segunda-feira, 2 de julho de 2012

"Árvores como nós"


         

Existe uma planta chamada agave. Alguns exemplares vivem no Jardim Botânico, no Porto.

A planta-mãe cresce durante dez anos. 
Enquanto se eleva em direção ao céu, vai espalhando sementes que germinam e crescem à sua volta.
Depois de um ciclo de dez anos, a planta-mãe morre para que o alimento não falte aos seus rebentos.


Dos filhotes crescerão outras árvores e destas, a seu tempo, novas crias.


domingo, 1 de julho de 2012

Carta a Ruben A.






Que tenhas morrido é ainda uma notícia 
Desencontrada e longínqua e não a entendo bem 
Quando – pela primeira vez – bateste à porta da casa e te sentaste à mesa 

Trazias contigo como sempre alvoroço e início 
Tudo se passou em plenos e projectos 
E ninguém poderia pensar em despedida 

Mas sempre trouxeste contigo o desconexo 
De um viver que nos funda e nos renega 
- Poderei procurar o reencontro verso a verso 
E buscar – como oferta – a infância antiga 

A casa enorme vermelha e desmedida 
Com seus átrios de pasmo e ressonância 
O mundo dos adultos nos cercava 
E dos jardins subia a transbordância 
De rododendros dálias e camélias 
De frutos roseirais musgos e tílias 

As tílias eram como catedrais 
Percorridas por brisas vagabundas 
As rosas eram vermelhas e profundas 
E o mar quebrava ao longe entre os pinhais 

Morangos e muguet e cerejeiras 
Enormes ramos batendo nas janelas 
Havia o vaguear tardes inteiras 
E a mão roçando pelas folhas de heras 

Havia o ar brilhante e perfumado 
Saturado de apelos e de esperas 
Desgarrada era a voz das primaveras 

Buscarei como oferta a infância antiga 
Que mesmo tão distante e tão perdida 
Guarda em si a semente que renasce 


Sophia de Mello Breyner






 

São rosas, Senhor, são rosas...








"O Amor é de outro Reino"


Ruben A. (Jardim Botânico, no Porto)

"O amor é de outro reino. (...) Da amizade, do amor, do encontro de duas pessoas que se sentem bem uma ao lado da outra, fazendo amor, falando de amor, trocando amor, conversando de amor, falando de nada, falando de pequenas histórias código de ministros com aventuras de aventuras sem ministros conversa alta e baixa de livros e de quadros de compras e de ninharias conversas trocadas em miúdos ouvindo música sem escutar música que ajuda o amor o amor precisa de ajudas de ir às cavalitas de andas de muita coisa simples amor é um segredo que deve ser alimentado nas horas vagas alimentado nas horas de trabalho nas horas mais isoladas amor é uma ocupação de vinte e quatro horas com dois turnos pela mesma pessoa com desconfianças e descobertas com cegueiras e lumineiras amor de tocar no mais íntimo na beleza de um encanto escondido recôndito que todos no mundo fizeram pais de padres mães de bispos avós de cardeais amor agarrado intrometido de falus com prazer de alegria amor que não se sabe o que vai dar que nunca se sabe o que vai dar amor tão amor".

Ruben A., in 'Silêncio para 4'

sábado, 30 de junho de 2012

A prova


Sábado à tarde. Numa das ruas perpendiculares à Ribeira do Porto, há uma exposição de pintura. Entramos.
Para além dos quadros que podem ser admirados, há também prova de um vinho do Douro. As garrafas e os copos estão dispostos sobre um  balcão. Aceitamos a oferta.
Do lado de dentro, está o pintor – um homem que parece reservado e preferir o silêncio doméstico.
Do lado de fora, a mulher dirige-se às pessoas que entram, mostrando à vontade, convicção e simpatia. Com entusiasmo, tenta vender o vinho e mostrar os quadros produzidos pelo marido.
Enquanto provamos o vinho, falamos com o pintor – um professor de Educação Visual já reformado.
Fala como que a pedir licença, envolvendo as palavras em sorrisos.
Diz  que a exposição dos quadros foi uma prenda da mulher quando fez 65 anos.
Quando saímos, felicitamos os dois pela prova... de amor.

Os Jardins de Sophia (de Mello Breyner Andresen)


Em bela e luminosa manhã de sábado, um grupo de amigos (e amigos da escrita e da leitura) visitou o Jardim Botânico, 
no Campo Alegre, no Porto. 
A quinta pertenceu ao avô de Sophia. Sobretudo em criança, a poeta brincava nestes espaços que, mais tarde, viriam a entrar em muitas das suas histórias: O rapaz de bronze, Noite de Natal e muitos mais.
Para além das inúmeras variedades de plantas, dos espaços (quase) míticos, da beleza florida, existe uma cafetaria com mesas voltadas para um dos jardins (construído à imagem de uma das carpetes que existia na casa). 
Está aberto das 10 h às 18h. 
Um belíssimo espaço para ler. 
Ou percorrer alguns dos caminhos de Sophia.
E por que não apenas olhar?








Porto (rua das Flores), em tarde doce de sábado


O olhar também é ponte



sexta-feira, 29 de junho de 2012

A bicicleta



O que mais lhe custava era interromper os passeios quase diários estrada fora. Durante algum tempo, não poderia percorrer  os habituais quilómetros de bicicleta, depois de um dia de trabalho ou ao fim de semana.
Sentir o vento no rosto, a física agilidade feliz aos sessenta anos,  o bem humorado convívio com os colegas do grupo de ciclistas.. Dava-lhe tanto prazer andar de bicicleta que nunca tinha pensado na possibilidade de deixar de o fazer.

E disse com doçura meneando a voz e a cabeça:
Quando fiquei doente, pensei: ai que não vou poder andar mais de bicicleta. É que não imaginas como me sinto bem quando saio para dar um passeio de bicicleta. Acho que nem em criança conheci um prazer assim. A vida deu-me coisas muito boas, mas a bicicleta é especial. Ela leva-me onde quero sem nada exigir em troca. Sem ter de marcar horários de partida ou de chegada. Faz parte de mim. Sem ela, os meus dias eram vazios e parados.

Já sei que me vais dizer: claro que em breve vais retomar os teus passeios na tua querida bicicleta.

E assim foi.
Não precisava de palavras de circunstância, mas de acreditar que a bicicleta continuava, em casa, à sua espera.

A beleza próxima dos girassóis


Luzes de S. Pedro, na Afurada


quinta-feira, 28 de junho de 2012




Afinal, ontem foi dia E(spanha)!



 Portugal podia ser um pouco  mais feliz!
 

quarta-feira, 27 de junho de 2012

O pai de Andi



Imagem da net

Não era normal! Os três amigos de Andi tinham pais famosos.
O pai de Alexandre era cirurgião. Um daqueles médicos a quem as pessoas ricas e importantes recorrem para tirar o apêndice.
O pai de Rafael tocava violino. Não apenas por prazer. Dava concertos pelo mundo inteiro e era sobejamente conhecido.
O pai de Gino era um realizador de cinema. Diz aos atores o que eles têm de fazer, foi como Gino, com certo orgulho, explicou a profissão do pai.
O pai de Andi era vendedor numa loja de roupa para homem. Um pouco baixo, usava óculos dourados e não era nada conhecido.
Andi só o via ao fim de semana, porque os pais tinham-se separado. Quando os colegas falavam dos pais, Andi ficava calado. O que é que ele havia de dizer? Na passada terça-feira, o meu pai vendeu um fato de flanela cinzenta?
Nas férias grandes, Alexandre foi para África, porque o pai queria fotografar leões. Rafael foi para Nova Iorque, onde o pai ia dar um concerto. E Gino foi para a Sérvia, onde o pai estava a rodar um filme.
O pai de Andi queria ir para a Toscânia. Pela sua bela paisagem e porque gostava de visitar igrejas antigas. Andi não tinha bem a certeza se queria ir, mas estava combinado passarem juntos umas férias por ano.
Por isso, Andi foi com o pai para Itália. Para dizer a verdade, até gostou bastante. Ficaram numa terrinha entre vinhas, davam passeios e visitavam igrejas antigas, mas não em demasia.
Certo dia, que seria diferente dos outros, passeavam pelo mercado de uma pequena aldeia. Compraram tomates e alhos para o molho do esparguete, e ainda pêssegos e uvas para a sobremesa. Num pequeno bar, o pai de Andi tomou café e Andi bebeu um sumo de laranja, que em Itália se diz “aranciata”. Dirigiram-se depois, devagar, para o local onde o carro ficara estacionado.
Andi foi o primeiro a ver os pássaros. Parou, horrorizado. Numa parede batida pelo sol estavam dependuradas cerca de vinte minúsculas gaiolas, cada uma com um pássaro fechado lá dentro. Pardais, tentilhões, um melro. Num desespero evidente, arremessavam-se para cima e para baixo contra as grades.
— Que maldade! — exclamou Andi.
O pai de Andi olhou pensativamente e não proferiu palavra.
De resto, mais ninguém parecia incomodar-se com os pássaros encarcerados. As pessoas passavam, falavam, riam, e não prestavam a mínima atenção àquele arremeter e piar de desespero.
O pai de Andi aproximou-se de uma gaiola. O pardal, prisioneiro e em pânico, tentava bater as asas, mas a gaiola era tão pequena que as asas embatiam contra as grades de madeira. Num gesto rápido e resoluto, o pai de Andi abriu a porta da gaiola. Teve de retirar primeiro o recipiente da água e só depois é que pôde abrir a porta de arame. O pardal mais parecia dar cambalhotas do que voar. Pousou por um instante na rua, atordoado, mas depois voou e desapareceu. O pai de Andi abriu todas as gaiolas. Uma por uma.
— Estão a olhar para nós — disse Andi. — Despacha-te!
Mas só quando abriu a última gaiola é que o pai pegou no saco de papel que tinha pousado no chão e deu a mão a Andi.
— Não vão deixar-nos passar — sussurrou Andi, com medo.
Um pouco mais à frente, havia pessoas paradas na rua, que falavam em voz baixa umas com as outras e olhavam para eles com um ar severo.
Agora vamos precisar do Super-Homem, pensou Andi, deitando um olhar de soslaio ao pai. Que esquisito! Teria o pai crescido em tão pouco tempo? Parecia muito maior do que de costume, muito decidido. E fazia cá uma cara… Exatamente como o Super-Homem, antes de um duelo de vida ou de morte.
Contrariadas, mas sem nada fazerem, as pessoas da rua afastaram-se, deixando o caminho livre a Andi e ao pai. Quando os dois dobraram a esquina, estugaram o passo e, em poucas passadas, chegaram ao carro. Andi voltou a olhar para o pai para se certificar. Será que alguém na idade dele pode ainda crescer? E tão de repente? Deve ter sido uma ilusão!
Deixaram a pequena aldeia para trás, mas nenhum dos dois falava. Andi olhou mais do que uma vez discretamente pelo espelho. Ninguém a persegui-los! À sua frente, estendiam-se montes raiados de cor-de-rosa, violeta e azul-claro. Ciprestes escuros erguiam-se contra o azul leitoso de um céu de verão. Os dois continuavam ainda em silêncio. Mais tarde, sentaram-se debaixo de uma oliveira, a comer pêssegos sumarentos. Sobre as suas cabeças, pousado num ramo coberto de folhas prateadas, cantava um pássaro.
— Este pertence ao teu grupo de admiradores! — disse Andi ao pai.
Como está ansioso por ouvir o que Alexandre, Rafael e Gino vão dizer!
Edith Schreiber-Wicker
Brigitte Meissel; Wilhelm Meissel (org.)
Fernweh
Wien, Herder Verlag, 1980
(Tradução e adaptação)
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Tomara que fosse Dia P



Hoje será Dia P(ortugal) 
ou
Dia E(spanha)?



Tomara que fosse Dia P(ortugal)!


 

terça-feira, 26 de junho de 2012

(Em dia de forte calor, vindo do norte de África)

 Tahar Ben Jelloun
Minha pátria é um rosto
um luar essencial
uma fonte de manancial vivo
É uma mão emocionada que guarda o crepúsculo
para pousar sobre os meus ombros
É uma voz de soluço e de riso
um murmúrio para os lábios que tremem
O único horizonte de minha pátria
é uma ternura contida
nos olhos negros
uma lágrima de luz sobre os cílios
É um corpo de tormentos, precioso
como um tufo de raízes
vizinho da terra quente
É um poema
gerado pela ausência
um país por nascer
à margem do tempo e do exílio
depois de um sono profundo.

Tahar ben Jelloun
(nascido em Marrocos, 1944)

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Emel Mathlouthi

Emel Mathlouthi - tunisina - Uma voz da "Primavera Árabe"

Espanha é grande

Rosalia de Castro
Poeta
(Santiago de Compostela) 

por
Sofia Gandarias
Pintora
(País Basco)

Bem sei que não há nada de
Novo sob o céu,
Que antes outros pensaram
As cousas que ora eu penso.

Bem, para que escrevo?
Bem, porque somos assim:
Relógios que repetem
Eternamente o mesmo.

Rosalia de Castro

É bom quando as conversas são coloridas como as cerejas