não se tinha afastado da janela, vendo a neta correr pelo caminho antigo de pedras polidas pelo tempo. Também ela havia percorrido aquele caminho muitas vezes para colher pampilhos e com eles fazer colares.

A menina, a correr, parecia ter asas no cabelo e chegou ofegante com o braçado dos pampilhos. 

- Avó, olha o que eu apanhei. Vou fazer-te um colar como quando eras pequena.
- Então, vou ajudar-te. Na próxima semana, vou dar-te também um presente.
- O que é, avó?
- É surpresa, Maria.
- Diz só um bocadinho da surpresa, avó.

- Então, vê se sabes esta adivinha: Qual é a coisa qual é ela que corre, que brinca, que gosta de flores…
- Ó avó, sou eu?! Então, qual é a surpresa?
- Espera, que ainda não acabei a adivinha.
- A última palavra foi flores…
- E que dava uma imagem tão bonita que não a quero perder.
- Ó avó, é uma fotografia.
- Se fosse fotografia, ela já existia…
- Oh, quando começas a rimar…
- Tive a ideia e logo que possa, quero o trabalho começar.
- Vais escrever uma história…
- Ainda não podes cantar vitória.

Quando Maria foi para casa, a avó esboçou o quadro com Maria a segurar um ramo de pampilhos.

Assim, não mais perderia a imagem de Maria - a colher flores naquele belo dia.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Quem sabe é o jardineiro


Era uma vez um rei que tinha, à roda do palácio, onde vivia, um enorme pomar muito bem tratado. Imensos jardineiros cuidavam desse pomar, que era a vaidade do rei.
Árvores de fruto de todas as espécies, algumas vindas de terras distantes, transformavam, na Primavera, o pomar num jardim magnífico, onde sobressaíam o cor-de-rosa, o azul, o branco e o amarelo das flores, sobre o verde fresco das folhas.
E, quando os frutos começavam a ganhar forma, o perfume que inundava o pomar quase entontecia.
Estava, um dia, o rei a mostrar o pomar a uns primos, príncipes de reinos vizinhos, quando viu, caídos de um pessegueiro uns tantos frutos meio apodrecidos.
Mandou logo chamar o chefe dos jardineiros e perguntou-lhe, muito irritado:
— Explique-me este desleixo. Quem é o responsável?
— Foram os pássaros, Majestade, que bicaram os frutos mais apetitosos — explicou o jardineiro.
— Pássaros? — exclamou o rei. — Como se atrevem a entrar nos meus domínios e a bicar as minhas riquezas?
— Os pássaros têm asas e não conhecem muros — respondeu o jardineiro.
— Pois vou eu ensiná-los — indignou-se o rei.
— Que podem os pássaros contra mim?
E o rei foi para o palácio, onde ditou um decreto para ser espalhado pelo reino, em que mandava matar todos os pássaros, passarinhos e passarocos, sem escapar um. As ordens do rei tinham de se cumprir. Foi uma mortandade.
No ano seguinte, realmente, já não havia pássaros atrevidos a bicar nos frutos do pomar real. Mas, em contrapartida, uma praga aflitiva de lagartas e insectos destruiu as colheitas, minou os frutos, empobreceu o reino.
— Como se explica isto? — perguntou o rei ao jardineiro. — Depois de guerrearmos os pássaros, temos agora de guerrear os mosquitos e as lagartas. Como se dá batalha às lagartas?
Sorrindo, o velho jardineiro respondeu:
— Para guerrear as lagartas, temos de nos aliar aos pássaros. São eles que as comem, mais às larvas e a todos os bichinhos miúdos da natureza.
— Podias ter explicado isso mais cedo — comentou o rei, fazendo-se esquecido.
Logo ali mandou anular o decreto, que tinha apagado as asas dos céus do reino. Os pássaros já podiam, de novo, voar livremente. E poisar onde lhes apetecesse.
Assim é que estava certo.
António Torrado


terça-feira, 2 de outubro de 2012

"Tributo à guitarra portuguesa"

"Será possível imaginar o Mundo sem Música?"

No Teatro Nacional S. João, no Porto, Miguel Amaral tocou guitarra portuguesa e João Moutinho  viola. São dois jovens que revelam uma grande entrega à música.

Numa sucessão de músicas, prestou-se e presta-se homenagem a grandes nomes da guitarra portuguesa: Armandinho, Carlos Paredes e Fontes Rocha. 

Sou sincera: nem sempre reconheci o autor das músicas, exceto as de Carlos Paredes que me parecem apelos para melhor sentir, melhor ver, melhor ser... Nas outras, apesar de não as saber distinguir, desenhavam-se muitas tonalidades da alma portuguesa, pese o vago que esta  expressão possa ter.

No final, o público pediu mais e mais. Os agradecimentos e aplausos vinham não só da plateia, mas do palco.

As pessoas saíam com agrado nos rostos. Tinha valido a pena a vinda a tão bela Casa de Teatro.

Como escreveu Miguel Amaral no folheto disponível, "será possível imaginar o Mundo sem Música?"

Confirma(va)-se que não!

O diário de Mariana

Querido diário,

Quando penso que tenho tempo para folgar um bocadinho, vem logo um trabalho de casa mais complicado. Ou um teste. Ou um trabalho para apresentar. E ainda dizem que os estudantes não fazem nada. Ai não que não fazem. Bem sei que nem todos. Não me quero gabar, mas eu estou quase sempre ocupada. Eu sei que às vezes penso mais no que tenho para fazer do que faço mesmo, mas também há pouca gente perfeita! Eu, pelo menos, não sou, embora goste de ser responsável e boa pessoa, mas sei que a gente às vezes pensa uma coisa e os outros pensam outra coisa diferente de nós.

Hoje apeteceu-me ser egoísta. Também tenho direito. Estava com o Gi, a Bia, a Isa e outros que já nem sei muito bem. Íamos a passar no corredor, abri a a porta da sala de estudo (é preciso empurrar com força porque a mola pode mais do que eu) e achei altamente haver muita luz do sol a entrar e um silêncio incrível. Era hora do almoço e só estavam duas pessoas a estudar. 

Disse-lhes que podíamos lá ficar um bocadinho. Disseram-me logo que eu não estava boa da cabeça. Eu então respondi assim: desculpai lá, mas eu vou ficar porque preciso de me concentrar para a aula. Riram-se na minha cara, mas eu não me importei e fiquei mesmo.

Na aula, o Gi estava chateado comigo e eu disse assim sem a setora ouvir: se calhar, julgas que não tenho vontade própria! Ele ficou a olhar para mim com aqueles faróis de que gosto tanto, mas que às vezes me irritam, e deixou de falar do assunto.

Eu aproveitei o tempo em que estive quieta e calada na sala de estudo para começar a escrever-te, querido diário, e foi altamente.

Depois chegou um grupo barulhento a dizer que o Ministério vai pôr todas as matérias do ensino secundário no exame do 12º ano. Parece que já começou uma guerra nas redes sociais. 'Tou pra ver.

Como já havia algum barulho, arrumei o meu caderno, saí e fui ter com eles. Foram horríveis, porque fizeram de conta que me ignoravam. Que cena! Como não liguei, já está tudo bem.

Vou ficar por aqui, porque o trabalho de casa parece que está a chamar por mim.

Muitos abracinhos, querido diário.

Mariana

PS - Apesar destas coisas, gosto mesmo da minha turma e os setores também, acho eu. A nossa dêtê do ano passado, quando olha pra nós, parece que fica com saudades. Oh, acho o tempo de escola altamente.

Hoje passei por casas da minha infância

Comecei a andar mais devagar. Olhei as casas e revi e revivi aqueles espaços com as pessoas que lá moravam quando eu era pequena. 

Nesse passado, tudo era presente e o dia não se ocupava a pensar no futuro. 

Numa das casas, havia uma religiosa e meditada alegria; noutra, as gargalhadas eram tão sonoras que se ouviam cá fora; outra cheirava a cereais frescos, tinha  nabiças no campo contíguo e o vinho doce escorria de cor e espuma quando alguém chegava...

Hoje passei junto de casas da minha infância. E, apesar de muitas ausências e de tanta distância no tempo, tudo parecia tão próximo!

Rosas de outono


Coesão


domingo, 30 de setembro de 2012

Domingo de outono

Compota de abóbora sobre a mesa. Com sabor a limão e a canela. A marmelada, no armário, espera os frios doces do inverno. As folhas amareladas caem no chão mole e húmido que dá descanso por não precisar de ser regado.

O pôr do sol tem menos fogo e a noite fecha-se mais cedo. Abrem-se gavetas com tempo de as arrumar. Pega-se num livro que há muito estava por abrir. Tudo parece mais silencioso e menos efémero. Ou é por hoje ser domingo?

EU e os outros

São imensos os exemplos quotidianos em que o EU se opõe aos outros. E em pequenas coisas. Todos conhecemos pessoas que gostam de falar, com muito pormenor, dos seus assuntos, revelando, porém, falta de tempo para ouvir os outros.

E, atenção, eu também não serei exceção.

Para além da indisponibilidade de ouvir os outros, há também o achar que as virtudes existem essencialmente no trabalho pessoal e os defeitos só abundam no de outrem.

Vem isto a propósito das palavras do Dr António Borges a propósito de medidas que ele próprio ditou, sendo aceites pelo governo e rejeitadas pela maioria dos cidadãos, incluindo empresários. O resultado foi o referido conselheiro chamar-lhes ignorantes, uma vez que não tinham compreendido o alcance de estratégias, por si criadas, e que resolveriam problemas económicos do país, como a privatização da RTP, da CGD, da TSU e muitos etecetras em que o cidadão comum ficaria a perder cada vez mais, embora isso pouco pareça contar.

O que fará com que algumas pessoas se achem os donos do mundo e vejam os outros como uma massa de pequenos figurantes?!

Será uma questão de educação? De genética? 

Sei lá bem. Se calhar nem eles. E, como não sabem pensar nisso, continuam a espalhar a sua ignorância humana.

sábado, 29 de setembro de 2012

Já há nozes

 


"Deus dá nozes a quem não tem dentes"

 "Deus dá as nozes mas não as parte"

Hoje lembrei-me de Almodóvar

No cemitério, muitas mulheres arranjavam as flores, enfeitavam as jarras, carregavam baldes de água, esfregavam as pedras, varriam as folhas, apanhavam os caules cortados e caídos...

E, despachadas, pensavam nos mortos e tinham pressa para irem cuidar dos vivos.

E ainda falavam umas com as outras. Das flores que trouxeram, do trabalho que os filhos não têm, da doença exigente dos pais, dos problemas quezilentos com os vizinhos, do tempo mais frio de outono...

Num espaço de morte, pulsava pujante vida. 

Apesar de muitas diferenças, parecia que Almodóvar tinha passado por ali. Ou então por lugar muito semelhante.
 

 
Volver - Penélope Cruz

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O que é que a casa tem?

  Não é nada raro ouvir: quem me dera ir já para casa. E isto não são só os adultos que dizem mas também os jovens e até as crianças.

Os adultos, ainda que gostem e precisem do seu trabalho, desabafam com frequência: quem me dera ir embora. 

E logo se adivinha o gosto por terem a casa bem arrumada, o cantinho do sofá ali mesmo à espera...

Os jovens, na escola, sobretudo na última aula do dia ou da semana, dizem sempre que podem: ó setora, deixe-nos sair mais cedo. Assim, vamos mais cedo para casa. 

Claro que não saem, mas não deixam de o dizer, porque a vontade seria mesmo essa.

E, muitas vezes, o professor pensa lá para ele que também gostaria e bem precisava de ir mais cedo para casa.

 E como é bom chegar a casa ainda com sol! Ver a luz a entrar pela janela faz lembrar dias luminosos com tempo para olhar os desenhos que se vão diluindo com o passar das horas.

O que é que a casa tem?

Será o aconchego há muito perdido? Será o ninho onde se procura um pouco mais de calor? Será o silêncio que não se conhece noutros lugares? Será o alimento que se vai saboreando sem hora e sem lugar certo? Será a concha que não deixa fugir o mar?...

Tenho poucos minutos, mas...

... quero dizer que gostei de dar a primeira aula da manhã. Felizmente acontece muitas outras vezes.
Como tinha havido a comemoração do Dia Europeu das Línguas, os alunos tinham ficado de escolher um poema de Fernando Pessoa para ler à turma. Foi-lhes pedido que justificassem a escolha.
Pelas 8.30, com a sala tranquila, o céu carregado e parado de nuvens, quase todos os alunos cabriram os cadernos e começaram, um a um, a apresentar o seu trabalho.
Alguns tinham trazido pequenos livros com os poemas.
Eu olhava a manhã nos rostos concentrados e atentos dos miúdos. E imaginava-os em casa a preparar os trabalhos, a pensar como os iriam partilhar na aula seguinte. Como a professora iria reagir. Como a turma os iria receber.
E fiquei contente. E senti a alegria de poder começar o dia assim.
E também por não me ter esquecido de lhes pedir o trabalho. Como às vezes acontece. Pelo menos a mim.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Hoje comemora-se o Dia Europeu das Línguas



«Meu desejo é desalinhar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da vida».
             Mia Couto    



«As palavras, como os pássaros, voam por cima das fronteiras políticas».
Rodrigues Castelão



«Porque bonitas são as línguas depois de manejadas e celebradas pelas pessoas».
                 Ondjaky



«Da minha língua vê-se o mar».
               Vergílio Ferreira

domingo, 23 de setembro de 2012

Os palacetes de César

Hoje passei, de carro, em César - entre Ovar e S. João da Madeira.

Não conhecia esta terra. Chamaram-me a atenção alguns belos palacetes - uns bem conservados, outros aparentemente abandonados.

O dia era de fim de setembro carregado e chuvoso. Vi uma palmeira que uma trepadeira lilás coloriu, vi os tais palacetes com plantas com tempo e espaço para crescerem onde podiam. Pressenti o passado que foi morrendo aos poucos, enquanto as ervas daninhas invadiam, sem dono, muito do presente.

Fiquei com vontade de voltar a César. Para percorrer as suas ruas e olhar também os  palacetes antigos.  Um deles ergue-se da vegetação verdejante e vasta.

  Pelo que sei, César nunca teria passado em César, senão diria: a César o que é de César!

Chuva de outono




sábado, 22 de setembro de 2012

Doce outono


Outono



Os valores (des)conhecidos

Ontem, numa aula, veio a propósito a expressão "Valores humanos". Perguntei aos alunos, em bloco, como poderiam tornar mais específico esse conceito abrangente. Repeti a pergunta e continuei a não ter resposta da turma. Reformulei a questão e o silêncio continuou.

Se eu não conhecesse a maioria dos alunos, até pensava que o diálogo entre nós era difícil.

Até que uma aluna disse: "é isso da dignidade e não sei quê?"

Felizmente, depois surgiram outros: solidariedade, honestidade, responsabilidade...

Alguns rostos pareciam dizer que eram palavras que lembravam catequese antiga de que já pouco se falava.